No Dia Mundial do Rock, Zero Hora destaca 20 espetáculos inesquecíveis que passaram pela Capital em 50 anos. A seleção levou em conta a importância histórica do artista e a dimensão do show - e, infelizmente, teve de deixar de fora nomes como Deep Purple, Elton John, Rod Stewart, Morrissey, Rush e R.E.M., entre outros gigantes.
Jornalistas e músicos de diferentes gerações consultados pela reportagem comentam a longeva relação de Porto Alegre com o rock e apontam um momento inesquecível que viveram diante do palco.
Texto
Gustavo Brigatti
gustavo.brigatti@zerohora.com.br
Marcelo Perrone
marcelo.perrone@zerohora.com.br
DESIGN
Diogo Perin
Celeiro de boas bandas, palco dos grandes espetáculos do rock'n'roll. Nas últimas décadas, Porto Alegre virou referência de cidade roqueira. No Dia Mundial do Rock, pedimos a músicos e jornalistas para apontarem momentos emblemáticos do gênero na Capital.
Para o jornalista Juarez Fonseca, que desde os anos 1970 acompanha o cenário musical do Estado, houve um momento crucial para a consolidação do rock no Sul:
- A década de 1980. Foi quando Porto Alegre se conectou com o restante do país. Todas as grandes bandas nacionais passaram a vir à Capital, assim como as bandas daqui começaram a ganhar o Brasil.
Outro jornalista especializado na cena, Marcélo Ferla concorda. Lembra de Engenheiros do Hawaii e Nenhum de Nós se destacando comercialmente e do DeFalla influenciando muita gente que viria depois, de Chico Science a Planet Hemp. Ferla ressalta que a década de 1990 foi sui generis:
- No fim dos anos 1990, o Estado tinha um mercado quase autossustentável. A cena ficou mais profissional e original, com Júpiter Maçã, Wander Wildner e bandas alternativas, como os Walverdes.
Para o apresentador de TV Lucio Brancato, depois de duas décadas de efervescência, o início dos anos 2000 não foi dos melhores. A despeito do sucesso de bandas como Cachorro Grande, a predominância de um único estilo prejudicou o ecossistema roqueiro da Capital - o que parece ter mudado atualmente.
- Estamos retomando a cena heterogênea que originou o rock gaúcho - comemora. - Uma cena que comportava dos Replicantes aos Cascavelletes sem problemas.
Representante da nova safra de roqueiros locais, Erick Endres, 18 anos, crê que, apesar de sua falência comercial, o rock segue vivo:
- Porto Alegre é uma cidade rock. E, como nada se cria e tudo se transforma, o rock estará sempre no coração sujo da cidade.
"Vi Bob Dylan três vezes, mas o show que ele fez no bar Opinião (em 1998) foi o que mais me marcou. Ver o Dylan de pertinho, a poucos metros do palco e com som perfeito, foi muito impactante".
Juarez Fonseca, jornalista
"Para mim, o show dos Rolling Stones foi imbatível. Cheguei a combinar com o porteiro do meu prédio para que, durante a semana do show, ele me perguntasse todos os dias para onde eu estava indo só para que, no dia do show, eu respondesse: "ah, estou indo ali ver os Stones" .
Lucio Brancato, jornalista
"O The Cure fez dois shows lotados no Gigantinho em um tempo em que era raro uma banda em evidência vir à Capital. Então, foi um momento efusivo. Além disso, o rock estava na pauta do mundo todo e o Brasil entrara no circuito depois do Rock in Rio".
Marcélo Ferla, jornalista
"Acho que o show mais legal e emocionante que vi em Porto Alegre foi o do Black Sabbath (em 2013). Foi uma das primeiras bandas de rock que fiquei aficionado, e o show foi um laço. Fui com um baita amigo e ficamos na grade, colados no pai do heavy metal, Tony Iommi.
Erick Endres, músico
Meu show memorável em Porto Alegre foi....
20 shows internacionais memoráveis em Porto Alegre
Beatles e Rolling Stones eram os nomes sonhados, mas foi um outro grupo britânico de grande sucesso nos anos 1960 que desbravou o Brasil e veio parar em Porto Alegre, onde apresentou sua "moderna música jovem", como noticiou ZH. Os anunciados reis do iê-iê-iê animaram cinco mil brotos que abarrotaram o espaço da Quintino Bocaiúva mostrando hits como Bus stop e No milk today. "Só piscina não ferveu no União", foi o título da reportagem do dia seguinte de ZH. "Porto Alegre é uma pequena Londres", bradou o empolgado Noone, que comandou o conjunto também em show na boate Locomotive.
O palco em que o guitarrista mexicano Carlos Santana apresentou-se não existe mais: o ginásio do Estádio Olímpico, antiga casa do Grêmio. Ali os roqueiros gaúchos vibraram com um dos protagonistas do Festival de Woodstock, realizado quatro anos antes. Até então, Santana era reverenciado nas sessões do filme sobre o maior evento cultural e comportamental da era hippie. Na sua primeira visita à Capital, o guitarrista mostrou a original mistura de música latina, rock e jazz impressa em faixas como Soul sacrifice e Oye como va.
Até então, Porto Alegre nunca havia recebido um espetáculo internacional de tamanha magnitude - foram colocadas dentro do ginásio do Inter 19 toneladas de equipamento de som e luz. O músico de 26 anos recém havia deixado de pilotar os teclados da banda Yes e promovia seu aclamado terceiro disco solo, Journey to the centre of the earth, lançado no ano anterior. Wakeman mostrou a 13 mil fãs, entre outras faixas, a íntegra de Journey to the centre... com acompanhamento da Ospa e do coral da Universidade Gama Filho, do Rio, sob a regência do maestro Isaac Karabtchevsky.
A saída do vocalista Peter Gabriel, em 1975, foi um baque. Mas a banda britânica que despontou na onda do rock progressivo alcançou uma fase de grande sucesso quando o baterista Phil Collins assumiu também o microfone. O Genesis chegou a Porto Alegre para fazer duas apresentações, abrindo a turnê brasileira que promovia o disco Wind and wuthering (1976). O segundo espetáculo no impressionante palco giratório foi meia hora mais curto, em razão de um problema gástrico do baixista Mike Ruherford. "O público recebeu os músicos como deuses vindos de outra galáxia, tributando-lhes aplausos nunca dantes ouvidos na província", observou a resenha de ZH.
Outro grande nome consagrado em Woodstock, o cantor inglês trouxe na sua primeira vinda à Capital uma banda com dois nomes conhecidos dos roqueiros: o tecladista Nick Hopkins e o saxofonista Bob Keyes, conhecidos por suas parcerias com os Rolling Stones. O repertório do show teve como base o álbum Stingray, lançado no ano anterior. Sem a parafernália tecnológica dos espetáculos internacionais anteriores na cidade, Cocker chamou a atenção por seu vozeirão e também por ter passado toda a apresentação, de apenas uma hora, entornando cerveja e uísque.
O grupo americano era um dos principais nomes do hard rock noquele começo dos anos 1980, destacando-se em especial pela presença do guitar hero Eddie Van Halen - reverenciado como um dos melhores de todos os tempos - e do performático vocalista David Lee Roth. A presença de artistas desse porte, no auge da fama, era rara no Brasil, ainda mais em Porto Alegre. A banda promovia à época o álbum Diver down e impressionou o público que lotou o Gigantinho com o aparato cenográfico e o pulsante show de duas horas em altíssimo volume.
O início da turnê nacional por Porto Alegre trouxe à Capital fãs e jornalistas de todo o país para assistir ao grupo representante do onda pós-punk britânica que emergiu com força nos anos 1980, alinhada com o subgênero gótico. Ingressos esgotados com antecedência para as duas noites atestaram a popularidade da banda liderada pelo cantor e guitarrista Robert Smith, que vinha no embalo da grande projeção internacional alcançada pelo disco The head on the door (1985), que emplacou nas rádios e nas pistas brasileiras hits como In between days e Close to me.
O baixista e vocalista do The Police partiu em carreira solo em 1985 e veio ao Brasil no auge de sua popularidade, que se estendia também a sua militância em defesa do meio ambiente e da causa indígena - Sting tornou-se grande amigo do cacique brasileiro Raoni. O espetáculo para 55 mil fãs foi conturbado em razão do temporal que desabou sobre Porto Alegre. Sting só consegui subir ao palco às 23h, quando a chuva deu uma trégua, e mandou ver faixas de seus dois primeiros discos e sucessos do Police, repertório testado e aprovado no bem-sucedido álbum ao vivo Bring on the night (1986).
O deus da guitarra apresentou-se pela primeira vez na capital gaúcha em sua fase mais pesada - pessoal e musicalmente. O público que lotou o Gigantinho, no entanto, só viu vantagens: acompanhado de uma banda afiada, Clapton desceu o braço em um repertório que incluiu pauladas de sua carreira solo (Bad love, Layla, Pretending), do Cream (Sunshine of your love, Badge) e covers de estimação do guitarrista, como I shot the sheriff (Bob Marley), Cocaine (J.J. Cale) e Cross road blues (Robert Johnson).
A nova onda do heavy metal britânico colocou em seu topo, no começo da década de 1980, o Iron Maiden. A banda liderada pelo vocalista Steve Harris e com o carismático vocalista Bruce Dickinson de mestre de cerimônias apresentou-se pela primeira vez na Capital com a turnê From here to eternity, que promovia um dos discos mais vendidos de sua carreira: Fear of the dark (1992), puxado pela faixa homônima até hoje é onipresente no seu repertório. O Iron Maiden retornou à Capital, também no Gigantinho, em 2008, para apresentar a turnê Somewhere back in time, com os grandes hits da carreira.
O segundo e último show dos Ramones em Porto Alegre –- o primeiro foi em 1991 – está entre as lembranças mais queridas pelos fãs da banda. Em seus últimos momentos como grupo, os fundadores do punk rock percorreram todo o Brasil em apresentações enérgicas e disputadas. Na capital gaúcha, tiveram abertura dos já consagrados Sepultura e dos estreantes Raimundos. Tocaram 29 músicas, todas antecedidas pelo tradicional "one-two-three-four" e sem interrupção. Tudo o que um fã de Ramones poderia querer.
A lenda Robert Allen Zimmerman já havia se apresentado em Porto Alegre em 1991, no Gigantinho, mas o show que o bardo faria sete anos depois no Opinião deixaria uma marca indelével na memória dos gaúchos. Tudo porque Dylan não tocaria em uma arena ou estádio, a quilômetros de distância dos fãs menos afortunados, mas a poucos metros de todos. Para melhorar, um set list apenas de clássicos imortais, como I want you, Tangled up in blue e It ain't me, babe.
O Metallica não sabia, mas o mar de lama que encontraria em sua estreia em Porto Alegre, em 1999, só não seria maior do que a encontrada na segunda vinda, em 2010. Em seu primeiro encontro com os gaúchos, os quatro cavaleiros do apocalipse tocaram boa parte dos seus hits – de clássicas de sua fase thrash, como Master of puppets, às faixas que os tornaram famosos no mundo inteiro, como a balada Nothing else matters.
Em seus últimos momentos como a banda que rejuvenesceu o rock no começo do século 21, os Strokes foram a atração principal do Tim Festival 2005, em Porto Alegre. Liderada por Julian Casablancas, a banda nova-iorquina mostrou o repertório do seu explosivo disco de estreia, This is it (2001), além de canções do segundo trabalho, Room on Fire (2003), e do então inédito First impressions of earth (2006).
O dia 7 de novembro de 2010 ficará para sempre marcado na memória dos gaúchos como o dia em que um Beatle tocou pela primeira vez no Rio Grande do Sul. Em plena forma, Sir Paul McCartney levantou as cerca de 60 mil pessoas que ocuparam o Beira-Rio com um repertório que mesclou momentos de sua carreira solo com números do Fab Four – destaque para a catarse coletiva de Hey jude (que encerrou a primeira parte do show de mais de três horas de duração), o espetáculo de fogos de Live and let die e a inusitada inclusão da barulhenta Helter skelter.
Em sua segunda visita a Porto Alegre – a primeira foi em 2002, no Olímpico –, um dos fundadores do Pink Floyd trouxe a monumental turnê do álbum conceitual The wall. A superprodução teve o tamanho da grandiloquência do épico escrito por Waters, incluindo a construção e a destruição de um muro gigantesco durante a execução, na íntegra, de um dos trabalhos mais famosos da banda britânica.
Na impossibilidade de um show da banda completa, o vocalista Robert Plant representou o Led Zeppelin em Porto Alegre. O espetáculo, que lotou o Gigantinho, deveria servir para apresentar a carreira solo do cantor, hoje dedicado mais à world music que ao rock pesado que o tornou popular entre os anos 1960 e 1970. Mas o que Plant entregou mesmo foi um repertório recheado de canções de sua antiga banda, como Rock'n'roll, Black dog e Whole lotta love. Ainda que sem a mesma potência vocal da juventude, o cantor se mostrou um gigante no palco, mesmerizando a plateia do começo ao fim.
Os pais do heavy metal já haviam dado o ar da graça em Porto Alegre em julho de 1992, com Ronnie James Dio (1942 - 2010) nos vocais, mas foi em 2013 que eles vieram com o que de mais próximo conseguiriam da formação original: Ozzy Osbourne (vocais), Tony Iommi (guitarra) e Geezer Butler (baixo). Mostrando vigor e carisma, o trio (acompanhado do baterista Tommy Clufetos) apresentou alguns dos pilares da música pesada, como War pigs, Iron man e NIB. A banda volta agora em novembro para sua turnê de despedida.
Um espetáculo irreparável que uniu técnica e emoção. Assim pode ser definida a passagem de David Gilmour por Porto Alegre, no final do ano passado. A célebre Fender Telecaster do guitarrista do Pink Floyd se fez ouvir em alto e bom som, reverberando não apenas clássicos de uma das maiores bandas da história (Wish you were here, Shine on you crazy diamond, Money), mas também da carreira solo de seu dono (5 A.M., Rattle that lock, Faces of stone). O encerramento com a trinca Time, Breathe e Comfortably numb fechou a noite épica.
Depois de Paul McCartney e Ringo Starr representando os Beatles, faltava "apenas" um show dos Rolling Stones para que o DNA do rock ficasse definitivamente impresso no Rio Grande do Sul. Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts saldaram essa dívida com um espetáculo que entrou para história. Em pouco mais de duas horas e sob uma chuva torrencial, a banda inglesa deixou em êxtase as 48 mil pessoas que compareceram ao Beira-Rio. Da abertura com Jumpin' Jack Flash ao encerramento com (I can't get no) Satisfaction, passando por Paint it black, Gimme shelter e Ruby tuesday, o repertório foi quase todo de clássicos absolutos da banda. O concerto teve ainda cores locais, com Jagger arriscando frases em "gauchês" e o Coral da PUCRS participando de You can't always get what you want.
4 - 20