Brasil, um país de inadimplentes

ILUSTRAÇÃO: Gilmar Fraga

Publicado em 18 de junho de 2016

A inadimplência atingiu um número recorde no país: 60 milhões de pessoas não conseguem pagar suas contas. De cada 10 brasileiros, quatro estão com dívidas atrasadas – em serviços básicos, como água, luz e telefone, e também no banco e no cartão de crédito. O desemprego, especialmente entre jovens de 18 a 25 anos, é o principal fator da alta no índice, que provoca um ciclo vicioso no andar de cima da economia: aumenta a desconfiança de empresários, inibe investimentos e pressiona a taxa de juro.

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Cadu Caldas

cadu.caldas@zerohora.com.br

Edição

Ticiano Osório

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Diogo Perin

Naziazeno acordou com um grande problema. Funcionário público da Divisão de Levantamento de Faturas, mal ganha para sobreviver e tem até a manhã do dia seguinte para saldar uma dívida que já se arrasta por vários meses.

O ultimato dado pelo credor não deixa dúvida, já não há espaço para negociação e novos adiamentos.

Nas horas seguintes, perambulando pelas ruas do centro de Porto Alegre, procura uma maneira de juntar dinheiro e pagar o que deve. Sem encontrar amigos que o socorram de imediato, busca a sorte no jogo, tenta empréstimos com agiotas e penhora um anel até conseguir a quantia necessária.

A angústia, o embaraço e as desilusões de Naziazeno Barbosa durante esse curto espaço de tempo, narradas pelo escritor gaúcho Dyonélio Machado no clássico Os Ratos, ajudaram a transformar o romance em um expoente da segunda geração modernista no país. Publicada pela primeira vez em 1935, a obra permanece mais atual do que nunca. Em 2016, milhões de brasileiros compartilham da aflição vivida pelo personagem desafortunado: também estão inadimplentes.

Um dia após o vencimento da conta, a pessoa já pode ser considerada uma devedora, passível de multa e cobrança de juro. Mas entidades avaliadoras de crédito costumam considerar “inadimplente” aquele que está devendo há mais de 30 dias – tempo razoável para quitação da dívida em caso de esquecimento ou de compensação bancária.

Levantamento da Serasa Experian, empresa privada que desde a década de 1970 acompanha informações econômico-financeiras no país, aponta que atualmente 60 milhões de brasileiros não conseguem pagar as contas. Quatro em cada 10 adultos estão com nome sujo na praça  – um recorde na série histórica, iniciada em 2012.

A fila de devedores vem sendo puxada por uma quantidade enorme de jovens. Foi a parcela que mais cresceu entre os inadimplentes e é a mais afetada pelo encolhimento do mercado de trabalho. O desemprego entre pessoas de 18 a 25 anos fechou o primeiro trimestre em 24,1%, enquanto o índice geral beirava os 11%.

O número de jovens adultos inadimplentes é de aproximadamente 9,4 milhões. No final de 2015, eram 8,9 milhões com contas em atraso. É como se, de lá para cá, todos os dias, 5,5 mil novos jovens passassem a ter o nome no vermelho.

Ao ser indicado como inadimplente, o devedor fica impedido de novas compras a prazo –  tanto bancos quanto estabelecimentos comerciais, dos pequenos aos grandes, utilizam dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e da Serasa para decidir se dão ou não crédito a novos clientes.

Erva daninha: Mateus, 24 anos, comprou uma moto a prazo, foi demitido e aí passou a usar o cartão de crédito para despesas básicas

A fragilidade da faixa etária é explicada ainda pela falta de experiência em lidar com as próprias finanças e pelo juro alto do crédito rotativo. Mateus Mezzalira tem 24 anos e já foi incluído na lista de maus pagadores duas vezes. A estreia foi aos 19 anos, em 2011, resultado do uso imprudente do cartão. Na segunda vez, as dívidas não pagas foram filhas de uma combinação mais daninha: perdeu o emprego pouco depois de ter comprado uma moto a prazo. Com a renda reduzida, não bastou sair cortando gastos – precisou usar novamente o cartão para despesas básicas. Três meses pagando apenas o valor mínimo da fatura foram suficientes para tornar a dívida um pesadelo.

– Mal conseguia dormir. Os cobradores ligavam cedo pela manhã. Chegou um momento em que eu nem atendia mais o telefone, ou pedia para dizerem que eu não estava em casa. Estava ciente da dívida, queria pagar, mas não tinha muita alternativa – conta Mateus, que ainda mora com os pais.

A primeira saída ensaiada pelo profissional de marketing foi tentar pedir um empréstimo no banco e “trocar” o juro alto do cartão de crédito (que, em abril, estava com taxa média de 448,6% ao ano) por um mais baixo. A estratégia, bastante recomendada por educadores financeiros, não funcionou porque Mateus estava incluído no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) devido a um débito em uma loja de roupas. A solução encontrada, meses atrás, foi uma opção de que Naziazeno não dispunha para pagar a dívida com o leiteiro: o estudante pediu ajuda ao pai.

– Levei uma “mijada” daquelas, mas aprendi a lição. Para não ficar inadimplente, compra, agora, é só no débito – ensina Mateus.

Economistas costumam encarar a taxa de inadimplência como uma espécie de “indicador defasado”, justamente por ser um dos últimos índices a variar em momentos de turbulência econômica. Quando passa a chamar atenção, de fato, é porque as coisas já não estão nada bem.

Diferentemente das vendas no varejo ou da produção industrial, por exemplo, que refletem de forma muito rápida queda na atividade econômica e recuos na confiança de consumidores e investidores, o número de calotes, em geral, só começa a crescer de forma expressiva quando a crise está instalada e o desemprego já alçou voo.

A demora em denunciar a presença de uma crise não diminui o estrago feito na economia. A alta no índice de inadimplência recontamina indicadores que já estavam ruins, criando um ciclo vicioso: aumenta a desconfiança de empresários, inibe investimentos e pressiona a taxa de juro.

O salto observado nos últimos meses é comparável a movimento ocorrido em 2012. Mas, quatro anos atrás, a razão do aumento de calotes foi o estímulo excessivo ao consumo e o acesso facilitado ao crédito. Desta vez, o estopim foi a recessão econômica – a maior em 25 anos. Boa parte dos endividados está sem trabalho e renda para quitar suas despesas, e a inflação e o juro alto deixam esse avanço bem mais perigoso.

– Vivemos um novo surto de inadimplência. Se a inflação corrói a renda, o emprego destrói. É uma combinação perversa, porque mesmo quem tinha um pouco de planejamento financeiro acabou soterrado pela crise – explica Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

No empresariado, o cenário é ainda pior. Metade dos 8 milhões de empreendimentos com CNPJ ativo na Receita Federal está com dívidas em aberto há mais de 30 dias.

Com a maioria dos negócios no país formada por empresas sem qualquer estrutura de capital, o número causa preocupação. E a expectativa de analistas é de que a inadimplência continue subindo – pelo menos até meados de 2017.

Um mal que obriga empresas a fechar portas e famílias a adiar sonhos, isso quando não implica perda de patrimônio.

FOTO: ANDRÉA GRAIZ

Mudança forçada: Reinaldo, 41 anos, ficou doente, parou de fazer concertos, atrasou o financiamento e teve o imóvel do Bela Vista leiloado

Mutuário pode ficar sem casa

Ainadimplência na prestação de casas e apartamentos tem feito muitos mutuários perderem seus imóveis. Na Caixa Econômica Federal, que controla aproximadamente 70% do crédito imobiliário no país, o número de compradores que tiveram suas residências leiloadas cresceu 93% entre 2010 e 2015. No ano passado, foram mais de 13 mil unidades ofertadas em leilão por falta de pagamento dos financiamentos. Em relação a 2014, o avanço também foi expressivo, 53%.

Compradores que financiaram imóveis por outros bancos passam pela mesma situação. Foi o caso do violinista Reinaldo Alexandre de Ávila, 41 anos. Quando o músico assinou o contrato para aquisição de um apartamento no bairro Bela Vista, em Porto Alegre, as parcelas de R$ 2,3 mil assumidas após o pagamento de uma entrada de R$ 130 mil não pareciam tão pesadas. O sonho de morar na casa própria, com vista para o Guaíba, combinava com o bom momento profissional vivido. Os convites para Reinaldo se multiplicavam.

Mas a vida desafina às vezes, e um problema de saúde, que poderia evoluir para uma trombose, deixou o músico longe do palco.

Reinaldo, junto com colegas, toca em eventos sociais e corporativos em todo o Estado. Acamado por meses, ficou impedido de viajar para o Interior, onde era realizada a maior parte das apresentações. De uma hora para outra, viu sua renda mensal despencar. E a parcela do financiamento, somada ao custo do condomínio (em torno de R$ 1,5 mil), ficou difícil de carregar. Reinaldo tornou-se inadimplente.

– Pouco mais de seis meses sem pagar, vi o lugar onde morava ir a leilão. Sem receber um comunicado decente que fosse – rememora Reinaldo, que, em meio ao tratamento médico, precisou alugar um apartamento às pressas para poder se mudar.

Hoje morando no bairro Humaitá, com a saúde recuperada e o bom humor de volta, o violinista avalia o episódio como “traumático” e reclama da postura do banco durante o episódio:

– Era um contrato leonino, que te devorava caso tu tivesse algum contratempo financeiro. Eu iria quitar a dívida, só precisava me recuperar antes. No fim, eles queriam me cobrar até a fatura do condomínio do período que o imóvel permaneceu desocupado à espera de um outro leilão. Sei que já aconteceu com outros também. As pessoas geralmente dão o dinheiro como perdido e não buscam seus direitos. Para reaver parte do dinheiro de volta, fui obrigado a procurar a Justiça. Não dá para julgar o devedor simplesmente como alguém mal-intencionado.

A velocidade na retomada do imóvel, sem precisar passar pela Justiça, ocorre porque, hoje, a maior parte dos contratos de crédito com as instituições financeiras é por alienação fiduciária – norma que garante a transferência da propriedade do devedor para o credor em caso de não pagamento da dívida.  A regra, criada em 1997, acelerou o processo, antes feito por hipoteca. O prazo para resolver o atraso das parcelas com o banco após a notificação no cartório é curto, em geral de três meses. Passado o período, o imóvel vira propriedade da instituição financeira e segue direto para leilão. Em cerca de um semestre, o mutuário que não tem condições de pagar em dia as parcelas acordadas fica também sem ter onde morar.

O direito de arrependimento na compra, previsto no artigo 49 do Código do Consumidor, não se aplica ao financiamento bancário. O valor obtido no leilão servirá para pagar a dívida com o banco, e o restante é devolvido para o mutuário. O imóvel costuma ser ofertado pelo seu valor de mercado em um primeiro leilão e, se não for arrematado, a oferta é feita pelo valor da dívida em um segundo leilão.

COM O NOME SUJO NA PRAÇA

Número de inadimplentes no país chegou a 60 milhões no final de março — o maior nível da série histórica iniciada em 2012. Quatro a cada 10 brasileiros estão devendo.

 

*Em milhões de brasileiros

Fonte: Serasa Experian

 

 

 

PERDENDO A CASA

Unidades tomadas por inadimplência no país cresceram 53% em um ano

 

Fonte: Caixa Econômica Federal

 

 

QUAIS AS
CONTAS QUE ESTÃO ATRASADAS

*Os percentuais foram arredondados. Dados referentes a março de 2016.

 

Fonte: Serasa Experian

Com medo de que um imprevisto financeiro possa provocar a perda do imóvel sonhado, muitas pessoas têm desistido da compra antes de fechar negócio com o banco. Também aumentaram os pedidos de devolução de imóveis comprados na planta ou em construção com as incorporadoras. Esse pedido de devolução, conhecido como distrato, é um direito de quem comprou o imóvel na planta e ainda não fez um financiamento com o banco após a entrega das chaves. Ao quebrar o contrato com a construtora, o comprador, mesmo inadimplente, recebe de volta parte do que pagou e o imóvel retorna para ser revendido ao mercado. Nesse caso, não existe uma regra de quanto a construtora precisa devolver ao ex-comprador. Mas decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indica que o valor seja de 90% do total já pago pelo mutuário.

Nos quatro primeiros meses de 2016, as empresas receberam de volta 40% das unidades vendidas em lançamentos.

– O número de distratos tem crescido muito. Em 16 anos trabalhando aqui, nunca tinha visto situação parecida.  Só nos últimos 12 meses, as devoluções aumentaram 16%. Não fosse isso, a inadimplência de imóveis seria provavelmente maior. As pessoas estão preferindo desistir do imóvel e evitar o calote a ficar sem casa – conta Luciane Adames, diretora administrativa da Associação de Mutuários e Moradores do Rio Grande do Sul (AMMRS).

Apesar de não contabilizarem para o aumento da taxa de inadimplência do país, as devoluções de imóveis às incorporadoras têm um efeito danoso para toda a economia. Como reflexo do desaquecimento nas vendas e do aumento de distratos, as construtoras puxaram o freio de mão de novos lançamentos e passaram a focar na comercialização de imóveis já prontos. A construção civil emprega cerca de 3 milhões de pessoas no Brasil e já é um dos setores mais atingidos pelo desemprego.

– A expansão do crédito imobiliário no Brasil baseou-se em um tripé: marco regulatório, taxa de juro abaixo de dois dígitos e desemprego reduzido, que deixou as pessoas mais confiantes para investir no longo prazo. Houve agora um desalinhamento disso tudo, como mostra o avanço da inadimplência – avalia o engenheiro Luiz Antonio França, vice presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

O aumento de calotes e devoluções dos imóveis financiados vem acompanhado ainda de uma forte contração do crédito imobiliário. Até abril, o montante disponibilizado para empréstimo foi  56,7% menor do que o apurado no primeiro quadrimestre do ano passado, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

As principais razões para isso são a recessão forte e, claro, o medo da inadimplência. Embora formalmente os bancos ainda exibam condições inalteradas, a aprovação dos pedidos de financiamento está sendo mais “rigorosa” e “demorada”, segundo percepção de profissionais do mercado imobiliário. Mutuários antes considerados “promissores” estão agora tendo pedidos reprovados. E os que têm o pedido de empréstimo avalizado precisam esperar mais tempo para receber os recursos. O rigor maior na concessão também é reflexo dos sucessivos resgates na poupança, principal fonte de recursos para o setor. Em maio, o saque na caderneta foi o maior para o mês desde o início da série histórica do Banco Central, em 1995.

O efeito no empresariado: diante da inadimplência dos clientes de sua ferragem, Tiago, 39 anos, restringiu as vendas a crédito

Aumenta a preocupação Do outro lado do balcão

FOTO: FERNANDO GOMES

Primeiro é o aumento nas despesas, depois a redução nas vendas que preocupa. Quando a lucratividade despenca e os pagamentos começam a ser atrasados, o sono vai embora de vez. Para empresários, a inadimplência, quando vira rotina, escancara a debilidade da saúde financeira e é encarada como uma antessala da falência, a morte da empresa.

Entre janeiro e maio de 2016 e o mesmo período de 2015, os pedidos de recuperação judicial quase duplicaram no Brasil: de 387 para 755, diz a Serasa.

A quantidade de falências decretadas foi de 240.

Enquanto os pedidos de falência de pequenos estabelecimentos subiram de 63 para 70 no intervalo de 12 meses, os de grandes empresas caíram de 39 para 37. O impacto maior tem ocorrido entre as firmas de porte médio. O pedido de falência avançou quase 30% no período, de 34 para 44 – o que indica uma provável escalada da recessão e da inadimplência a partir dos negócios de menor porte (20 a 49 trabalhadores) para o patamar das empresas de tamanho médio (50 a 499 empregados).

Mesmo quando conseguem manter as contas em dia, a incerteza do recebimento preocupa quem está do lado de trás do balcão. Com 39 anos de idade, Tiago Langer Jacobus trabalha há 22 na ferragem da família – que atende fregueses no varejo e também fornece mercadorias para outros pequenos empreendimentos no Estado, como serralherias, mecânicas e lojas de material de construção.

Com tíquete médio de compra menor, os clientes diretos da ferragem não são o principal problema. A dor de cabeça é mais frequente no atacado. A recessão reduz as vendas nos pequenos empreendimentos que, com faturamento menor, acabam atrasando pagamento a fornecedores. Em dezembro passado, a média de calotes na ferragem Jacobus ficou em 4,04%. No final de maio, estava em 14,25%.

O efeito cascata obrigou a loja a rever a política de análise de crédito para novos clientes. Tudo passou a ser levado em consideração: se o possível freguês já teve cheque devolvido, se foi protestado em cartório, se tem dívidas em aberto. Até o histórico do comportamento financeiro dos sócios é analisado. Não raro, potenciais clientes são rejeitados e ficam sem acesso a compras pelo crediário da empresa. Às vezes, apenas metade do valor solicitado para pagamento a prazo é disponibilizada. Tiago opta por vender menos para diminuir o risco de levar calote:

– O filtro ficou bem mais rígido com os novos, mas a crise está tão aguda que até clientes antigos, com décadas de relacionamento conosco, estão atrasando.

 

Tiago já viu de perto diversas turbulências econômicas no país, mas confessa estar “alarmado” com a crise atual, “muito mais generalizada”. Costuma ficar atento ao noticiário e afirma que indicadores como atividade econômica e inflação servem como baliza, mas ressalta que, no dia a dia, a atenção é focada no índice de inadimplência:

– Nossa equipe do setor financeiro fica responsável pelos atrasos de até 30 dias. Liga para o cliente, renegocia. Se não tem jeito, encaminhamos para um escritório de cobrança. O objetivo é vender, mas também receber, não é?

Autor de livros consagrados na área de vendas, como Negociando para ganhar e Tá fechado!, Márcio Miranda afirma que “saber cobrar a dívida” é parte fundamental do processo:

– Microempresários ou profissionais liberais não têm grande volume de recursos para contratar empresa de cobrança especializada. Em geral, colocam alguém da equipe ou fazem eles mesmos a ligação para o devedor, sem preparo algum. Perdem a paciência com desculpas esfarrapadas, até xingam o cliente. Ficam sem receber e ainda perdem o freguês.

Presidente da Associação Brasileira de Negociadores e professor de negociação em curso de pós graduação (MBA), Miranda costuma lembrar os alunos que a situação de cobrança é constrangedora para os dois lados envolvidos, mas que a parte mais frágil ainda é o devedor. Ele alerta:

– Época de crise para o empresário é como Copa do Mundo para jogador de futebol, qualquer gol conta. Não é hora de mandar cliente embora. Quando se trata de microempresa, isso é ainda mais importante.

A realidade das pequenas firmas que compram na ferragem Jacobus não é exceção. Grande maioria dos empreendimentos no país, as microempresas (com até 19 empregados) vivem cenário de devastação. Em abril, 49% dos estabelecimentos estavam inadimplentes, e 27% não conseguiam pagar bancos ou financeiras. Asfixiadas pela queda das vendas e por dívidas, ficam sem fôlego para bancar a quitação de empréstimos e não encontram credores dispostos a conceder novos financiamentos.

O efeito na economia é macro. As micro e pequenas empresas respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado do país. De acordo com o Departamento de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, ligada à Presidência da República, mais de 354 mil negócios fecharam em 2015 – dado mais recente disponível. Para efeito de comparação: a cada dia útil do ano passado, 1,4 mil firmas simplesmente desapareceram no Brasil. Inadimplentes, empresas fecham as portas e desempregam trabalhadores que, sem renda, passam a engrossar também a fila de devedores.

Em relatório divulgado em maio, o FMI projeta que o número de calotes neste ano no Brasil será o maior desde 2008

FOTO: ADRIANA FRANCIOSI

Governo é o primeiro

a levar calotes

Quando deparam com as contas na mesa e o caixa vazio, pequenos empreendedores precisam escolher quais obrigações terão prioridade. A preferência, via de regra, vai para o pagamento de funcionários e fornecedores – imprescindíveis para a continuidade do negócio. Por último, fica a quitação de tributos – que geram multa mas não chegam a inviabilizar a atividade no curto prazo. O pequeno empresário vai empurrando com a barriga até onde conseguir.

Combinada com queda na produção e nas vendas das empresas, a estratégia de sobrevivência é mais um baque para os cofres dos governos e municípios – que, com a recessão, já vêm sofrendo grandes baixas na arrecadação de impostos. Em abril, a arrecadação federal caiu 7,1% em relação ao mesmo mês do ano passado – quase R$ 8 bilhões a menos em 30 dias. O resultado amplia a sequência de quedas: 6,9% em março, 11,5% em fevereiro e 6,7% em janeiro, em comparação aos mesmos meses do ano anterior.

A redução acentuada das receitas da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS), incidentes sobre o faturamento, por exemplo, retrata a intensidade da recessão nas empresas. A inadimplência que corrói caixas de pequenos e médios negócios acaba provocando sangria ainda maior nas contas públicas.

A recessão prolongada e o aumento na taxa de inadimplência das empresas não preocupa apenas gestores públicos. Em relatório divulgado em maio, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o número de calotes no Brasil deve aumentar a níveis não vistos desde 2008, ano marcado pela crise financeira mundial. No documento, o FMI avalia a situação do endividamento das empresas de cinco países – Brasil, Colômbia, Peru, México e Chile – e nota que a economia brasileira é a que tem maior risco de crescimento de falências, influenciada pela recessão histórica no país.

A piora das condições de pagamento das empresas também acendeu o sinal de alerta dos bancos. Mesmo o Banco Central mantendo a taxa básica de juro (Selic) estável há quase um ano, os bancos continuaram subindo suas taxas, repassando o risco de calote na taxa de empréstimo. Além disso, das 25 maiores instituições financeiras do país, 17 elevaram suas provisões (recursos reservados para casos de calote). O colchão de segurança mais largo não reflete aumento da inadimplência no sistema bancário, que se manteve praticamente a mesma no últimos meses. Sinaliza, principalmente, a perspectiva pouco otimista das instituições financeiras para a economia brasileira nos próximos meses.