FUTURO

 à VISTA

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Aplicações práticas da realidade virtual vão muito além dos games e podem revolucionar áreas

como educação, medicina e turismo

Explosão em três anos

 

Um estudo da KZero Worldswide, empresa britânica de consultoria tecnológica, prevê quase 39 milhões de pessoas usando óculos de realidade virtual daqui a três anos.

Medo de aranha? De altura? De avião? De lugar cheio? Ponha os óculos e vá enfrentá-los. Com acompanhamento especializado, claro: primeiro uma aranhazinha virtual, depois duas, em seguida uma maior, quem sabe uma tarântula...

 

O tratamento de fobias com realidade imersiva tem movimentado uma série de estudos acadêmicos. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o psiquiatra Rafael Freire, pesquisador do Laboratório do Pânico e Respiração, criou um ambiente clássico para o transtorno do pânico vir à tona. O paciente vai até o ponto aguardar o ônibus, embarca, vê gente entrando, depois vê mais gente ainda, até que o veículo ingressa em um túnel e fica parado.

 

– A exposição ao elemento fóbico é fundamental, mas o terapeuta precisa estar junto. Em muitos casos, isso só é viável com realidade virtual, onde também é possível monitorar frequência cardíaca, respiração e condutância cutânea do paciente – afirma Freire.

 

Na PUC gaúcha, o doutor em Psicologia Christian Kristensen, coordenador-adjunto do Núcleo de Estudos em Trauma e Estresse, lidera o tratamento de bancários que sofrem com visões e pesadelos – em alguns casos, eles se aposentam por invalidez – após terem sido assaltados nas agências onde trabalham.  No ambiente projetado pela Urizen, empresa de Caxias do Sul, o bancário trabalha, interage com clientes e é surpreendido por um assalto com tiros e gritaria.

Bancários traumatizados

com assaltos fazem terapia revivendo o episódio em

uma agência virtual

Viagem fantástica

Meu coração palpita na goela a 220 metros de altura: ofegante e suando nas mãos, estou sentado entre duas mulheres em um brinquedo chamado Pêndulo.

 

Olho para baixo, vejo carros do tamanho de grãos de arroz, e uma violenta descida tem início. Dou um berro enquanto despenco, fecho os olhos e, ao abri-los de volta, agora a dois metros do solo, pressinto que a haste que sustenta o Pêndulo baterá na minha cara. Viro o rosto. E sinto duas mãos em meus ombros.

Santiago Andreuzza, um dos sócios da Aeroli.to, me ajuda a retirar os óculos e os fones de ouvido. Sete funcionários riem do meu fiasco em uma sala da empresa, no bairro Bela Vista, em Porto Alegre.

 

Não é de hoje que a realidade virtual transporta pessoas para outro ambiente, outro tempo e outro mundo em testes de laboratórios ao redor do planeta. Minha experiência mesmo, no parque de diversões, não chega a ser novidade para desenvolvedores ou antenados em tecnologia.

 

O que há de novo, tanto na Aeroli.to quanto em universidades e empresas espalhadas pelo país, são projetos atentos a um mercado promissor – embora ainda incipiente, como mostra o gráfico logo após este texto – que vão além de brincadeiras e games. Com viagens imersivas, semelhantes à que vivenciei no Pêndulo, a perspectiva é revolucionar a educação, a medicina, a engenharia, a psicoterapia, o turismo e o entretenimento.

 

– Ainda é uma tecnologia muito cara e que necessita de adaptações. Mas, assim que entrar no nosso dia a dia, será como os smartphones: não viveremos sem ela – prevê Roberto Calderón, diretor de Novos Negócios da FutureLab, consultoria digital com sede em São Paulo e em outros três países.

 

É o mesmo discurso de Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook. No ano passado, quando sua empresa adquiriu por US$ 2 bilhões a Oculus VR – companhia responsável pelo Oculus Rift, o mais festejado e aguardado dispositivo de realidade virtual –, Zuckerberg afirmou que essa tecnologia “um dia fará parte da vida diária de bilhões de pessoas”.

 

Não à toa, gigantes como Sony, Microsoft, Samsung e Google também trabalham em seus próprios óculos. A maioria deles está disponível apenas para desenvolvedores criarem aplicativos de imersão como os que você conhecerá nesta reportagem. Estima-se, com algum otimismo, que em 2016 o Oculus Rift chegará ao público. Por enquanto, nem sempre as imagens são tão realistas, o que não chega a ser um problema.

 

– Nosso cérebro está acostumado a entender como verdadeiro aquilo que enxergamos. Se o que estamos vendo é parecido com os registros da nossa memória, o cérebro interpreta como realidade – explica o neurocientista Iván Izquierdo.

 

O segredo, portanto, está no isolamento: as lentes ficam dentro de uma caixa escura, fechada sobre as têmporas e a testa do usuário, que lá dentro enxerga imagens em 3D. Se olhar para cima, verá o céu ou o teto virtual; se olhar para baixo, verá o chão virtual; para onde a sua cabeça virar haverá um cenário virtual e verossímil.

 

– Mas muita gente sente tontura e enjoo ao colocar os óculos. Ainda é um desafio a ser vencido – pondera o coordenador do Grupo de Pesquisas em Realidade Virtual e Aumentada da Universidade Federal de Uberlândia, Alexandre Cardoso.

 

– Se a indústria de games ainda não começou a usar os óculos, é porque ainda não estão prontos – conclui Roberto Calderón, da FutureLab.

 

reportagem

Paulo Germano

 

edição

Carlos André Moreira

 

design

Leonardo Azevedo

 

fotografia

Adriana Franciosi

 

edição de vídeo

Luan Ott

 

trechos de vídeo

Aeroli.to

Urizen Technology

Beenoculus

 

 

 

 

 

 

Aula de História: seu filho está em 1492, dentro da embarcação de Cristóvão Colombo, frente a frente com o navegador genovês. O próprio Colombo explica o funcionamento da caravela, apresenta-lhe à tripulação, aponta para a terra à vista – que ele acredita serem as Índias – e desembarca com seu filho no território inexplorado. Lá estão os nativos, nus e assustados.

 

Essa imersão no descobrimento da América integra um ousado projeto da Aeroli.to, de Porto Alegre, que negocia com duas escolas particulares um plano de cem passeios virtuais: 10 para a disciplina de História, outros 10 para Biologia (o aluno se veria, por exemplo, no lugar de um pedaço de comida que percorreria o esôfago, o estômago e o intestino), mais 10 para Geografia, e assim por diante.

 

– Cristóvão Colombo, Einstein e Aristóteles serão assistentes virtuais do professor. É bom ressaltar que eles jamais substituirão o professor, que precisa conduzir o debate sobre o que os alunos viram – diz o futurista Tiago Mattos, sócio da Aeroli.to, ressaltando que “viver a experiência é a melhor forma de entendê-la”.

 

O projeto ainda esbarra no custo: R$ 100 mil. Para barateá-lo, Tiago Mattos estuda trocar o sofisticado – e caro – Oculus Rift, hoje utilizado nos testes, pelo Google Cardboard, um pedaço de papelão que, dobrado e combinado com um smartphone, se transforma no óculos de realidade virtual mais barato do mundo:

R$ 73 a unidade.

Uma aula

com Colombo

Projeto da empresa Aeroli.to levará estudantes para

dentro da caravela

do descobrimento da América, em 1492

Inspeção a

distância

Digamos que você seja executivo de uma multinacional e, no mês que vem, vai expor seus produtos em um dos maiores centros de convenções do mundo – o Orange County Convention Center, em Orlando, nos Estados Unidos. Chique.

 

Mais chique ainda é, antes da exposição, mesmo estando a um continente de distância, poder circular por dentro do local e analisar de perto o estande da firma:

 

– Essa parte aqui, vou querer mais alta. E quero um banner mais vistoso ali.

 

Depois de 18 meses nesse vaivém de estandes, o Grupo de Pesquisas em Realidade Virtual e Aumentada da Universidade Federal de Uberlândia preferiu encerrar a parceria com a empresa de eventos americana. Era tempo demais dispensado em um único

projeto, lembra o coordenador da  equipe, Alexandre Cardoso, doutor em

Engenharia de Sistemas Digitais.

Segundo Alexandre, assim como ocorria no centro de convenções em Orlando, em breve hotéis, museus e pontos turísticos do mundo todo serão visitados com óculos virtuais:

 

– Quer coisa mais chata do que reservar um quarto de hotel e depois achá-lo horrível?

 

Desse jeito, não vamos mais à Disney, nem ao Louvre, nem ao Arpoador – vamos conhecer tudo dentro de casa.

 

– Não é bem assim, há um mercado todo envolvido: a Disney quer as pessoas lá, comprando camisetas e souvenirs – diz Roberto Calderón, diretor de Novos Negócios da FutureLab, empresa de consultoria digital. – Já existem projetos imobiliários para alugar apartamentos à distância usando óculos de realidade virtual, mas isso acabaria com os corretores. Não é tão simples.

Medo real, cena virtual

Entrevista

Grigore Burdea

 

“Com a realidade virtual, pacientes incuráveis melhoram muito”

 

 

PhD em Robótica pela Universidade de Nova York e professor da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, Grigore Burdea é um pioneiro nas pesquisas de realidade virtual. Autor de uma centena de publicações e livros – entre eles Virtual Reality Technology, escrito em 1994 em parceria com Philippe Coifett e apontado até hoje como referência no assunto –, Burdea trabalha com o que chama de reabilitação virtual. E garante que sua técnica é capaz de curar o incurável.

 

Existem dezenas de pesquisadores e laboratórios trabalhando hoje em óculos de realidade virtual. Como será o dispositivo que o público aceitará melhor?

Para a aceitação em massa, um óculos ou capacete de realidade virtual precisa ser fácil de usar, seguro e barato. Creio que o dispositivo do futuro será o próprio celular, seja integrado em um suporte para a cabeça, seja utilizado sozinho. Porque todos nós já usamos celulares hoje, como você sabe.

 

O senhor trabalha com reabilitação de pacientes por meio de realidade virtual. Que resultados presenciou com o uso da tecnologia?

Com a realidade virtual, pacientes em situações classificadas como incuráveis pela medicina convencional apresentaram melhoras significativas. Vou dar dois exemplos. Trabalho com adolescentes que têm paralisia cerebral, uma doença sem tratamento duradouro. Na realidade virtual, a mão de um garoto que nunca pôde ser aberta virou uma mão com a qual ele conseguia carregar sacolas pesadas e abrir portas. Hoje, adulto, esse menino dirige carros com sua própria mão, e o tratamento foi inteiramente em realidade virtual.

 

E o segundo exemplo?

É mais recente, refere-se à afasia progressiva primária, uma forma rara de demência que afeta homens jovens. A medicina diz que é incurável. Um rapaz recebeu terapia utilizando o BrightBrainer (sistema de jogos e exercícios em ambientes virtuais criado por Burdea para tratar pessoas com deficiências cognitivas e motoras). Depois de quatro sessões, ele já reconhecia cores e, após outras duas, voltou a ler. Mais para frente, com novas sessões, passou a falar com mais fluência.

 

Ainda parece estranho imaginar pessoas usando óculos de realidade virtual no cotidiano. Um dia vamos presenciar isso?

Lembra do Google Glass? (O dispositivo de realidade aumentada, que permitia ao usuário sobrepor elementos virtuais ao mundo real, foi retirado do mercado pela própria Google no início do ano.) O que aconteceu com ele? A questão não é apenas a tecnologia, mas como o ser humano se integra a ela. Historicamente, os rastreadores oculares, que permitiam às pessoas controlarem simulações com o movimento dos olhos, provocaram tensão ocular e grande desconforto. Não sei se o fator humano e a usabilidade estão ganhando a atenção que merecem dos tecnólogos.

 

Há uma sensação de que as pesquisas sobre realidade virtual e aumentada se desenvolvem e morrem no mundo acadêmico...

É fundamental que os acadêmicos quebrem essa parede e se tornem, eles próprios, empreendedores. Só assim poderão transformar suas invenções em produtos, o que seria uma grande contribuição. Foi o que fiz quando percebi que minha tecnologia permanecia no laboratório em vez de ser usada para fazer o bem.

 

E na educação, o senhor acredita que as crianças deixarão de usar livros com figuras estáticas para estudar apenas por meio de imersão e interatividade?

Há uma tendência atual em dizer que os videolivros, os dispositivos não estáticos, são melhores do que os livros de papel. Mas as pessoas não se dão conta de que os vídeos excitam o cérebro de maneira muito diferente, reduzindo o esforço que exigimos do cérebro para imaginar coisas. Isso inclusive poderia aumentar a incidência de Alzheimer. Ler livros reais reduz muito as chances de termos doenças como Alzheimer.

Se um hipertenso, por exemplo, soubesse o que ocorre em seu coração ao rejeitar um remédio, dificilmente o rejeitaria. Essa é uma das possibilidades do Homem Virtual – um projeto desenvolvido pela Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) –, que permitiria ao paciente viajar por dentro do próprio corpo em um posto de saúde.

 

Ao botar os óculos, ele se sentiria reduzido a um tamanho microscópico, flutuaria pelo órgão que bombeia seu sangue, enxergaria um pedaço do músculo necrosado e passaria por dentro de uma artéria entupida. Um horror.

 

Chefe da disciplina de Telemedicina da USP, o médico e professor Chao Lung Wen ressalta que, entre 100 pacientes idosos diagnosticados com pressão alta, 80 não seguem o tratamento prescrito pelo médico. Ou porque não entenderam, ou porque acham a medicação desnecessária, ou porque sentem-se amolados com o remédio. E, de todos os insucessos terapêuticos do mundo, metade vem da rejeição ao tratamento.

 

– Em geral, tudo o que as pessoas não entendem, elas abandonam facilmente. Estimular o paciente a compreender melhor as prescrições médicas, além do que ocorre em seu próprio corpo, é também ensiná-lo a cuidar da sua saúde – afirma o professor Chao.

 

O primeiro entre cerca de 15 passeios virtuais está quase pronto: será no interior do ouvido.

1,4

Passeios imersivos pelo corpo humano são produzidos em parceria pela USP e pela empresa Beenoculus

 
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