Publicado em 02 de abril de 2016

Imagine ser um adolescente e não ter acesso à internet e às redes sociais. Imaginou? Bem-vindo à vida de guris e gurias que moram em zonas rurais onde o sinal é precário ou inexistente. Lá, os namoros são à moda antiga, polêmicas de Facebook não repercutem, pesquisas para a escola demandam gincanas de aproveitamento do tempo, conversas via WhatsApp ficam restritas ao recreio. E há quem não reclame. Pelo contrário.

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Bruna Scirea

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Mateus Bruxel

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Ticiano Osório

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Diogo Perin

Com o celular em mãos, Ângelo Eduardo Ghellar Tonon segue a trilha já marcada em meio ao plantio de orgânicos. O mato vigora por ali, e é preciso desviar de frutos e verduras que se escondem no mar de verde. O destino está mais adiante: o ponto mais alto da propriedade de dois hectares localizada na zona rural de Farroupilha, na serra gaúcha. Na área descampada, a 100 metros de casa, Ângelo fará mais uma tentativa. Em vão.

Aos 16 anos, o garoto tem uma medalha de “aluno nota 10”, certificados de menção honrosa em olimpíadas de matemática, uma lista de engenhocas que ele mesmo desenvolveu, competência para derrubar sistemas de computador, conhecimento de códigos de informática e nomenclaturas apropriadas para tudo o que diz respeito à internet – que é, na verdade, só o que lhe falta.

Por uma questão geográfica, Ângelo é exceção em um mundo online: entre as crianças e adolescentes usuários da internet no sul do país, ele está na parcela dos 10% que não a acessam diariamente, conforme a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2014, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic.br).

Ângelo mora sobre um morro, na área rural, com uma invejável vista para a barragem do Desvio Blauth, a cerca de 10 quilômetros do centro da cidade de 60 mil habitantes. Entre os vales e cerros que se alternam no campo de visão do adolescente, estão duas grandes antenas, mas, para conseguir um risquinho no celular, Ângelo tem de atravessar a lavoura da família. Mesmo lá, na roça, a conexão logo se perde, a conversa com amigos fica pela metade, o documento que precisava para estudar não chega a completar o download.

– A internet aqui é uma porcaria – sentencia.

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2013, uma em cada duas residências brasileiras não conta com acesso à rede. A de Ângelo é uma dessas. O guri não vive com o celular por perto. A instantaneidade das mensagens que vão e vêm via aplicativos não faz parte de sua rotina. Ele não está acessível 24 horas por dia. O intervalo em que fica offline seria insuportável para muitos de sua idade:

– Nas férias, foram dois meses sem internet.

Nesse mesmo período, adolescentes moradores de centros urbanos atualizavam suas timelines e, a cada pouco, esbarravam em um novo hit, uma nova webcelebridade, uma nova polêmica de rede social. As meninas do Colégio Anchieta, em Porto Alegre, viralizaram a manifestação por igualdade entre os gêneros ("vai ter shortinho, sim!"). Leonardo DiCaprio multiplicou-se em memes na expectativa pelo Oscar de melhor ator que acabaria conquistando. A Polícia Federal avaliou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ser investigado pelo "possível envolvimento em práticas criminosas". Work, o sensual clipe da popstar Rihanna com o rapper canadense Drake, incendiou a internet com imagens provocantes, tornando-se um dos assuntos mais comentados (trending topic no Twitter) entre os adolescentes na última semana de fevereiro.

Josi se acostumou a ficar longe dos papos em redes sociais

Nada disso chegou aos personagens que ZH visitou no interior de quatro municípios do Estado, entre 22 e 26 de fevereiro. Eles moram em regiões afastadas da cidade, onde a internet não pega.

– Nem com reza brava – garante Bruno Ernst, 16 anos, morador da Linha Paredão, em Sinimbu, no Vale do Rio Pardo.

– Nem com antena amarrada em uma taquara sobre o telhado de casa – diz Ângelo.

Neste planeta tão conectado, 78% das moradias rurais ainda não têm internet – em 29% dos casos, por falta de disponibilidade de serviço na área, seja por banda larga móvel, fixa, via rádio, cabo, satélite ou acesso discado. Muitas vezes, nem o telefone fixo funciona.

– Aqui é o isolamento – define o agricultor Leonel Pappen, 37 anos, pai de Ejosiane Strohm, a Josi.

Josi, 17 anos, vive com a família em um dos pontos mais isolados da Linha Almeida, no topo de Sinimbu. Ela não tem como mandar mensagem para o namorado quando sente saudade. Não pode ligar para ele contando como foi o dia. As fotos do casal não vão para o Facebook. E os emoticons do Whastapp não expressam os sentimentos dela. Para conversar com o namorado, faz curtos telefonemas antes ou depois da aula, quando tem sinal.

– Ele mora em outra localidade, ainda mais para frente daqui. Aí quase só conversamos quando ele vem de moto aqui em casa, no fim de semana – resume a adolescente.

Em geral, os personagens desta reportagem entram nas redes sociais e aplicativos de conversa somente quando se conectam pelo wi-fi do colégio, nos 15 minutos reservados para o recreio. Ainda que tenham a sorte de o ônibus escolar chegar um pouco antes da aula e se atrasar na saída, eles estão no grupo que soma 7% das crianças e adolescentes brasileiros (entre 9 e 17 anos) que, em um dia de semana, passam apenas alguns minutos na internet. Se é que passam.

Resta a eles um extenso dia desconectado, período em que Ângelo, por exemplo, divide-se entre várias atividades. Mora com a mãe, Rejane, e com Ana, uma amiga da família. Os três vivem da venda de feijão, milho, hortaliças e frutas em feiras em Farroupilha e Porto Alegre. Ele ajuda no plantio e cuidado dos vegetais – mas no sítio, que leva o nome Frutto del Paradiso, sua tarefa mesmo é a de tratar os animais. São cinco ovelhas, 14 coelhos e 11 cães da raça labrador que se aproximam do adolescente não só por comida, mas também para ganhar carinho.

Quando está entre os bichos, Ângelo até se esquece de que existe a internet. Só que é estudioso e, sobretudo, curioso. Gosta de se aprofundar nos assuntos passados pelos professores do 3º ano do Ensino Médio integrado ao curso técnico em Informática do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Aí, o jeito é sair de casa mais cedo para tirar todas as dúvidas e questões que guarda na cabeça – ou anota em papéis.

– Por não ter internet, a gente se vira. Não sou muito de ficar compartilhando e curtindo coisas no Facebook. Acho perda de tempo. O pior é não poder fazer as pesquisas na hora que quero, ter que segurar um assunto até o outro dia, quando vou poder pesquisar com a internet do colégio – afirma o garoto.

Pelo esforço durante o Ensino Fundamental, destacou-se entre os colegas e ganhou uma bolsa em um curso de computação. Agora, no IFRS, professores aconselharam a mãe a matriculá-lo em um curso de inglês – ele teria potencial para fazer um intercâmbio acadêmico mais tarde, quando pretende conquistar uma vaga na faculdade de Computação da UFRGS. Sugestão acatada, com ajuda financeira dos avós. Ângelo deixa claro que não ter internet em casa nunca foi desculpa. Se preciso, informa-se em revistas e livros. E assim faz seus inventos. O último deles é uma lâmpada que usa para alimentar as ovelhas à noite. Ela se acende por meio de um interruptor e consome a energia de uma bateria de celular. A mãe se espanta.

– Sempre digo para ele: só não bota fogo na casa! – conta Rejane, entre o riso e o orgulho.

Quem sabe um dia suas engenhocas lhe garantam acesso à internet sem sair do lar. Por enquanto, resolve a falta de conexão com o que lhe sobra de organização:

– Quando tem um trabalho, tenho de fazer toda uma programação. Preciso ir um dia mais cedo ao colégio para baixar e salvar no meu notebook o material que vou usar. Trago tudo para casa, junto com livros. Aí, aqui, me dedico, estudo, leio e escrevo. Quando é dia de entrega, pego o ônibus mais cedo de novo. Só para enviar o trabalho por e-mail.

Mudanças de planos de uma hora para outra geram algum tipo de transtorno. O adolescente já esteve a caminho da cidade, por exemplo, quando recebeu a ligação de amigos cancelando o compromisso. A discussão por adiar o encontro já rolava há horas no grupo de conversa deles, mas Ângelo estava offline – e preocupado em chegar no horário marcado. Nem sempre é fácil. Mas o garoto não mudaria a vida que leva para ter outra, em que o acesso à internet fosse mais fácil. A melhor das escolhas é, por enquanto, a impossível.

– Preferiria viver no campo. Com internet – responde Ângelo.

É que a vida fora da cidade também tem suas vantagens. Longe da velocidade da internet, tem-se a sensação de maior domínio sobre o tempo. Daniely Hochscheid, 12 anos, e o irmão, Gabriel, seis, moram com toda a família na zona rural de Caxias do Sul, cidade de mais de 400 mil habitantes. Por ali, as horas parecem durar mais. Em apenas três delas, na última tarde de férias, a dupla emendou uma sequência de atividades. Daniely e Gabriel tomaram tererê, brincaram com a avó, andaram de bicicleta, nadaram no açude, deram milho aos patos, visitaram os cachorros, pintaram ovos de ganso para a Páscoa e se divertiram escorregando sobre uma lona cheia de sabão quando começou a chover.

E também não tem conexão. Daniely já estava há um mês sem internet, com saudade de “entrar no Face”. É que ela tem acesso somente quando vai para a casa de alguma amiga ou então visita a prima – na sua escola, a rede não é liberada para o uso dos alunos fora de aula. Nas férias, a vó estava se recuperando de um acidente, então ficou complicado de a menina se deslocar rumo à vida online. Para encontrá-la, nesse período, apenas pelo telefone residencial.

O aparelho fixo é o que encurta um pouco a distância da cidade e facilita a vida no campo. É por meio dele que a família se informa sobre a média de preços das hortaliças e temperos que planta. Se há uma nova praga na lavoura, conta com a ajuda de um amigo que possa fazer a pesquisa na internet e informá-la sobre o tratamento adequado. Mas um telefone não resolve todos os problemas.

– No ano passado, a Daniely chegou da escola com um panfleto de um curso gratuito de ecoturismo. O prazo para a inscrição se encerrava no dia seguinte. E não havia sequer um número de telefone no anúncio. Só um e-mail. Estávamos bem na colheita da uva, e acabou que não deu tempo de ir até uma lan house. A Dani ficou sem fazer o curso – conta Deise, 28 anos, mãe da tímida menina.

Não foram apenas uma ou duas as vezes em que ela encaminhou à escola bilhete justificando por que Daniely deixou de fazer o trabalho. Quando a exigência é de um dia para o outro, fica difícil.

– Ano passado, por exemplo, ela tinha que pesquisar sobre um livro que seria lançado. Então não havia informações em outros meios que não fossem a internet, porque nem o próprio livro existia ainda – lembra Deise.

– O problema é que, por isso, às vezes os professores têm de me dar um trabalho diferente, que pode ser até mais difícil – complementa a garota, que na maior parte das vezes restringe suas pesquisas aos livros da biblioteca da escola.

Os pais têm consciência de que a falta de acesso prejudica o ensino da filha. Mas toda a família nasceu naquela propriedade rural, de onde vem também todo o sustento. E é ali que estão construindo uma nova casa, de material, ampla e moderna. As coisas vão muito bem na localidade de São João da Forqueta. Apesar da falta de internet.

Daniely é criada praticamente da mesma maneira como foi a mãe. Ajuda nas tarefas de casa. Varre os cômodos, seca a louça, estende as roupas. Assessora o vô na lavoura. E brinca com o irmão – porque, se não brinca, tem que ouvir do menino:

– Ela parece que tem mitóbio na cabeça.

Prendada, Daniely também faz arroz, feijão, massa e bolo.

– Todos os bolos. É só me dar a receita – complementa, confiante de seus dotes culinários.

A menina mantém as unhas pintadas e esvazia com certa regularidade os tubos de rímel de Deise. É vaidosa, assim como todas as colegas da escola, que têm internet no conforto de casa – e nos finais de semana abandonam a rede para se divertir ao ar livre com Dani, que recebe as amigas com um piquenique no quintal da roça.

– Quando as amiguinhas dela vêm para cá, acabam se desligando totalmente. Até esquecem o celular aqui. Primeiro porque não tem sinal mesmo, então nem usam. Mas também porque tem tanta coisa para fazer diferente de onde moram que ficam encantadas. Parece que visitam um outro mundo – define Deise.

Na casa de Daniely, o tempo se espicha tanto que o irmão, o pentelho Gabriel, um menino que não coloca calçados por nada nessa vida, perde-se nas contas. Nos seus cálculos, ele já ajuda o pai na lavoura há uns oito anos – tempo demais para quem acabou de completar seis.

Não se sente falta do que nunca se teve

Guilherme Pereira de Moraes, 13 anos, também cresceu na zona rural, mais especificamente em Posse Generoso, a cerca de 30 quilômetros do centro de Soledade, no norte do Estado. A ligação com o local da infância é tão forte que, agora, mesmo morando na zona urbana, o adolescente insiste em continuar estudando no interior – é lá que estão todos os seus amigos, quase nenhum deles com internet. Dos 10 colegas que também cursam o 9º ano na Escola Municipal José de Anchieta, somente três têm conexão em casa – e a usam raramente, por conta da instabilidade do sinal.

No bairro Fontes, em Soledade, para onde a família de Guilherme mudou-se há três anos, a internet chega sem problemas. Mas não é essencial para ele. O que faria nas redes sociais, se ali encontrará somente um ou outro amigo? Se quiser pesquisar algo, acessa os computadores da escola. Para baixar jogos no celular, usa o wi-fi do colégio nos minutos que restam entre o fim da aula e a partida do ônibus que os leva para casa. Os Moraes já estão há quatro anos vivendo na cidade, e o acesso à internet ainda não chegou a ser um grande assunto para a família.

– Não colocamos internet em casa porque ainda não achamos que é a hora. E, na verdade, também porque não sentimos falta dela. Não tem como sentir falta do que a gente nunca teve, não é? – reflete a mãe, Tânea, 53 anos, auxiliar de serviço social.

No tempo livre, Guilherme vê televisão, estuda e desenha – seu maior passatempo. Na escola já tem o talento reconhecido. Quando há necessidade de algum desenho mais elaborado para enfeitar o mural, alguém logo diz: “Chama o Guilherme”. Na fase atual, o artista-mirim dedica-se a rabiscar jogadores de futebol, para os quais também confecciona camisetas de papel, modeladas, pintadas, recortadas, dobradas e coladas com cuidado profissional.

– Sempre do Grêmio. Acho que é a primeira vez que estou desenhando um jogador do Inter – explicou-se Guilherme, flagrado com um lápis vermelho em mãos.

No meio da cidade, o adolescente segue com rotina e alma de morador do Interior. E aí nem sempre o smartphone precisa estar ligado ou à vista, uma vez que sua utilidade se restringe a telefonemas e joguinhos. Os aparelhos de quem não tem internet acabam, na maioria dos casos, conservando a cara de recém-comprados. Não são lentos, porque não foram atrolhados de aplicativos. Não têm a memória sempre no limite, porque não guardam centenas de selfies. E não são marcados por tombos, porque não vivem pendurados pelas tomadas de casa, recebendo constantes recargas de baterias.

O celular de Josi é praticamente um rádio. Na Linha Almeida, a adolescente lembra-se do aparelho apenas antes de dormir, quando o pega para ouvir músicas com fone de ouvido.

– E sempre dorme assim. Depois a gente tem que ir lá, tirar os fones do ouvido dela – reprime a mãe, Roseli Pappen, 39 anos.

Na localidade em que Josi nasceu – separada da cidade por 25 quilômetros de chão batido, percorridos morro acima – não tem internet, não tem sinal para celular, não tem sequer telefone fixo. Em casa, a adolescente está incomunicável.

A família é uma das tantas produtoras de fumo da região, que tem Santa Cruz do Sul como a maior cidade. No caso de Sinimbu, o tabaco é a principal fonte de renda da população rural, que corresponde a quase 90% dos moradores do município.

A rotina de Josi é, então, comum a boa parte dos adolescentes da região. Além de ajudar na lavoura, a menina cuida da irmã, Thaeme, de um ano e oitos meses, trata os animais da propriedade e se encarrega de parte da limpeza da casa. Só não cozinha porque não tem o menor interesse por isso.

Ela não sente falta da internet no dia a dia. Na Escola Estadual de Ensino Médio Frederico Kops, no centro de Sinimbu, acessa a rede no máximo uma vez por semana, quando lhe exigem pesquisas para trabalhos. Poderia usar o wi-fi para aplicativos de conversa instantânea ou redes sociais, pois seu celular é um smartphone. Mas não vê motivo.

– No intervalo, fico conversando com aqueles que também não ficam na internet. Não acho interessante ficar o tempo todo na internet. É um tempo tão grande, dá para se fazer tantas coisas – avalia Josi.

A adolescente sabe que é exceção em uma geração de olhos voltados para as pequenas telas de celular. É isso o que ela vê todos os dias nos 15 minutos de recreio. Nesse intervalo, alunos de todas as turmas apinham-se em frente à sala de informática do colégio, onde o sinal do wi-fi é melhor.

– Eles formam um corredor, todos com os celulares nas mãos  – descreve a professora de inglês Cristina Franke. – A gente passa, e eles nem percebem. Tem dias que falo: “Mas está bem boa essa conversa de vocês, hein”. Brincando, porque ninguém abre o bico. Aí eles dão risada. Não duvido que estejam falando entre eles pelo WhatsApp.

A direção conhece a realidade dos estudantes, que em grande parte vêm de regiões afastadas da cidade, e libera o acesso à internet. De volta à sala de aula, no entanto, os aparelhos devem ser depositados em uma caixa, da qual serão recolhidos somente na hora de ir embora, quando a rede pode ser acessada por mais alguns instantes.

Na escola de Bruno, os celulares são sequestrados durante as aulas

Sorte, céu limpo e

uma pedra mágica

No grupo dos sedentos pelo wireless da Frederico Kops, estão os colegas e vizinhos Bruno Ernst e Henrique Wagner, 16 anos. Eles estudam juntos desde sempre, e a casa de um fica a três quilômetros da do outro, na Linha Paredão – no topo de mais um dos montes de Sinimbu. É um paredão mesmo, onde internet e sinal de celular só chegam em alguns pontos, já bem conhecidos por todos os moradores. Tem que escalar uma pedra, subir um potreiro que fica na beira da estrada, e por aí vai... O que nem sempre vem é o sinal. É preciso sorte. E céu limpo.

Um desses locais fica a algumas centenas de metros da casa de Bruno. Quando precisa telefonar, o adolescente se desloca até lá. Senta sobre uma pedra, que só não parece ter sido colocada propositalmente como item de conforto porque é grande e, claro, pesada. Ali, Bruno tenta. Uma vez, duas vezes, três vezes, até dar certo. Se der certo.

A manobra para contatar alguém resolve parte dos problemas. Para receber ligações, como não pode passar o dia inteiro sobre a pedra mágica, Bruno fornece o número do telefone fixo do salão da comunidade, que fica ainda mais próximo da casa dele. Aí, o interlocutor liga e pede para falar com o Bruno. Quem atende já sabe quem é o Bruno e mandará a pessoa do outro lado da linha ligar de novo em três minutos, tempo necessário para que alguém vá até a casa da família Ernst e chame o garoto, que provavelmente estará ajudando a família a tratar animais ou selecionar as folhas de fumo.

Ele tem Facebook, onde curte algumas postagens de amigos e publica fotos pessoais, mas não dá muito tempo para conversar com seus contatos por ali. No recreio da escola, os papos virtuais se resumem a um “oi”, mais algum assunto rápido, e então um “tchau”. Bruno já teve também WhatsApp, mas lá pelas tantas achou melhor excluir o aplicativo.

– Eu chegava na escola e, do nada, recebia umas 74 mensagens que não tinham sido lidas, só dos grupos da escola. E era sempre uma confusão. As pessoas brigavam no grupo, aí tiravam eles, e colocavam de novo. Aí eu não quis mais – explica.

Bruno não é de muita aglomeração. Discreto, o adolescente tem seus poucos amigos. A característica mais recatada vem de família. Quem vê os pais dele, Leni e Jorni, e a irmã, Vanessa, sentados sobre uma lona, lidando com as folhas de fumo já secas, entende bem. A fala é calma, e o serviço, bastante – interrompido somente para refeições e afagos em um ganso que vive na volta. O bicho não tem nome, é só ganso, mas é tratado como pet: ganha colo e cafuné.

A web ainda não chegou lá, mas seria bem-vinda.

– Tem muita coisa ruim na internet, por isso a gente tem que saber usá-la. Mas se tivéssemos a oportunidade, com certeza gostaríamos de poder ter mais acesso às informações sem sair de casa – avalia Jorni.

Para driblar a distância da cidade e o tempo que passa desconectado, Henrique, colega e vizinho de Bruno, ouve rádio e assiste à televisão. Na primeira semana de aula, não ficou para trás quando o assunto eram hits musicais do verão. Estava “tranquilo e favorável”, com coreografia e tudo.

– Eu tento ficar perto do mundo atual, tento me atualizar. Tento pelo rádio e pela TV, já que a internet é difícil. Acabo comprando pacote de dados para o celular só uma vez por mês, isso quando compro, porque não dura nada – afirma Henrique.

Na última vez em que colocou crédito para navegar, buscou um local da casa onde a internet desse as caras, vez que outra. Queria baixar dois aplicativos de mensagens instantâneas. Foi dormir. Quando acordou, havia recebido duas novas mensagens. A primeira dizia que ele havia consumido 80% da internet. A segunda, 100%.

– Fiquei bem chateado, porque paguei caro e os aplicativos não baixaram, porque a internet é péssima. Não adianta insistir – reclama o filho único.

A vida de Henrique é da lida com os bois, com o pequeno mercadinho que a família tem integrado à casa e com o plantio do tabaco. Mas ele tenta também estar presente onde estão quase todos os de sua idade. Tem conta no Instagram, perfil no Facebook, é ativo no WhatsApp. O adolescente dá um jeitinho.

– Escrevo tudo o que quero falar no WhatsApp e envio, mesmo sem internet. As mensagens ficam ali. Aí, quando me conecto na escola, ou no dentista, elas são enviadas automaticamente. Se eu tenho pouco tempo de internet, não preciso perder tempo escrevendo, já deixo pronto e só mando – revela o estudante, que admite torcer diariamente para o ônibus de volta para Paredão se atrasar e, assim, ele ficar mais um pouquinho online.

Henrique cria estratégias. Baixa aulas de inglês do YouTube para poder assistir em casa. Seu relógio parece ter ponteiros menos velozes, como os da casa de Daniely. Nasceu e cresceu na área rural de um município pequeno. E, sobre sua vida praticamente sem internet, pensa o seguinte:

– As dificuldades existem, mas eu me sinto feliz assim. De que adianta estar o dia inteiro na internet, e quando chegar a noite, se perguntar: “O que eu fiz?”. “Fiquei online nos aplicativos”. Aí eu penso que é melhor ajudar os meus pais, fazer um serviço aqui, outro ali, conversar com um vizinho, dar risada, se divertir na companhia de alguém. É bem diferente de estar o dia inteiro sentado em um sofá, sozinho na frente de uma telinha de celular.