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o futuro do amor
Em 2050, com sorte, amaremos mais, acolheremos as várias formas
de amor, as múltiplas sexualidades, as diversas configurações de família. Protegeremos os vulneráveis, não toleraremos a intolerância. Claro,
para que isso tudo aconteça, será preciso muito mais do que amor.
e de te amar assim,
muito e amiúde
é que um dia em teu
corpo de repente
hei de morrer de amar
mais do que pude.
Vinícius de Moraes
Soneto do Amor Total (1951).
Na literatura, na música e no imaginário popular, amor é doença do coração que mata por excesso de vontade do outro. No mundo real, o que mata é ódio, discriminação e intolerância. Enquanto o futuro se anuncia com tendências tão diversas quanto sexo com robôs e famílias poliamorosas, um brasileiro sofre violência por hora por ser homossexual. Uma em cada cinco brasileiras já foi vítima de violência doméstica. Pensar o futuro do amor é pensar o futuro da civilização.
– Estamos em um momento de afirmar a tolerância como princípio. É o principal desafio, especialmente de quem trabalha com a Justiça: não deixar crescer as áreas de intolerância – aponta a juíza e escritora Andréa Pachá.
Por vezes, a Justiça e a lei institucionalizam a discriminação e a violência. Chegamos a 2015, e homossexualidade ainda é crime em mais de 60 países. Mulheres iemenitas precisam de autorização do marido para sair de casa; sauditas e marroquinas são responsabilizadas pelo próprio estupro.
A legislação, sozinha, não constrói respeito e cidadania. É preciso educar para a diferença. No Brasil que em 2006 sancionou a Lei Maria da Penha e em 2013 autorizou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, crimes de ódio contra mulheres e homossexuais não parecem sensibilizar os setores mais conservadores da sociedade. Tacham de privilégio a concessão de direitos fundamentais a minorias.
– Além das amarras legais, temos de superar as amarras sociais – sintetiza o psicólogo Angelo Brandelli Costa, pesquisador da UFRGS e do Hospital de Clínicas, e por duas vezes consultor da ONU nas áreas LGBT e saúde.
A internet tem tornado cristalino o preconceito, facilitado pelo anonimato. A ONG SaferNet Brasil divulgou, no fim do ano passado, o aumento de 300% a 600% entre 2013 e 2014 no registro de crimes de ódio na rede, em sua maioria ligados à apologia à violência e à discriminação. Não é possível que se confunda liberdade de expressão com liberdade para agredir o próximo.
– O primeiro passo é que o discurso do ódio já é visto como negativo. Na Idade Média, fazia parte de ser uma pessoa. Hoje em dia já vemos que não é proveitoso para ninguém. Quem odeia é o primeiro a sofrer – afirma Clóvis Vitor Gedrat, professor de Filosofia da Unisinos.
Amemos mais uns aos outros, como amamos a nós mesmos.
EM TERMOS
poliamor
Movimento de pessoas que mantêm relações poligâmicas consensuais, hétero, homo ou bissexuais.
lovebots
Robôs do amor, capazes de emocionar-se e de seduzir, são aposta ousada de caras-metades do futuro.
família do futuro
Novas técnicas de reprodução, pais homossexuais, migração e pluriculturalismo devem ampliar o que se entende por “família”.
:: DE TRÁS PRA FRENTE
1987
1982
1973
1970
1960
1928
1923
1907
A sociedade sempre se dividiu na hora de democratizar o amor. Era medo do divórcio, repulsa às relações inter-raciais, pavor da homossexualidade. Enquanto superamos, aos poucos, as avaliações equivocadas do passado, descobrimos que o presente é bem melhor do que previram os futurólogos pessimistas.
A feminista americana Barbara Ehrenreich escreveu uma série de previsões sobre o futuro dos relacionamentos para a revista Omni de janeiro de 1987. “O sexo continuará estando no centro do palco nos próximos 20 anos”; “o sexo heterossexual será menos centrado na interação genital”; “pessoas passarão longos períodos de tempo fora de casamentos ou relações duradouras”; “nossas noções do que é sexualmente normal serão arcaicas em 20 anos”.
Em 1982, Stephanie Mansfield projetou, em uma coluna bem-humorada no jornal The Washington Post, que relacionamentos entre humanos e robôs seriam comuns nos anos 2000. Cientistas identificavam na sociedade de consumo o fundamento da demanda pelos amantes androides: “Adquirimos pessoas como se adquiríssemos eletrodomésticos”.
Em 1973, quatro anos antes de ser legalizado no Brasil, o divórcio era enquadrado pelos opositores entre os “valores comunistas”. “Qualquer tentativa de introdução da dissolução do vínculo matrimonial, que é o sustentáculo da família, e esteio da pátria, é pura subversão da ordem”, disse à época o deputado Jorge Arbage.
Albert Ellis, no livro Prophecy for the Year 2000, de 1970, escreveu que casais do século 21 concordariam em ter relacionamentos extraconjugais eventuais, em vez de mantê-los às escondidas.
Nos anos 1960, a antropóloga Margaret Mead previu que ciência e superpopulação levariam a um futuro em que as famílias seriam submetidas a controle de natalidade — como ocorre na China desde 1979.
Em que pese não ter sido proibido como nos EUA, o casamento inter-racial era visto com maus olhos no Brasil ainda mais racista de um século atrás. Monteiro Lobato, em carta de 1928, dizia que “a mestiçagem destrói a capacidade construtiva”. Segundo o escritor, “era a vingança terrível do negro contra o português”.
Em 1923, a feminista americana Mary Garrett Bay anteviu que, em 2022, graças ao acesso à educação, mulheres teriam seu papel de donas de casa atenuado e poderiam até exercer cargos políticos como a presidência.
Com a instituição do casamento civil no Brasil, em 1890, passou-se a cogitar a adoção do divórcio. Em 1907, um leitor “previu o pior” no jornal gaúcho Echo do Sul: “Que interesse poderá sentir uma esposa pela família à qual não tem certeza de estar sempre ligada?”.
texto
Fernando Corrêa
design
Leonardo Azevedo
Henrique Tramontina
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Em 1924, cartum americano previu controle de natalidade como o que ocorre na China
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