deixaremos de fazer sexo?
No filme Sr. Ninguém (2009), do belga Jaco Van Dormael, o personagem que dá título à trama é o último mortal em um mundo em que, sem uma função biológica e com fontes alternativas de prazer, o sexo se tornou obsoleto. Em Ela (2014), de Spike Jonze, um homem se apaixona por um software de inteligência artificial (IA). No mundo real, não será fácil para a tecnologia substituir os mecanismos profundos que nos conduzem ao sexo.
– A necessidade do outro é a necessidade de preservar o seu componente genético. As relações têm como finalidade biológica a preservação da espécie e do componente genético. Não só pela reprodução, mas pela proteção. Os amigos e a família de hoje são o equivalente às tribos de antigamente – afirma a geneticista Andrea Kauffmann-Zeh, ex-editora da prestigiosa revista Nature e sócia da empresa de comunicação científica Publicase.
Contrários ao que um senso comum pessimista poderia supor, 85% dos entrevistados pelo instituto americano PewResearchCenter para a pesquisa “O Futuro das Relações Sociais” responderam que, ao olhar para o passado em 2020, verão na internet uma força positiva em sua vida social. A antropóloga e bióloga americana Helen Fisher já expôs diversas vezes, no ciclo de painéis TED, a forma como o sexo ativa áreas pré-emocionais do cérebro: o prazer está ligado a estruturas nervosas do tempo dos dinossauros. Quando sai do Tinder – ou de outro aplicativo de “paquera” – para a vida real, a coisa é carnal. A tecnologia é a ferramenta, as relações ainda são humanas.
O enxadrista britânico e autor de mais de 40 livros sobre xadrez e inteligência artificial David Levy aposta que, em 2050, sexo com robôs será corriqueiro na vida das pessoas. Em algumas décadas, em uma sociedade de consumo extremamente avançada, buscaríamos por intermédio da robótica o parceiro ideal. Outra possibilidade: usar a genômica para encontrar nossa alma gêmea “compatível” ao nível genético. E terminaríamos discutindo, mais uma vez, aspectos éticos e morais do sexo.
ENTREVISTA: Daniel Galera, escritor
No conto Na Avenida, publicado em junho na revista Superinteressante, Daniel Galera previu um futuro em que “o controle de natalidade, o aborto, a eutanásia e o suicídio foram naturalizados na sociedade global, resultando em encolhimento demográfico em nível planetário e o entendimento da vida como um estado opcional”. Em entrevista por e-mail,
o paulista radicado em Porto Alegre fala sobre como a ficção imaginou o futuro das relações sociais, e de que forma percebe o impacto da vida online sobre o comportamento humano.
RUMO_ a literatura sempre foi um campo fértil para imaginar o futuro. Que previsões ligadas aos relacionamentos mais te impactaram?
Daniel Galera_ A literatura de ficção científica é sem dúvida um campo fértil para encontrar alegorias, metáforas e exercícios de pensamento a respeito do futuro das relações humanas. Nas distopias, em geral o amor e a revolta se confundem. Nas utopias, os relacionamentos humanos não raro figuram como o elemento desestabilizador da ordem social. Há obras que imaginam, por exemplo, mundos dominados por mulheres, ou em que o gênero masculino foi extinto, ou em que a sociedade patriarcal se tornou mais exacerbada que hoje. Acima de tudo, as relações entre seres humanos e inteligências artificiais são um dos grandes temas da ficção cientifica.
R_ o presente das relações humanas se assemelha a algum futuro imaginado pela ficção?
DG_ A ficção científica comete com frequência um erro que se vê muito na ideologia disseminada por gurus tecnológicos, que é a presunção de que a inteligência artificial produzirá em breve máquinas capazes de sentir emoções e emular a afetividade humana. Sou muito cético quanto a isso. O que eu vejo é o contrário: são os seres humanos que cada vez mais modificam seu comportamento para adaptarem-se à lógica dos computadores. O que me parece claro é que as relações afetivas estão em transição por causa das novas tecnologias. O amor romântico e a família tradicional dão lugar a uma afetividade mais fluida e hedonista. Pessoalmente, posso dizer que eu gostaria de ter sido jovem na era do Tinder. Mas tudo bem, eu tive o ICQ e fiz o que pude.
R_ o conto Na Avenida se aventura na contramão do que se espera: um mundo cada vez mais populoso.
DG_ Tive a ideia porque acredito que a superpopulação é o principal problema da civilização humana em seu atual estágio, e que a redução demográfica resolveria uma boa parte dos problemas econômicos e ecológicos que ameaçam nosso futuro. Haveria muitas maneiras de estimular controle de natalidade sem coerção ou injustiça, apenas dando às pessoas, e em especial às mulheres, mais oportunidades de realização pessoal e acesso livre a métodos contraceptivos.
convidamos especialistas a imaginar o futuro do amor e das relações sociais que gostariam ou que esperam, para todos. Clique nos botões azuis para ler as previsões.
Poderão robôs do amor substituir amantes de carne e osso?
Foto: AV Dezign, CC
MAIS NESTA EDIÇÃO:
"As pessoas acham que o Brasil seria um país bom se fôssemos como os Estados Unidos ou a Suécia. Não é o que eu quero. Nos próximos 50 anos, quero que o Brasil reconheça a sua história. Aqui temos travestis, por exemplo, uma coisa única brasileira. Gostaria que, em 50 anos, a gente se orgulhasse de ter essa diversidade de gênero e sexual. Também acharia ótimo que garantíssemos ainda mais direitos para as pessoas que trabalham com sexo."
Angelo Brandelli Costa ::
psicólogo, pesquisador da UFRGS e do Hospital de Clínicas
"Seria bom se as pessoas pudessem escolher livremente o que querem para suas vidas, que não houvesse modelos. O problema é que o condicionamento cultural é tão forte desde que você nasce, que você chega à idade adulta e não sabe exatamente o que deseja e o que aprendeu a desejar. O problema do modelo é que ele torna todo mundo parecido, aniquila as singularidades: você fica desejando a mesma coisa que todo mundo. Atualmente, cada vez mais, as pessoas podem fugir às regras."
Regina Navarro Lins ::
psicanalista e escritora, autora
de O Livro do Amor e A Cama na Varanda
"Temos uma estrada longa pela frente, que passa
pela afetividade. Minha esperança é que construamos um espaço coletivo mais amoroso, melhor para todo mundo.
Que tenhamos lucidez para encontrar os caminhos possíveis do amor. O desejo de justiça, de uma sociedade mais ética, mais digna, mais humana, é permanente."
Andréa Pachá ::
juíza e escritora, autora de
A Vida não É Justa e Segredo de Justiça
"Temos a possibilidade de trilhar caminhos que a humanidade nunca trilhou. Já temos respeito a famílias diferentes, a pensamentos diferentes. Só isso já é sinal de que estamos melhorando. Temos de pensar essas mudanças em nível social, estender o acesso a todos."
Clóvis Vitor Gedrat ::
professor de Filosofia da Unisinos
"A abertura para a acolhida e a autenticação de “toda forma de amor”, como diz a música, me parece sempre muito bem-vinda. É preciso espaço (social e legal) para a criação de relações amorosas verdadeiras."
Maria Cristina Poli ::
psicanalista, professora da UFRJ e coordenadora
do mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade
da Universidade Veiga de Almeida
"Meu ideal seria melhorar a qualidade do sentimento, com a tecnologia como aliada. Mas, infelizmente, acho que ela vai nos separar mais. De repente, em vez de nos relacionarmos com pessoas, vai ser com robôs – atualmente, já nos relacionamos por meio do robô, que é a própria tecnologia."
Andrea Kauffmann-Zeh ::
bióloga geneticista, editora e sócia da Publicase
como nos relacionaremos em 2050?
que obstáculos ainda temos de superar?
“o ser humano adapta o
comportamento às tecnologias”
Lauro Alves, Agência RBS