o futuro da comida

A ONU prevê que a humanidade atinja a marca de 10 bilhões de pessoas em 2050. Para escapar de um horizonte catastrófico de fome, desigualdade e guerra, precisaremos duplicar – ou até triplicar – a produção de alimento. Mas produzir mais é apenas o começo do desafio.

o avanço tecnológico tem ajudado a humanidade a compreender as consequências da nossa gestão dos recursos da Terra.

Temos descoberto que não fomos tão bons em cuidar do planeta como somos em desenvolver tecnologia.

 

Ainda que o amanhã assuma contornos de ficção científica, olhar adiante é necessário para que encontremos um rumo que não nos conduza à extinção, à paralisação, ao embrutecimento das relações, a mais guerra.

 

– É fácil prever a consequência dos nossos próprios atos, mas muito difícil enxergar o futuro de nossa sociedade ou espécie – afirma o futurista sueco Anders Sandberg, do Instituto do Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. – No entanto, precisamos fazer isso se quisermos sobreviver e prosperar – sentencia.

 

Fazer prospecções do futuro é uma atividade transdisciplinar por natureza: pressupõe pensar como diferentes fatores interagem e envolve da filosofia à astrofísica.

 

– Quando chegamos aos seres humanos, as coisas ficam complicadas. Os economistas tentam muito, mas sociólogos raramente fazem previsões. A demografia tem um bom histórico, e a climatologia tenta modelar a interação entre sociedade e ambiente – exemplifica Sandberg.

 

Ao olhar adiante para o futuro do planeta Terra, lidamos com tantos fatores – físicos, humanos –

que nem mesmo a mais avançada inteligência artificial (AI) é capaz de antever com precisão a duração dos recursos naturais mais raros.

 

– Há sistemas complexos que não se consegue modelar por meio de um algoritmo. A AI pode ajudar, mas dificilmente vai apontar com certeza – explica o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada (PIPCA) da Unisinos, Cristiano André Costa.

 

A certeza do futuro, no entanto, é menos importante do que os insights que se obtêm sobre o presente.

 

– A ciência não faz previsões, aponta tendências.

O objetivo das prospecções é ser realista: se você antecipa que o desastre vai ocorrer se seguir nesse rumo, é aconselhável mudar – explica Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

 

 

juntos para construir caminhos

 

Enxergar mais à frente, apontar direções, melhorar o amanhã. É com olhar transdisciplinar e propositivo que o projeto Rumo, uma vez por mês, lançará luz sobre o futuro – ou os futuros possíveis – de temas com os quais a humanidade terá, necessariamente, de lidar em qualquer tempo: água, mobilidade, doenças, relações sociais e geopolítica.

 

Neste primeiro especial, o assunto é comida. A alimentação envolve aspectos objetivos, como a necessidade de se erradicar a fome e permitir a nutrição sustentável da humanidade que não para de crescer. Mas o futuro da comida suscita, também, questões subjetivas, como nossa relação com o alimento e a possibilidade de mudarmos hábitos alimentares para nos adaptarmos a um mundo em que não haverá como produzir carne para todos nos moldes atuais. Nas próximas páginas, especialistas colocam o futuro dos alimentos na mesa. Boa refeição.

 

 

EM TERMOS

 

protopia

Termo cunhado pelo futurista Kevin Kelly, segundo o qual o amanhã é sempre melhor do que o hoje.

 

localismo

Tendência de consumo de alimentos produzidos regionalmente, reduzindo impacto ambiental.

 

fair trade

Movimento que prega o pagamento justo de grandes compradores a pequenos produtores.

 

1989

1986

1973

1967

1966

SÉCULO 19

1798

SÉCULO 17

:: DE TRÁS PRA FRENTE

A ficção científica anteviu alguns dos processos pelos quais a humanidade passaria na linha do tempo da alimentação. A ciência imaginou a biotecnologia mesmo antes de desvendar a evolução – mas muitas de suas previsões não sobreviveram à seleção natural da realidade.

Em De Volta para o Futuro 2 (1989), a família de Marty McFly come pizza reidratada. O estilo de vida baseado na praticidade na cozinha é associado por muitos estudiosos à pouca diversidade de colheitas e aos altos índices de obesidade mundo afora – uma doença a ser derrotada.

O escritor Isaac Asimov analisou uma série de postais franceses da virada do século 19 no livro Futuredays (1986). As ilustrações previram inovações como a automação agrícola, com robôs elétricos fazendo as vezes de colhedores de cereais (acima).

Em 1973, o filme No Mundo de 2020 retratou um futuro distópico em que grande parte da população sobreviveria à base de soylent, uma ração processada e escassa feita de plâncton.

Em 1967, o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da gigante do agronegócio Deere & Co. antecipou o advento da biotecnologia, simbolizado por tomates quadrados. “Poderiam ser embalados mais facilmente por uma máquina – e ser melhor acomodados em sanduíches”, disse à revista Time.

Homens-anfíbios cuidarão de fazendas submarinas de algas, delirou a empresa de pesquisa Rand em um artigo de 1966, antecipando a escassez de carne que levaria a ONU a sugerir alternativas como insetos e… algas!

A feminista americana Mary E. Lease, em fins do século 19, imaginou que a “pílula-refeição” libertaria as mulheres do fardo da cozinha.

Ela confiava à ciência a tarefa de viabilizar o progresso da sociedade rumo a um mundo igualitário e com menos sofrimento animal.

Precursor do evolucionismo, o economista inglês Thomas Malthus escreveu em 1798 que a população crescia de forma geométrica, e todo o esforço humano não seria capaz de multiplicar a produção de alimento com a mesma velocidade. A escassez de comida forçaria o controle populacional.

 

No século 17, o químico irlandês Robert Boyle imaginou a “aceleração da produção a partir de semente”, um dos êxitos da biotecnologia moderna. Entre outras 23 previsões, também listou a arte de voar e a prolongação da vida.

texto

Fernando Corrêa

 

 

design

Leonardo Azevedo

Henrique Tramontina

MAIS NESTA EDIÇÃO: