Foto: Axel Sigurdsson, divulgação

seremos 10 bilhões em 2050 – 3 bilhões de bocas a mais para alimentar neste planeta cada vez mais inóspito, em que o desperdício é abundante, e a comida que sobra em um lugar falta no outro.

O relatório anual sobre segurança alimentar da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado na quarta-feira passada, aponta uma redução de 10 milhões de famintos em relação ao mesmo estudo em 2014, quando 805 milhões de pessoas passavam fome no mundo. Nesse ritmo, levaríamos 80 anos para erradicar a fome – se a população e o aquecimento global estivessem estagnados.

 

Não é o caso. A FAO calcula que será preciso aumentar em 70% a produção de alimentos nos próximos 35 anos, para dar conta de economias emergentes ávidas por enriquecer a dieta com alimentos como carne e laticínios – e para ter carne, é preciso plantar mais grãos para alimentar o gado, além de prover água para matar sua sede. Enquanto isso, o aquecimento global pode impactar em até 50% a produção de grãos, sobretudo nos países mais vulneráveis. Lidar com essas pressões é um dos problemas fundamentais do futuro da alimentação.

 

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da UFRGS, Lovois de Andrade Miguel descreve dois caminhos possíveis:

 

– Um é o preconizado pelo agronegócio, que diz que precisamos de mais tecnologia, mais máquinas, mais transgênicos. Outra corrente diz que deveríamos melhorar a agricultura de pequeno porte, que trabalha em condições muito precárias e sequer tem acesso às mais ínfimas tecnologias de que dispomos.

 

A ONU sugere andar pelos dois caminhos: incentivo aos pequenos agricultores, responsáveis por grande parte da produção de frutas e verduras do mundo, e desenvolvimento de ferramentas para o agronegócio produzir mais – e impactar o ambiente muito menos.

 

Para o físico Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã, se não houver uma mobilização massiva de âmbito ético e político para forçar as mudanças necessárias, “iremos de encontro à parede”.

 

– Se o contingente populacional vai crescer e deseja-se oferecer um mínimo de dignidade e meios de sobrevivência, é necessário aumentar produtividade, preservando recursos naturais e, fundamentalmente, distribuir esses recursos alimentares – afirma.

 

 

 

produção + distribuição

 

Nos anos 1960, o pai da Revolução Verde, o americano Norman Borlaug, desenvolveu variedades de trigo que reduziram drasticamente a fome na Índia e no Paquistão e fizeram do México um exportador da commodity. Meio século depois, se produz mais alimento do que nunca, mas a fome persiste – atinge 23% da população da África subsaariana, por exemplo.

 

– Não existe escassez de comida. O problema que temos é de distribuição em algumas áreas do planeta – afirma o futurista americano Kevin Kelly, cofundador da revista Wired.

Para a ONU, os dois problemas existem – e a solução de ambos passa por colocar tecnologia a serviço de pequenos produtores de países em desenvolvimento.

 

– Se desejamos criar um mundo livre da pobreza e da fome, precisamos priorizar o investimento nas áreas rurais de países onde vive a maioria da população faminta – disse o presidente da Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola da ONU, Kanayo Nwanze.

 

Iniciativas como a organização intergovernamental AfricaRice apostam na solução pela via tecnológica, desenvolvendo variedades de arroz adaptadas a diferentes regiões do continente. Para Adriano Naves de Britto, Decano da Escola de Humanidades da Unisinos, falta articulação internacional para que esses locais possam superar situações de instabilidade política e se tornar mais capacitados e produtivos.

 

– A ONU não tem tido capacidade de resolver problemas internacionais, há uma crise de representatividade – opina Britto, para quem o agravamento da situação impulsionará as soluções políticas necessárias.

 

 

 

corte na carne

 

Alcançar um novo sistema de produção sustentável passa pela diversificação da dieta. Em um mundo impactado pela criação massiva de gado, mercados emergentes gigantes como a China, que comem 60% menos carne do que os americanos, têm demonstrado fome da iguaria bovina. Até 2050, a demanda mundial deve duplicar – e para isso, haja campo.

A produção de carne é cara: consome mais de um terço da colheita mundial de grãos, além de afetar recursos preciosos como água e solo.

 

– Não quer dizer que teremos de ser vegetarianos, mas devemos reeducar o consumo de carne. Poderíamos nos voltar para formas de criação de peixe sustentável, empregar mais insetos ou mesmo fazer carne em laboratório – pondera o futurista do Instituto do Futuro da Humanidade da Universidade de Oxford, Anders Sandberg.

 

 

A própria ONU tem reforçado que o futuro obrigará populações a incorporarem outras fontes de proteína, como formigas, besouros e grilos. Há 900 espécies de insetos comestíveis, que apresentam quantidades de proteína, cálcio e ferro para bife nenhum botar defeito.

 

A ideia não está tão distante quanto parece. Em entrevista recente a ZH, o chef Alex Atala, que serve formigas no badalado restaurante paulistano D.O.M., falou sobre o valor gastronômico do ingrediente.

 

– Chefs no Japão, na Dinamarca, estão usando formiga não porque é modinha, mas porque é gostoso. E as nossas são as melhores, as mais potentes de aroma, as mais impactantes.

Para convencer o ocidente a comer insetos, a startup islandesa

Crowbar Protein criou o Jungle Bar (foto acima). Parece uma barra de cerais normal, mas tem 20% de farinha de grilo.

 

A confluência de gastronomia com ciências como nutrição e genética propõe outras soluções. Quando o hambúrguer artificial foi experimentado diante do mundo, em 2013, as cobaias o acharam muito sem gosto para um naco de carne tão salgado. De US$ 325 mil, na ocasião, o custo dos bifes, produzidos a partir de células-tronco, já caiu para US$ 12. O custo ambiental também é vantajoso: a produção em massa possibilitaria que áreas dedicadas à agropecuária fossem “devolvidas” à natureza.