em 2050, o mundo não “viverá como um só”, como imaginou John Lennon.

quem sabe possa viver como

muitos, sem que o poder de um orquestre o futuro de todos.

É impossível antecipar como se ordenará o planeta daqui a 35 anos. Voltando o mesmo tempo para o passado, encontraríamos um mundo em plena Guerra Fria, em que a revolução tecnológica ainda não havia convertido a realidade em bits e transformado a forma como a humanidade olha para si mesma. Como o professor de Relações Internacionais da UFRGS Paulo Visentini escreveu na introdução de seu livro O Caótico Século XXI (Alta Books, 2015), prever para onde caminhamos é tarefa inglória não mais pela falta de informação, mas pelo excesso.

 

O cenário de incertezas e múltiplas visões de mundo é atravessado pela locomotiva da China, economia que mais cresce, ancorada em décadas de pesados investimentos em infraestrutura e indústria. Antes de 2030, o PIB chinês terá superado o dos Estados Unidos. Para a doutora em Política Internacional Silvia Ferabolli, o planeta em 2050 será mais chinês e indiano, menos americano e europeu.

 

– O centro do capitalismo global está mudando do Atlântico Norte para a China e a Índia – afirma Silvia.

 

Impulsionadas por fatias gordas da população entrando na faixa de consumo, economias emergentes do Sul se projetam como forças (des)estabilizantes no tabuleiro internacional. Mesmo em desaceleração econômica, o grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representa mais
de 25% do PIB mundial e esboça um mundo com novos polos econômicos que, juntos, podem garantir mais equilíbrio na ordem mundial das próximas décadas.

 

– De um lado, há os antigos países industriais com interesses mais ou menos comuns. De outro lado, a coalizão dos Brics
que, embora frágil em determinados aspectos, vai ganhando força e influência – sintetiza Paulo Visentini, historiador e cientista político, pós-doutorado em Relações Internacionais pela London School of Economics. – O Brics está criando um fundo para socorrer países em dificuldade (Novo Banco de Desenvolvimento, alternativa ao FMI), um banco de investimento que funciona como o Banco Mundial (Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento). Não é mais uma instituição de um lado e uma simples fala do outro, mas duas instituições que terão de dialogar. Aí, há espaço de negociação – afirma.

 

Visentini acredita que ainda não é o caso de um mundo pós-Estados Unidos, mas que essa reconfiguração financeira deve, gradativamente, alterar padrões globais.

 

– O inglês será, por longo tempo, a língua de contato, mas o dólar deve perder proeminência. Haverá múltiplas moedas (dominantes) por algum tempo – projeta.

 

 

 

 

poder econômico, poder político

 

 

O internacionalista britânico Barry Buzan define a ordem emergente como uma ordem de grandes potências e de potências regionais, mas sem superpotências. Buzan é cético quanto à possibilidade de, no futuro, EUA e China – ou de os chineses sozinhos – serem potências hegemônicas. “Ninguém vai querer o trabalho de gerir o mundo”, sintetiza.

 

Em relatório divulgado em março, o Fórum Econômico Mundial sublinha a geoeconomia como elemento determinante na diplomacia do século 21, em que sanções econômicas têm o peso de operações bélicas e são feitas à revelia de mediadores supranacionais. Foi o caso da recente Guerra de Sanções,
em que potências ocidentais limitaram financiamentos e congelaram bens de cidadãos russos por reprovarem a anexação da Crimeia, e o Kremlin respondeu restringindo importações.

 

No mundo multipolar pós-2008, os fluxos de influência política se alimentarão de novos pactos transnacionais de comércio, mais restritos, com regras próprias sobre ambiente e direitos humanos, afirma o cientista político e economista Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia (EUA). Como o Acordo de Associação Trans-Pacífica, firmado no mês passado entre Japão, EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã. Dois quintos da economia global alinhados em contrapeso ao poderio chinês – que, apesar disso, faz negócios com muitos desses países.

 

– A grande tarefa das próximas décadas será garantir que essa multipolaridade não seja conflitiva, como ocorria no período anterior à Primeira Guerra Mundial, mas sim cooperativa. Isso requer o respeito ao Direito Internacional e o fortalecimento do multilateralismo, que tem na ONU a sua principal expressão – pondera Thomaz Napoleão, diplomata que serve na Missão do Brasil junto às Nações Unidas.

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Foto: 后生, CC