grandes nanopassos contra o câncer
A Sociedade Americana do Câncer estima que, em 2050, 27 milhões de pessoas desenvolvam a doença (atualmente, são
14 milhões de casos anuais), e 17,5 milhões morram vítimas de tumores ao ano (hoje, são 8 milhões). Avanços em campos como a imunoterapia, a farmacogenética e a nanomedicina sopram esperança de que o número de mortes possa ser drasticamente reduzido.
A geneticista Patricia Ashton-Prolla acredita que a maior parte dos cânceres não serão propriamente curáveis, mas sim manejáveis como outras doenças crônicas.
– O que vamos ter no futuro serão estratégias de controle muito eficazes. As pessoas vão viver muitos anos com qualidade de vida ótima, como vivem com diabetes ou hipertensão – afirma. – Tivemos a era de quimioterapia e radioterapia e a era das primeiras terapias-alvo, em que se usa a droga desenhada para o perfil genético do tumor. Agora vivemos uma fase de descobertas muito importantes em vacinas e tratamento imunológico, que provavelmente vão trazer enormes benefícios para vários tipos de câncer. Outro grande avanço, ainda em fase experimental em animais, é a capacidade de se corrigir erros no DNA (a chamada edição gênica que, em julho, foi empregada com sucesso pelo Hospital da Criança de Boston e pela Escola de Medicina de Harvard para curar a surdez genética de um rato).
O câncer estabelece interação estreita com o sistema imunológico. A imunoterapia tem se valido de progressos na genética e da nanomedicina para inserir partículas minúsculas, que conectam células cancerígenas e células de defesa, estimulando uma resposta precisamente direcionada, como se o corpo combatesse uma infecção ordinária.
Há obstáculos ao avanço e à democratização da técnica, como o alto custo, a tendência a causar reações imunes indesejadas e a dificuldade de armazenamento. De olho em soluções, o químico David Spiegel, pesquisador da Universidade de Yale (EUA), comanda o desenvolvimento de uma alternativa barata, sintética e ainda mais “nano” de imunoterapia: o Syam-Ps.
– O Syam-Ps tem inúmeras vantagens. Como tem um vigésimo do tamanho de anticorpos monoclonais, empregados na forma mais comum de imunoterapia, pode ser administrado por via oral, permanece estável à temperatura ambiente por longos períodos, penetra de forma mais eficiente em tecidos tumorais e previne respostas alérgicas e outros efeitos colaterais – afirma Spiegel.
Dentro de três décadas, o americano espera ver nanopartículas sintéticas como o Syam-Ps protagonizando tratamentos contra o câncer. Ele considera a técnica promissora também na transposição da fronteira da cura da aids, que hoje já é administrada como um mal crônico – faltam formas de localizar os reservatórios de HIV que ficam latentes no doente, mesmo quando a doença não é mais detectada pelos exames disponíveis.
robôs de todos os tamanhos
A capacidade de produzir medicamentos cada vez menores e engendrar formas de direcioná-los a células e até moléculas específicas é apenas o começo do assombro. Outro trunfo da nanociência, os nanorrobôs são mesmo o que o nome sugere: minúsculos patrulheiros biônicos da saúde, dotados de chips, sensores e motores moleculares. Podem ser feitos de material biológico, como DNA, ou mesmo de eletrônicos. No futuro, percorrerão o corpo humano realizando ações de forma inteligente. Poderiam varar a corrente sanguínea removendo a placa arterial, por exemplo. Ou realizar o que pesquisadores da Universidade Bar-Ilan, em Israel, se dizem prontos para testar em uma cobaia humana: percorrer o sangue em busca de sinais de 12 tipos de tumor e eliminar somente as células doentes.
É um passo gigante para humanidade, de um gadget infinitamente menor do que o que a medicina já dispõe.
– Hoje, para fazer a imagem endoscópica do tubo digestivo, o paciente pode engolir uma cápsula que vai batendo fotografias da boca até o ânus – exemplifica o cirurgião Leandro Totti Cavazzola, coordenador do Programa de Cirurgia Robótica do HCPA.
Cavazzola trabalha com um tipo bem maior de robô. Desde 2013, o HCPA já realizou quase 200 operações, “90% delas pelo SUS”, em áreas como urologia e ginecologia com ajuda do Da Vinci. O robô-cirurgião leva a laparoscopia – forma minimamente invasiva de cirurgia – a níveis biônicos. Controlado por um médico, o equipamento tem alcance e precisão de movimento sobre-humanos.
– Uma das articulações do robô devolve o movimento do punho dentro do paciente. O cirurgião tem visão full HD em três dimensões. O robô filtra o tremor que todos nós temos. E uma das coisas mais importantes é o sistema de escalonamento: posso fazer meio centímetro no exterior equivaler a 1 milímetro no interior do paciente – explica Cavazzola.
Quando a saúde estiver repleta de robôs grandes e pequenos trabalhando a serviço do paciente, que lugar ocuparão os profissionais humanos?
– O responsável legal pelos procedimentos segue sendo o médico – aponta o bioeticista José Roberto Goldim, que acredita que a tecnologia possa ser mais uma ferramenta na construção de um atendimento em saúde mais humanizado. – O grande desafio de todo mundo é conjugar conhecimento científico com o conhecimento humanístico.
Cavazzola assina embaixo.
– Parece um paradoxo, mas espero que essas tecnologias liberem o médico para ter mais tempo para ouvir as angústias, entender o que a doença está gerando na vida do paciente. Para que o profissional possa dar o suporte que máquina nenhuma vai dar – sintetiza.
Confira um videominuto demonstrando o robô-cirurgião Da Vinci do HCPA
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Equipe cirúrgica demonstra o sistema Da Vinci
Foto: Cmglee, CC
MAIS NESTA EDIÇÃO:
“Pensando em voz alta sobre doenças do futuro, os pacientes poderiam desenvolver psicose devido à influência maciça da inteligência artificial em nossas vidas. Poderiam ficar viciados em realidade virtual ou desenvolver fobias porque robôs e algoritmos desempenharão papéis importantes em nosso cotidiano. Nosso trabalho é garantir que a tecnologia não nos faça menos humanos."
Bertalan Meskó ::
médico futurista,autor do livro The Guide to the Future of Medicine
"Espero uma mudança de perspectiva em como encaminhar as questões de saúde. Devemos manter a população sadia, e não deixá-la adoecer para depois tratá-la. Vamos ter de manter cada vez mais a humanização dos atendimentos. Eu gostaria de ver a nutracêutica fazer tratamentos usando alimentos potencializado, sanando carências que geram doenças. É uma indústria que está vindo com tudo. Alimentação de cunho preventivo ou preparador."
José Roberto Goldim ::
biólogo, professor de Bioética na UFRGS e na PUCRS
"Quero que até 2050 as células-tronco possam regenerar a medula espinhal no paciente agudo, que recém teve a lesão, para que ele não tenha problemas na sua mobilidade, e que consigamos construir tecidos para pacientes que tiveram câncer. E espero que a farmacologia evolua de modo que possamos tratar a grande maioria dos tumores. Para as pessoas, a palavra-chave é generosidade. Temos de aprender a ser cada vez mais generosos, a doar sangue e medula óssea."
Patricia Pranke ::
farmacêutica, fundadora do Instituto de Pesquisas com Células Tronco da Faculdade de Farmácia da UFRGS
“As pessoas têm de se tornar conscientes de que também são responsáveis por cuidar da sua saúde. O estado deve estar ali para as pessoas, mas o sujeito deve empoderar-se das informações de que precisa para viver com autonomia e de forma mais saudável."
Mauro Félix ::
coordenador da graduação em Fisioterapia da Unisinos
"Eu espero que as tecnologias da genética estejam disponíveis a todos os cidadãos no Brasil. A portaria das doenças raras, do Ministério da Saúde, está sendo importante para que se comece a incorporar essas tecnologias no SUS, mas o acesso ainda é muito restrito."
Patrícia Ashton-Prolla ::
médica geneticista, professora da UFRGS e do Hospital de Clínicas
“Espero que sejamos uma sociedade mais feliz, e seremos uma sociedade mais feliz se vivermos mais despreocupados.”
Daniel Viana Abs da Cruz ::
professor da graduação em Psicologia da Unisinos
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