Em dois anos, Helena vai a oito chás de fraldas. Como uma gestante que pode dar à luz a qualquer momento, compartilha com amigos e colegas da escola as expectativas da espera.

– O próximo vai ser o meu! – anuncia a cada novo convite, como se as palavras tivessem poder de abreviar o tempo.

Até a metade de 2015, sua gestação já dura dois anos e meio. A empolgação que marcou a entrada oficial na lista da adoção cede lugar progressivamente à frustração. De tanto esperar, a cama do quarto da filha chega a quebrar – usada por hóspedes eventuais, cede em um dos lados e tem de ser substituída

"Natascha Kelly" é o nome aleatório com que Helena e Giuliano se referem à filha hipotética. Mais carinhoso do que 5120004277818, o número do processo que corre na Justiça

Para aumentar as chances de adoção, ela e o marido começam a repensar o perfil da criança desejada. Quando chegaram ao fórum pela primeira vez, em 2012, tinham a intenção de adotar uma menina de até seis anos. Seria o primeiro passo de um sonho maior: o plano era começar pela menina e depois adotar um menino, mas queriam que ela fosse mais velha porque “senão o menino iria querer mandar, né”.

Para sua surpresa, após a rodada de 10 entrevistas de avaliação com psicóloga e assistente social, foram orientados a reduzir o perfil. Que optassem por um bebê, e não por uma criança mais velha.

– Sugeriram que a gente diminuísse, porque a gente era um casal jovem, e a criança que chega sempre modifica o relacionamento, mesmo se fosse biológico – recorda Helena.

Confiando nas ponderações dos técnicos, o casal chegou a um meio termo: uma criança de um a três anos. Ao preencherem as fichas, Helena e Giuliano disseram que não importava a raça, e outra vez foram questionados.

– Para nós, não faz diferença a cor da criança. Mas durante o processo eles insistiram várias vezes que a gente revisse isso – conta a candidata a mãe.

O casal estranhou a insistência. Por que deveriam preferir uma criança branca? Sabiam que a maioria das crianças aptas a adoção é negra e parda e já se imaginavam enfeitando o cabelo afro da futura filha com presilhas coloridas. Quando Giuliano passou um mês em Londres em 2012, dando suporte de informática à empresa onde trabalhava durante a cobertura da Olimpíada, viu no metrô uma adolescente negra com cabelão e mandou uma foto para a mulher:

– Olha a Nathascha Kelly!

Concordaram apenas em reduzir a idade, sem limitar a raça. Ainda assim, o tempo passa, e a filha nunca chega. Quando perguntam quanto tempo vai demorar, ouvem evasivas.

– Liguem daqui a seis meses ou mandem e-mail perguntando em que lugar vocês estão na fila – dizem funcionários da Central de Atendimento Psicossocial Multidisciplinar do Foro de Porto Alegre, que centraliza os processos de adoção.

Mesmo seguindo os conselhos, as tentativas de buscar informações não são bem-sucedidas.

– No primeiro e-mail que mandei, disseram que era impossível saber – recorda Giuliano.

A explicação é de que não teriam como informar sua posição na fila porque dependia do perfil da criança: poderiam estar em centésimo lugar na fila por uma menina de um ano, por exemplo, mas serem os décimos para uma menina de três anos. A falta de clareza amplia a angústia de uma gestação sem data para acabar.

– Como insistimos, a assistente social disse que imprimiu uma lista e que estávamos na segunda folha para crianças de até três anos. Mas o que é a segunda folha? Quantos têm numa folha? Tem cem numa folha ou tem 10 em cada folha? – intriga-se Giuliano.

As respostas oscilam conforme o interlocutor. Se num e-mail a informação é de que estão “perto”, no seguinte estão “longe”. Giuliano e Helena nunca conseguem decifrar o que perto e longe significam.

Cansados de esperar, resolvem ampliar o perfil da criança desejada, voltando ao plano original, uma menina de até seis anos.

Para que o pedido seja aprovado, têm de se submeter a nova sabatina com a equipe técnica. São mais dois meses de espera até que a mudança do perfil seja autorizada, passando a estarem aptos em agosto deste ano para adotar uma menina de até seis anos.

Entre idas e vindas na busca por um filho, o casal é confrontado com uma série de perguntas de conhecidos.

– Por que vocês querem adotar, não querem ter um filho de verdade?

– Tu tem medo da dor?

– E se a criança tiver algum problema?

– E a questão genética?

Helena começa respondendo delicada, dizendo que sim, quer um filho de verdade, e que sua filha adotiva vai ser essa sua filha de verdade. Lembra que filhos biológicos também podem apresentar problemas genéticos ou comportamentais.

– Se não for para a gente ser a família mais feliz, de propaganda de margarina, não vai ser. Mas ela vai ser a nossa filha, a filha que a gente esperou por tanto tempo para ter aqui em casa – diz.

Muita gente não entende. Às vezes, Helena perde a paciência e encerra a discussão com uma frase:

– Ainda bem que sou eu quem vou adotar, né, não tu.

Enquanto esperam sem saber por quanto tempo, submetidos a tantas perguntas e avaliações, ela e o marido pensam em tantos casais que têm filhos por acidente.

– Se tu decide ter um filho biológico, tu simplesmente vai ter um filho biológico, ninguém vai ficar te perguntando, te testando. Tenho um colega que saiu com uma menina uma vez e ela engravidou, e agora vai ser pai – reflete Giuliano.

A essa altura, Helena e Giuliano já desistiram de adotar um segundo filho. Se “Nathascha Kelly” está demorando tanto, não podem cogitar enfrentar um segundo processo.

– Se formos ter que esperar mais tanto tempo e ficarmos chateados de novo, não vale a pena – lamenta Helena.