SOBRE

AMORES

SEM

LIMITES

O que é o amor?

Se mesmo as mentes mais brilhantes titubeiam para defini-lo, não é o que acontece com Renata:

– Amor é quando eu amarro o tênis dele, porque ele tem dificuldade de se mexer.

Conheceram-se, ela e Paulo, na Escola de Educação Especial Nazareth, na zona sul de Porto Alegre, em 2011. Renata, então com 31 anos, chegava transferida de um colégio regular, onde assistia às aulas das séries iniciais junto a crianças pelo menos 20 anos mais novas. Ninguém consegue explicar as forças que fazem coincidir o tempo de duas pessoas. Acaso ou destino, Paulo, 33 anos à época, estava no pátio bem na hora em que ela e seu sorriso marcante adentraram o portão.

Os dois têm um grau leve de deficiência intelectual – ele, além disso, uma condição de nascença que lhe paralisou quase todo o lado direito. Algo de mágico aconteceu quando se encontraram no pátio da escola. Paulo tirou forças de onde não tinha, correu o mais rápido que pôde e foi logo se apresentando:

– Eu sou o Paulo Philomena Melo, estudo aqui e quero ser teu amigo.

Agradeceram à sorte quando se viram na mesma sala de aula. “Devagarzinho”, Paulo foi se aproximando. Descobriu que ela gostava de novelas – e ele, que não era lá muito chegado, se viu um telespectador assíduo de Malhação e Chiquititas só para ter assunto para puxar na manhã seguinte.

– Tenho que dar um jeito de ela gostar de mim – pensava.

Até que foram sorteados para formar dupla durante uma atividade proposta pela professora. Ao desenharem no quadro juntos, Renata deu um passo para o lado, encostando seu quadril no de Paulo. Chegou pertinho do ouvido dele e surpreendeu ao fazer a pergunta:

– Quer namorar comigo?

Paulo fez um charminho, mas aceitou.

– Eu vi que ela era uma menina legal, simpática, carinhosa – justificou ele, com os três adjetivos que julga mais importantes em uma companheira.

De mãos dadas, o casal derruba os tabus que cercam os relacionamentos entre pessoas com deficiência. Paulo e Renata comprovam o que já foi apontado em pesquisas:​ as pessoas experimentam as emoções humanas, como o amor, o afeto e o desejo, da mesma maneira, sejam ou não carentes intelectuais.

Paulo ainda sente frio na barriga quando Renata telefona. Renata sente ciúme quando Paulo tira fotografias ao lado de outras meninas. Os dois cultivam um amor inocente, juvenil apesar da idade, ainda protegido pelas famílias de cada um. Veem-se sempre às segundas-feiras, na escola. Ele começou a trabalhar em uma loja de móveis na Azenha e só aparece no colégio no dia em que ensaia com a banda – é cantor. Ela ainda estuda. Nos fins de semana, a programação varia entre restaurantes, seriados na televisão, jogos de baralho ou filmes no cinema.

– E eu já conheço ela: se é filme de terror, eu nem convido.

– É verdade, nesses eu não vou – confirma a namorada.

Renata e Paulo fazem planos. Querem morar juntos. Podem ter uma deficiência intelectual, mas não deixam transparecer qualquer dúvida quanto a essa vontade – e quanto a tudo o que significa. Sonham com o casamento, com uma filha que vai se chamar Silvana, com o dia em que vão inspirar outras pessoas que acham que não podem amar, mas podem.

O que mudou na vida de Renata desde que conheceu Paulo? O que mudou na vida de Paulo desde que conheceu Renata? Em uma dessas sintonias difíceis de desvendar pelos cérebros mais ágeis, os dois respondem, em uníssono, com a palavra-síntese:

– Tudo.