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partir desta segunda-feira, um outro legado será eternizado na cidade. A rua 8080, num bairro afastado do centro de Três Passos, passará a se chamar Menino Bernardo. Um desavisado que passe por ali pode estranhar que o garoto que despertou clamores em todo o país seja homenageado com uma via de chão batido, tão secundária e poeirenta. Mas a própria história do logradouro diz muito sobre como a comunidade está lidando com as suas cicatrizes.

A ideia original do autor do projeto, o presidente da Câmara, Alcione Cesar dos Santos (PC do B), era mudar o nome da tradicional Rua Gaspar Silveira Martins, onde Bernardo morava, em um casarão que ocupa metade da quadra. Vizinhos apresentaram resistências. Não queriam ficar maculados pelo peso da tragédia, nem causar transtornos com a mudança de alcunha. A saída encontrada para evitar discórdia entre a população foi dar o nome de Bernardo para o caminho sem nome em um loteamento ainda pouco habitado.

Apesar de pouco conhecido, o endereço não é aleatório. Foi escolhido porque é a sede do Lar Acolhedor, uma instituição que abriga crianças vitimadas por maus-tratos e negligência doméstica, afastadas do lar por medidas judiciais. Desde o ano passado, o número de crianças atendidas pela instituição triplicou. Saltou de sete, no início de 2014, para 20. A maior sensibilização social aos riscos enfrentados pelas crianças no ambiente doméstico após o Caso Bernardo é considerada decisiva para o incremento. A cidade que não conseguiu ouvir os apelos de Bernardo hoje se esforça para que a história dele não seja em vão.

— Em toda a região o pessoal ficou mais atento, toda hora tem gente visitando o lar, trazendo roupas. Tivemos até que pedir: por favor, não doem mais roupa — conta a vice-presidente da ONG, Tayná Petry, que assumiu o trabalho voluntário em consequência da avalanche de pedidos de ajuda e solidariedade que se seguiram à morte de Be.

No lar, crianças vulneráveis recebem atendimento psicológico e social, cuidados e carinho. Destinos que ainda podem ser salvos.

— Eles falam que não querem ser adotados e ter uma madrasta como a Kelly — emociona-se Tayná.

Em uma manhã ensolarada do fim de março, um menino de quatro anos com os pais presos por tráfico e outro de três com histórico de abuso sexual na família recuperavam a inocência nos balanços do pátio. No meio da brincadeira, cantavam em coro trechos de uma música que aprenderam na escola:

— Va-mos cons-tru-ir, u-ma pon-te em nóóós.

Bernardo poderia estar entre eles. Seria para essa mesma instituição que o menino teria ido se tivesse sido encontrado com vida, conforme um despacho expedido pela Justiça depois de seu desaparecimento. Era tarde demais.

Desde o ano passado, o número de crianças atendidas pela instituição triplicou.

 
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