Um time que metia medo

Times campeões costumam nascer de grandes derrotas. Foi assim com o Inter campeão brasileiro de 1975, machucado pela eliminação para o Palmeiras, no quadrangular final do Brasileiro de 1973. Foi assim também com o Cruzeiro de Palhinha, derrotado pelo cabeceio de Figueroa no Gol Iluminado.

- O Inter tinha um timaço, mas também tinha São Manga. Eu e Nelinho tentamos fazer gol a tarde toda. Foi uma das maiores atuações de um goleiro que vi na vida. Aquela derrota dói até hoje - diz Palhinha, hoje um senhor de 65 anos.

Atuação de Manga é até hoje lembrada pelos jogadores do Cruzeiro

Vivendo em Belo Horizonte, o ex-atacante ainda contesta a falta de Piazza em Valdomiro que originou o gol.

- A dor maior se deve ao fato de jamais ter sido campeão nacional. Tentei por três vezes e, aquela de 1975, me parecia a chance mais próxima para erguer a taça - recorda o camisa 9 do Cruzeiro.

Em 1976, Palhinha foi o goleador da Libertadores com 13 gols. Ajudou o Cruzeiro a ganhar seu primeiro título continental. Dois desses 13 gols foram no 5 a 4 sobre o Inter, em um dos maiores jogos da história do futebol brasileiro. Palhinha acabou expulso no segundo tempo. Tentou revidar um cotovelaço em Figueroa, que havia quebrado o seu nariz na final do Brasileirão. Sem a mesma técnica do chileno, levou cartão vermelho.

- Eram dois times de altíssimo padrão, que sempre jogavam em busca de gols. Inter e Cruzeiro não tinham equipes para jogar por empates. Sinto saudade. Tínhamos dois times ousados, com jogadores inteligentes e de alta técnica - conta Palhinha. - Depois, fiquei amigo do Figueroa. Foi o maior zagueiro do mundo. Um dia disse que era mais fácil parar Pelé do que Palhinha - gaba-se o cruzeirense.

Duelos entre Inter e Cruzeiro marcaram os anos 1970

No futebol mineiro, o ex-lateral-direito Nelinho é uma espécie de herói de dois mundos. Foi campeão pelo Cruzeiro e pelo Atlético-MG. Pela porção azul de Minas Gerais, ganhou a Libertadores e fez estragos nos rivais com seus chutes cheios de curva e potentes como míssil. Para se ter ideia da força, foi desafiado por um canal de TV a mandar a bola sobre a marquise do Mineirão. Nelinho só não conseguiu vencer Manga naquela tarde de 14 de dezembro de 1975:

- Manga fez uma partida fenomenal. Joguei duas Copas (1974 e 1978), mas poucas vezes vi um goleiro atuar daquela maneira. Mas, imparável mesmo era o Lula. Tentei marcá-lo a tarde toda. Foi impossível. Ele me deu uma canseira desgraçada, e isso que era meu amigo. Imagina se não fosse - emenda o ex-lateral, que em 1980 foi campeão gaúcho pelo Grêmio, jogando emprestado.

O ex-lateral valoriza a qualidade dos dois times, na época melhores de um Brasil em que os craques jogavam no país e faziam do Brasileirão o palco máximo para brilhar:

- Cruzeiro e Inter eram a Champions League da época, timaços de nível do futebol europeu. Dava para montar uma seleção forte com esses dois times - aposta o ex-lateral, hoje com 65 anos e dono de uma academia de esportes em Belo Horizonte.

Inter dominou o Fluminense em pleno Maracanã

Zagueiro da Seleção Brasileira nas Copas de 78, de 82 e de 86, Edinho era uma das joias do Fluminense no Brasileirão de 1975. Recém-promovido, havia virado titular depois de voltar com o ouro do Pan-Americano do México. Estava em alta nas Laranjeiras quando apareceu o Inter na sua vida:

- Estava com 20 anos, era o mais novinho do time. Em meio ao jogo no Maracanã, quando nossos melhores nomes simplesmente não conseguiam, pensei: "Esses caras vão ser campeões". Aquele foi o melhor Fluminense pelo qual atuei e, mesmo com a torcida toda a nosso favor, não tivemos condições de impor o nosso jogo - recordou Edinho.

Hoje com 60 anos, técnico aposentado e comentarista do SporTV, Edinho aposta que a combinação de força física e alta técnica fizeram daquele Inter um time superior. A influência copeira importada do Peñarol com Figueroa é apontada por ele como alma de um time indignado, o que fez a diferença contra o Fluminense.

- O Inter era muito forte fisicamente. Naquela época, ainda havia uma diferença grande entre o futebol carioca e o gaúcho  - afirma Edinho.

Carpegiani vigia Paulo César Caju no duelo contra a "Máquina" do Fluminense

A força que o Brasil conheceu depois, o Grêmio havia experimentado antes. Em 1975, quando os colorados festejaram o hepta estadual. houve sete Gre-Nais em 1975: um amistoso, quatro pelo Gauchão e dois pelo Brasileirão. O Inter venceu quatro e perdeu apenas um. Em uma das vitórias, o gol de Flávio Minuano deu ao Inter o hepta que igualava o feito gremista obtido entre 1962 e 1968. No último clássico do ano, pela terceira fase do Brasileirão, nova vitória colorada por 1 a 0, com gol contra do zagueiro Beto Fuscão.

- Houve um momento, não sei exatamente quando, em que os jogadores do Inter ganharam uma confiança tamanha que aquilo foi agregado ao estilo de jogo deles. Era difícil pará-los - recorda Ancheta, um dos maiores zagueiros da história do Grêmio.

Defendendo o Uruguai Celeste, Ancheta foi eleito um dos melhores zagueiros da Copa de 70. Desembarcou em Porto Alegre com esse status, vindo do Nacional. Para responder, o Inter buscou Figueroa no Peñarol. Nos Gre-Nais em campo, porém, o chileno tinha a seu favor um time quase imbatível:

- A bola cruzada, por Valdomiro, Lula ou pelos laterais, era a grande arma do Inter. Conhecíamos as jogadas, tínhamos tudo mapeado, mas não conseguíamos bloqueá-las. Cortávamos 10, 12, 15 cruzamentos. Tentávamos pará-los de maneiras menos convencionais. Ainda assim, sabíamos que uma bola ou duas iam parar na cabeça do Flávio e do Escurinho. Aí, era gol. Escurinho foi o melhor cabeceador que vi jogar. Ele e o Jardel, que também foi fenômeno - diz o uruguaio, hoje com 67 anos e cantor de boleros.

Inter costumava levar a melhor em clássicos da época

O sucesso do Beira-Rio refletia no Olímpico. O Grêmio montava bons times para arrancar o ano. Tropeçava no rival e decidia recomeçar tudo de novo na temporada seguinte. Era quando desandava, na opinião Ancheta:

- Tínhamos equipes fortes, que se criavam por um ano apenas e, devido a algumas derrotas nos clássicos, eram desmanchados em dezembro. Era injusto, pois enfrentamos um Inter cuja metade da equipe está na galeria dos grandes jogadores da história do Beira-Rio.

Lateral-esquerdo e zagueiro do Grêmio nos anos 70, Bolívar recorda que para enfrentar o Inter era preciso atenção o tempo todo. Em sua memória, tratava-se de um rival de futebol intenso. O Inter jogava sempre no limite e atropelava o adversário com disposição incomum para uma época de futebol mais clássico:

- Havia jogadores-chave, como Falcão, Carpegiani e Valdomiro, que faziam a equipe voar. Eles davam um ritmo intenso ao time, durante os 90 minutos.

Ancheta diz que Escurinho (foto) foi o melhor cabeceador que viu jogar

Aos 61 anos, Bolívar vive em Santa Cruz do Sul. Tem ainda presente os embates contra o Inter de Falcão ao lado de Tarciso, Iúra, Zequinha, Ancheta, Picasso, Cacau e companhia.

- Falcão era completo: armava, marcava, sabia jogar e fazia gols. O ataque do Inter era bom demais, a defesa era forte, firme. O meio-campo, inteligente. Valdomiro era quase "marcável". Limpava e chutava. Quando parou de ser vaiado e se firmou, virou um dos maiores que já vestiram a camisa do Inter - resume Bolívar.