Na última semana de atividades da Assembleia Legislativa antes do Natal, o deputado Mário Jardel justificou a falta ao trabalho com a necessidade de tratar da internação da mãe em Fortaleza. Maria de Fátima Almeida Ribeiro, 62 anos, tem problemas com o álcool. Estaria sofrendo uma crise depressiva após as denúncias que envolveram o filho na Operação Gol Contra, no final de novembro. Zero Hora falou com Jardel na capital cearense.

No domingo anterior ao Natal, ele participou de um jogo entre amigos, deliberadamente promovido em sua defesa diante das acusações que haviam repercutido em todo o país.

— Invadiram a minha casa em Porto Alegre, me expuseram daquele jeito, como queriam que a minha mãe estivesse? — questionou o deputado em 20 de dezembro, no vestiário do Estádio Presidente Vargas.

Caricatura no muro do estádio da Ferroviária, em Fortaleza: Jardel é o maior jogador de todos os tempos do Ceará

Jardel se referia às buscas realizadas pelo Ministério Público em seu apartamento no dia em que estourou a Gol Contra, em 30 de novembro.

A ausência do deputado no plenário justificava-se, embora a saúde debilitada de Maria de Fátima havia muito exigisse atenção. A bebida sempre esteve presente na casa dos Ribeiro, mas a dependência da mãe aumentou com a morte prematura do marido, César Ribeiro, aos 43 anos, em 1997, vítima de problemas cardíacos agravados pelo uso do álcool e do cigarro.

Restaram os filhos. Júlio Ribeiro, 43 anos, tem família em Porto Alegre. George, 36, está em Portugal. Juliana, 39, e César Júnior, o Juninho, 32, vivem em Fortaleza. Jordana, 30, passa mais tempo em Lisboa.

Eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul, Jardel preferiu manter a mãe por perto, na Capital. Para acompanhá-la, trouxe César Júnior. A internação de Maria de Fátima em uma clínica de Fortaleza se explicaria porque Jardel permaneceria mais tempo ao lado da mãe durante o recesso de fim de ano e janeiro.

— O meu momento é de paz. A única preocupação é com a mãe. Por isso saímos de Porto Alegre, tentamos a internação dela, e foi difícil. Ela tem uma rejeição. Havia a urgência da recaída pelo problema que houve, todos sabem, é público — disse o deputado no domingo da confraternização.

Orientado pelos advogados a se calar a respeito de política, Jardel não fala sobre o que chama de "problema". Apenas comenta em tom de resistência:

— Pessoa alegre nunca vou deixar de ser. Pode vir o baque que for, sou muito forte. Muito forte.

Apesar do zelo com a mãe, o deputado encontrou tempo para ir à praia na tarde de 19 de dezembro, um sábado de sol. Estava no quiosque Crocobeach, o mais badalado da cidade, com bar, restaurante, área de lazer, tendas à beira-mar e piscina. Jardel é assíduo na área VIP.

Na Assembleia, o corregedor, deputado Marlon Santos (PDT), interpreta a viagem durante o expediente no plenário como estratégia de fuga do ambiente caudaloso criado com o processo que corre na casa contra Jardel, sob ameaça de perda do mandato. As acusações vão da quebra de decoro parlamentar a uso indevido do dinheiro público.

No vestiário do Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza, Jardel se prepara para entrar no jogo de fim de ano

Fortaleza sempre foi refúgio acolhedor para o ídolo gremista quando a dor de cabeça se avoluma. É onde nasceu em 18 de setembro de 1973 e cresceu com amigos nos bairros Vila União e Montese. Hoje eles formam um cinturão de convívio em bares, botecos e quiosques de praias deslumbrantes da capital cearense. Quase ninguém critica seus excessos. Quando comentam sobre o vício do amigo famoso, suavizam o drama alegando se tratar de "criança adulta" de "bom coração".

Parte da complacência ocorre porque Jardel é o maior ídolo do futebol já surgido no Estado. Em todo o Nordeste, apenas o pernambucano Rivaldo, campeão do Mundo com a Seleção em 2002, pode batê-lo em prestígio e comportamento, não em tropelias.

A personalidade brincalhona, festeira e simplória de Jardel ajuda. No auge das conquistas, da Libertadores pelo Grêmio (1995) e das duas Chuteiras de Ouro pelo Porto (1999) e Sporting de Lisboa (2002), Jardel jamais deixou de bater ponto nos botecos de Fortaleza. Nem quando comprou mansão no elegante bairro Dunas e transitou com ídolos do futebol europeu que hospedava em férias na cidade. Seu roteiro sempre foi de praia, cerveja, carteado e bingo.

Um dos pontos preferidos é o bar de Honorato Pinheiro, a Mercearia Parafuso, a uma quadra da frequentadíssima Praia do Futuro. Embaixo de três pés de amendoeiras-da-praia, de castanholas avermelhadas e amargas, o comerciante comanda um antigo estabelecimento, ao mesmo tempo armazém e típico boteco de periferia, com mesa e cadeira de plástico na calçada. Contrasta com os quiosques mais badalados ao longo da orla.

Na mercearia-boteco de Honorato Pinheiro, em Fortaleza, Jardel costuma comer buchada sob as amendoeiras-da-praia

Mesmo pela manhã, depois da academia, o deputado recuperava rapidinho as calorias no bar do amigo. Honorato se orgulha da coleção de cerca de 90 camisetas de clubes presenteadas pelo ídolo.

— Jardel vem aqui direto. Traz uma camiseta e toma a cervejinha em paz. O pessoal está acostumado, cumprimenta, ele conta uma piada e às vezes paga bebida e dá uns trocos para quem precisa — contou Honorato, vestindo um modelo não oficial da Juventus, da Itália, regalo do amigo.

Pelas mãos do cearense, ídolos como Roberto Dinamite, Romário e Deco também se sentaram às mesas de plástico da Mercearia Parafuso.

— O que Jardel gosta é ficar com as amizades, não importa com quem. Eles vão comer caranguejo na beira da praia e depois se servem aqui de panelada e buchada, sempre com cervejinha — disse o dono do bar.

O comerciante sabia dos planos do ex-jogador de concorrer a deputado. Debaixo da amendoeira, Jardel falou que colocaria o "nome em teste" no Sul porque acreditava no apoio da torcida do Grêmio. Em Fortaleza não teria chance. Necessitaria de 15 a 16 mil votos, e seu passado como jogador da base do Ferroviário local nem isso lhe garantiria. Horas depois do pleito, ligou de Porto Alegre para Honorato:

— Olha, velho, fiz mais de 41 mil votos, estou eleito!

— Maravilha, aproveita a chance e muda de vida.

Outro conhecido de infância, o contador Francisco das Chagas promoveu um jogo de fim de ano com caráter solidário a Jardel.

— A gente quer apagar o que a imprensa do Brasil fala por causa desse problema. Queremos mostrar quem é o verdadeiro Jardel, um cara humilde que fecha com os camaradas. É claro que ele não está em paz, tem aquela questão lá do Sul, tem a internação da mãe dele. Ainda bem que ele sabe, aqui é a família dele — avalia Chagas.

Irmão de Jardel, Juninho defendeu o mano:

– Falam muito sem saber o que aconteceu. Um dia a verdade vai aparecer.

O amigo Dey Lopes e o irmão César Ribeiro: ao fundo, o campo onde Jardel jogou na infância

No vestiário do Estádio Presidente Vargas, reformado para a Copa do Mundo, Jardel voltou ao mundo que ocupou durante 20 anos, de Vasco, Grêmio, Porto, Galatasaray, Sporting e os outros 13 clubes da fase difícil. Após selfies, paparicações e massagem na panturrilha dolorida, o ex-jogador foi a campo seguindo a faixa "Jardel, nós estamos com você" — mensagem em resposta ao "problema" do qual se evita falar na cidade.

Craque no passado, Jardel mal conseguiu se mexer, apesar de jogar em meio a ex-profissionais e amigos não menos barrigudos. No vestiário, antes do jogo, o deputado pegou R$ 150 e repassou a um amigo. Era o pagamento da faixa.

No vestiário de Fortaleza, Jardel aprova a faixa feita em seu apoio

Boteco do bairro onde Jardel se criou em Fortaleza

No alto, Jardel despenca no gramado. Abaixo, revela a barriga de ex-jogador

Ex-centroavante recebe massagens. Abaixo, prepara-se para entrar em campo

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