Apassagem por Lisboa foi devastadora para Jardel. Se no Porto a cidade menor restringia a curtição, na capital portuguesa a noite se revelou tentadora. Mesmo assim, marcou 42 gols em 30 jogos na primeira temporada pelo Sporting, o que lhe rendeu a segunda Chuteira de Ouro de artilheiro europeu.

Corriam veladas notícias de uso de cocaína, bebida e noitadas em cassinos. As relações com a mulher, Karen, azedaram. Ela viajou com os filhos para férias na mansão do Dunas, em Fortaleza, e, ao retornar a Lisboa, encontrou a casa de cabeça para baixo. Desnorteado, ele teria falado em separação, prontamente aceita por ela. Jardel se arrependeu e entrou em depressão.

Frustrado pela ausência na Seleção do técnico Luiz Felipe Scolari que foi penta na Copa de 2002 ("Fiquei péssimo", declarou Jardel anos depois) e desiludido por não fechar especuladas transferências aos ricos Barcelona e Real Madrid ou grandes da Itália, agora havia o desgosto do drama familiar.

Ex-lateral do Inter, César Prates já defendia o Sporting no verão europeu de 2001 e se comoveu com a recepção de astro pop oferecida ao brasileiro no Estádio Alvalade. Suas famílias se visitavam, Jardel o chamava de Cesinha. Pastor, César Prates atraiu o conterrâneo para o grupo de atletas de Cristo do Sporting. Como acontecera com Luiz Carlos Goiano, no Grêmio, ele se dedicava a orações, lia a Bíblia, mas não se mantinha no rumo.

O clube usava de eufemismos, receava perder o goleador dos petardos de cabeça com o qual ganhara o campeonato nacional e a Taça de Portugal na temporada anterior.

— Aquilo era louco. Falava-se disso e daquilo, mas ele seguia marcando gols. A gente conversava muito, antes e depois dos cultos, só não entrava no particular. Não sou dono de ninguém — resumiu César Prates.

Jardel não voltou das férias em Fortaleza para a segunda temporada em Lisboa. Alegou tratamento por depressão, e o Sporting o aguardou pacientemente. Parte da imprensa portuguesa se mudou para a capital cearense e investigou a novela sem fim. Naquele período, corria o divórcio com Karen. Ela declarou mais tarde à imprensa: "Aceitei Jesus. Não fosse ele, estaria afundada".

Por quatro vezes Jardel recorreu a licenças médicas e não se apresentou. Um especialista em dependência química português diagnosticou em Jardel carência de carinho da torcida e de gols. Três meses depois, chegou muito acima do peso. O clube o isolou em empreendimento de luxo no Algarve, na concentração de Alvalade, e pediu a intervenção de César Prates. Em outro momento, antes de um almoço com os jogadores, o lateral foi consultado:

— Queriam saber se eu me responsabilizava pelo Jardel no evento. Assumi e pensei: se algo der errado, eu é que vou me danar.

Com os treinos abertos à época, o jornalista Nuno Raposo presenciou a atividade do brasileiro na fase complicada do Sporting.

— Ele mal tinha mobilidade, de tão acima do peso. Ainda assim, parado na área, fazia gols com facilidade extraordinária — relembrou Raposo.

A situação incontrolável em Lisboa provocou a venda para o Bolton, da região de Manchester, na Inglaterra. Jardel tinha 29 anos. O negócio de 2,5 milhões de euros era de ocasião — ainda que o Sporting tenha pago 5,5 milhões ao Galatasaray, em 2001.

Jogador ganha Portugal como goleador e campeão pelo Clube do Porto

BD, João Abreu Miranda, 16/5/1999

O salário caiu. Dos 300 mil euros na Turquia, passou a 150 mil euros no Sporting e, a partir daí, seria menor. Começava assim a peregrinação por 14 equipes em 10 anos, até o final da carreira, em 2012, aos 39 anos, sem contar os clubes em que não acertou a transferência por falta de forma ou por conduta.

Ele até se puxou no começo do Bolton, marcou gols, embora pegasse a reserva, e isso o Super Mário não aceitava. Fez sete jogos entre paradas e retomadas e procurou outro clube. Em São Paulo, o Corinthians desistiu de repatriá-lo porque o atleta estava 10 kg acima do peso. Emprestado por quatro meses ao time da pequena Ancona, na Itália, Jardel desembarcou por lá em fevereiro de 2004 com Karen e os filhos. Era a chance de se reaver com a família e com o futebol. Em campo, disputou apenas três partidas. Contra o Perugia, errou a posição no estádio e saudou a torcida adversária. Foi longamente vaiado. E a passagem pela cidade portuária do Adriático foi agitada.

Podia ter se recuperado atuando pelo Palmeiras. Mas alegou viagem ao velório da avó Iracema, em Fortaleza, e passou nove dias sumido. Descobriu-se depois que frequentava bingos em São Paulo. Não ficou no Newells Old Boys, da Argentina, desistiu do Alavés, da Espanha, passou sem sucesso pelo Goiás e culminou com um prosaico drama no Beira-Mar, em Aveiros, Portugal.

Com a Chuteira de Ouro e a conquista pelo Galatasaray

(BD, Divulgação)

Desmaiado no quarto do hotel, uma espuma branca escorria-lhe pelo canto da boca, e logo suspeitaram de cocaína. Mas, não. Jardel havia retirado o líquido de ovos-moles, duas caixas deles, e tomado de uma vez. Estava entrando em coma. Ainda jogou no Chipre e na Austrália antes de conceder entrevista ao Esporte Espetacular, da TV Globo, em 2008, admitindo o consumo de cocaína.

— Vi aquilo, a gente sabia da história, mas ninguém se mete, né? — contou um conhecido de Fortaleza.

Jardel disse que havia consumido o pó apenas nos tempos de Sporting, durante as férias na mansão do Dunas. A primeira vez teria sido em um churrasco em 1999, na capital cearense.

Mas, em outros momentos, o ex-Super Mário reconheceu o vício. Em 2009, falou à revista IstoÉ ter ficado oito dias sem dormir durante um surto e que gastara até US$ 2 mil nas noites mais concorridas de Lisboa. Em 2013, ao jornal AS, da Espanha, fez mais declarações. Em todas creditou o vício à depressão e às "falsas" amizades que o cercavam.

Primeiro técnico de Jardel nos juvenis do Ferroviário, que o acolheu aos 15 anos, depois de reprovado no Ceará, o professor Edmundo Silveira o ensinou a cabecear. Pagou passagens para Jardel ir treinar e conseguiu formá-lo jogador. Edmundo virou a imagem do respeito. Se estivesse por perto, Jardel não se atrevia nem a fumar.

Depois de eleito deputado em outubro de 2014, Jardel ligou para Edmundo:

— Sabe quem está falando? É o deputado Mário Jardel.

O técnico sempre se colocou à disposição para ajudá-lo durante a carreira, desde a época do casamento com Karen. Ele foi um dos padrinhos, passou uma semana com a mulher em Porto Alegre, por conta do recém-casado. Mas o aluno preferiu manter distância silenciosa do mestre. Talvez se sentisse mais à vontade. Quando da transferência para o Galatasaray, o jogador ligou comovido a Edmundo, que respondeu:

— Você não é só atleta, é homem adulto. Tem que pensar no futuro, na família, porque um dia o futebol acaba.

O ensinamento não surtiu efeito.

— Ele jogou fora não só a carreira dele. Jogou a minha também — disse, emocionado, o ex-goleiro do Ferroviário.

O "cabeção", apelido de Jardel na família, era muito atrapalhado com a bola. Mas Edmundo explorou a altura e os "chutes" de cabeça desferidos pelo garoto. Com 16 anos, veio a estreia no Ferroviário. Chegou ao Vasco em seguida, em janeiro de 1990.

Edmundo conheceu César Ribeiro, pai de Jardel. Vendedor de calçados, ele e a mulher, Maria de Fátima, tinham vida desregrada. César sofreu séria complicação cardíaca, foi hospitalizado em São Paulo, mas não cortou a bebida e o cigarro. Morreu em janeiro de 1997, aos 43 anos. Jardel, com 23 anos, perdia a imagem paterna.

Aos 34 anos, em 2008, o jogador tentou um programa de recuperação física na Escola de Educação Física, de Porto Alegre. Estava casado com Tatiana Bezerra, com quem teve um filho. No ano seguinte, assinou com o Ferroviário. Mas não durou muito, como havia acontecido no Criciúma, no Piauí, na Bulgária, no Amazonas e na Arábia Saudita. Em quase todos, desembarcava de helicóptero no estádio e dizia que estava recuperado.

Em 2008, o jogador tenta um programa de recuperação física na Escola de Educação Física, de Porto Alegre

Banco de Dados, Cynthia Vanzella,  19/6/2008

Depois de se oferecer ao Grêmio, Jardel se apresenta no Criciúma

Banco de Dados, Ulisses Job, 1/7/2008

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