“Avise que

estou bem”

Retirada do campo de refugiados, repórter de ZH recebe um pedaço de papel com números de telefone da Síria e um pedido especial

Assim que atravessamos o cordão de policiais que vigiam a fronteira da Croácia, eles nos mandam formar duas filas. Informam que um ônibus virá buscar os refugiados. Para onde, ninguém diz. Em quanto tempo, ninguém sabe.

Depois da primeira meia hora sem notícias, o grupo começa a se dispersar. Musa tira da mochila um pacote de lenços umedecidos que ganhou pelo caminho e passa a limpar a sua jaqueta. Cada um a sua maneira, todos tentam manter a dignidade no meio da peregrinação. Ao lado, um homem usa uma garrafinha de água mineral para lavar os cabelos. Mais à frente, uma mãe escova os longos cabelos da filha. Em tom de troça, o ex-soldado Ammar aponta para mim:

– Agora você também é uma pessoa suja.

Sem banho há três dias, rimos juntos. Ele está com o pé direito inflamado, tenta limpá-lo com os lenços umedecidos e passa uma pomada. Os rapazes estendem o cobertor na grama ao lado e jogam cartas para se distrair.

Depois de três horas, começam a ficar impacientes.

– Por que fazem isso com a gente? – aflige-se Mohamed, com dor de cabeça.

Nesse meio tempo, policiais croatas chegam carregando cercas azuis de ferro. Vão fechar a fronteira, da qual já se aproximam novos refugiados do lado da Sérvia.

 

Na fronteira com a Croácia, filas e cartas para se distrair

Às 13h, ainda estamos esperando. Agora uma voluntária que fala árabe informa que as autoridades vão levar os refugiados para um campo. Que terão de mostrar seus documentos e serão identificados antes de prosseguir, com uma separação por países de origem. Em vez do tão esperado ônibus, começam a chegar caminhonetes da polícia para o transporte. Colocam famílias com crianças na traseira. Não há lugar para todos. Caminho com os rapazes do grupo por 20 minutos, passando por senhoras oferecendo pão com geleia pelo caminho. Diante de um ônibus, a família aguarda o reencontro. Tala corre de braços abertos:

– Musa! Musa!

No interior do veículo, o pai retransmite as ordens da polícia:

– Não será possível fumar nem comer até a gente chegar.

Os rapazes não sabem quanto tempo terão de ficar no campo. Temem ser retidos e impedidos de seguir viagem.

– Se nos deixarem presos, vamos colocar fogo e escapar – brinca Musa.

Da janela do coletivo, avistamos campos bucólicos e plantações de girassol. O sol brilha. O mundo volta a parecer um lugar bonito e confortável. Em 20 minutos, chegamos ao campo de refugiados de Opatovac. Na entrada, voluntários distribuem risoto, pacotes de bolacha, lenços de papel, sucos, água.

– Comida vegetariana, comida vegetariana! – oferecem algumas moças.

A maioria do grupo prefere a outra opção, com pedaços de carne. Estão famintos. Comem enquanto aguardam na fila, empilhando as doações com o braço. Sorridentes, Mohammad e Tala seguram pacotes de salgadinho e suco de laranja que ganharam, oferecendo-os aos vizinhos. Na hora de entrar no campo, a polícia pede que as famílias fiquem unidas, sentando-se enfileiradas. É a primeira vez desde a Grécia que pedem identificação. Ghazi mostra os papéis da família. O irmão da mãe, Adham, 28 anos, e a jovem Rama, 18 anos, que tem um marido a sua espera na Suécia, apresentam-se como um casal aos policiais. Com o vínculo familiar, pensam em facilitar a aprovação de sua entrada. Em poucos minutos, todos têm as cópias de seus passaportes feitas e recebem uma fita para colocar no pulso que dá acesso ao próximo ônibus. A informação é de que serão levados até a fronteira com a Hungria e, de lá, para a Áustria.

Ao conferirem meus documentos, dizem que não posso permanecer com a família e pedem que me retire do campo. Afirmam que a imprensa só pode ficar do lado de fora. Peço informação sobre o próximo destino. Ninguém confirma. Um policial escreve a contragosto no meu bloco duas possíveis fronteiras por onde podem passar para chegar à Hungria. Uns informam que podem ser levados para lá em poucas horas, outros, que isso ocorrerá em até 48 horas. Antes de eu sair, escoltada por um policial, um refugiado que aguarda ao lado da família me alcança um pedaço de papel com números de telefone da Síria:

– Por favor, avise que estou bem.