Mick Jagger foi o primeiro integrante dos Rolling Stones a desbravar o Brasil, em 1968,  quando chegou ao Rio para passar  férias. Passou também pela Bahia e voltou para Londres com a inspiração para vibrar os tambores na canção “Sympathy for the Devil. Nos anos seguintes, Jagger  e seus companheiros passaram pelo país em diferentes  ocasiões, mas os fãs tiveram de esperar até 1995 para assistir ao primeiro show da banda britânica no Brasil. Voltaram  outras duas vezes, numa delas para fazer história, e estão novamente na área, desta vez com Porto Alegre no caminho, dia 2 de março, no Beira-Rio.

MARCELO PERRONE

Os Rolling Stones começaram a ficar mais conhecidos no Brasil no começo de 1966, quando revistas e jornais passaram a destacar os feios, sujos e malvados do rock como tipos com “cabelos compridos, unhas sujas e mal vestidos”.

Eram, como se dizia, “uma verdadeira brasa”. Dois livros esmiúçam os primeiros contatos do Brasil com os Stones e, a partir de 1968, de integrantes da banda com o país: Os Rolling Stones no Brasil – Do Descobrimento à Conquista (2001), do pesquisador Nelio Rodrigues, e Sexo, Drogas e Rolling Stones, de Nelio com o jornalista José Emílio Rondeau, ambos fãs que testemunharam algumas das histórias que relatam. Mick Jagger foi o desbravador. Desembarcou no Rio de Janeiro em 6 de janeiro de 1968, acompanhado pela namorada, Marianne Faithfull, e o filho de dois anos dela, Nicholas. Buscavam ficar longe do cerco midiático que envolvia os problemas legais da banda com “tóxicos”. Mas a tranquilidade e a discrição buscada pelo casal, hospedado no Copacabana Palace, contrastava com o extravagante figurino Swinging London com que eles desfilavam na zona sul carioca. Em uma ida ao restaurante Antonio’s, frequentado por artistas e intelectuais, no Leblon, o chapelão que Jagger usava lhe foi tirado e passado de mão em mão, brincadeira contornada por um pedido de desculpas daqueles que o reconheceram. A imprensa local observava os passos de Jagger como se ele fosse um alienígena recém-chegado, o que começou a incomodar o cantor. Trocando impressões sobre a cultura afro-brasileira com o fotógrafo americano Adger Cowan, que conheceu no hotel, Jagger ficou curioso para conhecer a Bahia.

– Jagger veio ao Brasil em plena ditadura militar, época de muita caretice, de uma grande distância da juventude local com o que se passava lá fora. Em geral, a imprensa anglo-saxã também se viu confusa. Os Stones estavam no centro de uma revolução de costumes da qual eram os protagonistas – disse Rondeau a ZH à época do lançamento de Sexo, Drogas e Rolling Stones.

Ainda em janeiro de 1968, Mick Jagger, Marianne Faithfull e um casal que conheceram no Rio (o fotógrafo americano Adger Cowan e uma amiga) chegaram à Bahia. De pronto entram no clima festivo de Salvador à época das celebrações a Nosso Senhor do Bonfim. Jagger ficou particularmente encantado com a sonoridade dos atabaques e cânticos do candomblé. E foi sob a inspiração desse batida, que à época Jagger definia como “samba”, e seu entusiasmo com sincretismo religioso que aproximava sagrado e profano, que nasceu a inspiração para a percussão que pontua Sympathy for the Devil, uma das canções mais icônicas dos Rolling Stones – gravada naquele mesmo ano no disco Beggars Banquet (1968), com congas tocadas pelo ganês radicado na Inglaterra Rocky Dijon. Os turistas foram buscar mais tranquilidade na praia de Itapuã – lá alugaram uma casa simples de onde vislumbravam o mar estirados em redes. A interação com crianças vizinhas, para quem tocava violão, e as rodas de samba promovida por pescadores até ao amanhecer deram a Jagger o alívio que precisava para recarregar as baterias.  A primeira visita de um stone ao Brasil chegou ao fim no dia 24 de janeiro. Na volta a Londres, Jagger foi se dedicar à preparação de Beggars Banquet com Keith Richards e um novo produtor, o americano Jimmy Miller.

Logo após o lançamento de Beggars Banquet, Mick Jagger e Marianne Faithfull desembarcam novamente no Rio em 29 de dezembro de 1969. Estavam agora acompanhados por Keith Richards e Anita Pallenberg, modelo que o guitarrista tinha “roubado” do seu parceiro Brian Jones – o que agravou a tensão que marcava o processo de saída deste da banda.  O clima no Brasil estava pesado com a recente instituição do AI-5, ato do governo militar que arrochou a repressão da ditadura. Ficaram hospedados no Copacabana Palace. As tentativas dos casais para um banho de mar em pontos mais afastados, como a Barra da Tijuca, acabavam frustradas por fãs que reconheciam os músicos e jornalistas que os perseguiam, assédio que gerou algumas discussões – o esquentado Richards chegou a mostrar um canivete para espantar enxeridos. Tranquilidade mesmo eles encontraram em um sítio na cidade de Matão, interior de São Paulo, pertencente ao banqueiro Walther Moreira Salles – o contato feito pelos assessores financeiros da banda. Protegido por cercas altas e seguranças, o local abrigou o grupo por cerca de duas semanas. Jagger e Richards se divertiam soltando fogos de artifício, perseguindo mosquitos com jornais enrolados e tomando banho de piscina pelados. Durante o idílio campestre, a dupla compôs duas músicas: a country Honky Tonk Women, lançada como single, e You Can’t Always Get What You Want, incluída no disco Let it Bleed (1969), e cujo título seria uma indireta de Jagger a Anita, com quem teve um breve caso durante as filmagens do longa-metragem Performance (1970). O passeio incluiu ainda a procura de Mick por terreiros de umbanda, em Araraquara, e uma viagem de Kombi a Ouro Preto e Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Quando os Rolling Stones anunciaram sua Turnê pelas Américas, em 1975, o Brasil entrou na rota, com shows previstos para agosto no Rio (quatro noites no Maracanãzinho) e em São Paulo (outras quatro no Palácio de Convenções do Anhembi). As apresentações marcavam a estreia do novo guitarrista, Ron Wood, substituto de Mick Taylor. Em um dos concertos em Los Angeles (EUA), a banda convidou Gilberto Gil, Moacir Santos e Regina Werneck para reforçar a cozinha percussiva de Sympathy for the Devil. Mas os elevados custos de produção de um show da maior banda de rock do mundo, que envolviam uma complexa logística, palco gigante e artefatos infláveis, jogaram água no sonho dos fãs brasileiros. Jagger, por sua vez, acabou vindo naquele ano para uma nova temporada de férias no Rio, em dezembro, agora com sua nova mulher, Bianca Jagger. O casal badalou bastante pela noite carioca, assistiu a um espetáculo com, entre outros artistas, Cartola, Nelson Cavaquinho, MPB-4 e João Donato e ainda curtiu o Réveillon com amigos brasileiros em Ipanema. Jagger desta vez foi mais receptivo com os jornalistas e até participou do programa de rádio do apresentador Big Boy, selecionando e comentando com muita propriedade músicas de alguns de seus ídolos. O Brasil ainda teria de esperar 20 anos para ver os Stones ao vivo. Nesse meio tempo, Mick Taylor, na condição de ex-integrante, e o baterista Charlie Watts passaram pelo país com seus projetos solo.

Os contatos de Mick Jagger no Brasil fizeram o cantor se sentir em casa quando chegou para filmar o material promocional de seu primeiro disco solo, She’ the Boss (1984).  Acompanhado por sua mulher, Jerry Hall, e pelo diretor Julien Temple, Jagger tinha como meta realizar um filme conceitual apresentando as nove faixas do álbum, assumindo o papel de  um astro do rock perdido no Brasil. Para o elenco de apoio,  foram chamados atores brasileiros como Norma Bengel, Grande Otelo, Paulo Cesar Peréio e Tony Tornado, entre outros. O set montado na cidade de Paraty ficou bastante movimentado com os trabalhos, as visitas de amigos locais de Jagger e o assédio da imprensa. Chamado de Running Out of Luck, o filme com 90 minutos de duração foi lançado apenas em VHS, em 1986, sem empolgar muito fãs e críticos. Curiosamente, Norma Bengel reclamou posteriormente que teria cobrado um cachê maior se soubesse que tinha feito longa-metragem, e não um videoclipe, como acreditou ao ser chamada para o trabalho.

Após muitas tentativas frustradas de se trazer os Rolling Stones para o Brasil, a banda desembarcou para seus primeiros shows no país em 1995, com a turnê Voodoo Lounge, disco lançado no ano anterior. Foram dois shows no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e outros dois no Maracanã, no Rio. A banda era a atração principal do festival Hollywood Rock, que contava com os brasileiros Barão Vermelho, Rita Lee e os americanos do Spin Doctors aquecendo o público para a atração principal. A entusiasmada reação dos fãs e da imprensa fez a longa espera compensar plenamente. Os Stones voltaram ao país em 1998 com a turnê Bridges to Babylon (1997), apresentando-se em abril no Sambódromo (RJ) e no Parque do Ibirapuera (SP) com dois convidados especiais na abertura: Cássia Eller e Bob Dylan, que depois voltava ao palco para uma antológica versão de Like a Rolling Stone com Jagger. Os Stones retornariam depois ao Brasil para um concerto histórico: no dia 18 de fevereiro de 2006, apresentaram-se, de graça, para mais de 1 milhão de pessoas na praia de Copacabana, o maior público já registrado em um show de rock, evento que teve repercussão mundial.

A ligação de Mick Jagger com o Brasil ficou ainda mais próxima com o nascimento de seu filho Lucas, fruto do relacionamento do roqueiro com modelo (e agora apresentadora de TV) Luciana Gimenez. Eles se conheceram na turnê brasileira dos Rolling Stones de 1998, em uma festa promovida pelo empresário Olavo Monteiro de Carvalho. Aos 16 anos, Lucas é um dos sete filhos de Jagger e mantém uma convivência próxima com o pai – ele tem circulado com Jagger na atual passagem dos Stones pelo Brasil. Na última Copa do Mundo, em 2014, a fama de pé-frio do roqueiro inglês quando o assunto é futebol ganhou fôlego com o fiasco do Brasil, que contou com sua torcida nos 7 a 1 para Alemanha.