Qual o seu nome?
Qual a sua cor/raça?
Qual a sua idade?
A descoberta

O dia 26 de setembro de 2011 seria muito importante para Ana Luiza Cunha da Costa, seis anos. Ela sopraria, à tarde, as três velinhas do seu bolo de aniversário, em uma festa na escola. A data também marcaria o início de uma fase de angústias e incertezas. Antes da comemoração, a mãe Gerciani, 39 anos, havia agendado uma consulta médica para uma avaliação de rotina. Pelo corpo, só algumas manchas roxas. Foi por causa do resultado desses exames que a pediatra ligou e interrompeu a festa da menina. Ana Luiza não teve tempo de abrir os presentes. Com o hemograma totalmente alterado, a ordem era levá-la imediatamente para o hospital. Somente dois meses após a internação tiveram um diagnóstico: aplasia medular. Logo após a identificação da doença, a sentença: dependia de uma medula nova para sobreviver.

Clique e entenda o que é a medula óssea
O que é medula óssea?

É um tecido líquido, parecido com o sangue, que está dentro dos ossos. Esse líquido é composto por células-tronco (capazes de se transformar em qualquer célula do corpo humano) hematopoiéticas que se dividem e formam:

O transplante é indicado para quais doenças?

Para o tratamento de muitas doenças que comprometem o funcionamento da medula óssea. A necessidade deste tipo de intervenção é avaliada de acordo com o estágio de cada paciente. Veja quais são as indicações:

  • Aplasia medular
    É uma doença, rara na infância, que representa uma falha completa na produção das células do sangue. A medula óssea para de produzir as células vermelhas, os glóbulos brancos e as plaquetas. Como resultado, a pessoa fica dependente de transfusões, sem defesas e com risco grande de sangramentos potencialmente fatais. Os pacientes precisam ficar em casa, com controle da alimentação, do ambiente e com restrição de visitas. Com o transplante, a chance de cura é de 90%.
  • Anemia de Fanconi
    É uma anomalia genética rara em que o organismo perde a capacidade de renovar o DNA (carga genética). A maioria dos pacientes apresenta aplasia de medula nos primeiros 10 anos de vida e muitos têm outras má-formações genéticas associadas, como baixa estatura, manchas na pele e alterações renais.
  • Anemia falciforme e talassemia
    São doenças genéticas que provocam alterações na hemoglobina e mudança na forma dos glóbulos vermelhos. Para o diagnóstico, é fundamental conhecer a herança da doença. A falciforme é mais comum em pessoas de ascendência africana ou asiática, enquanto a talassemia é mais frequente em pessoas com ascendência grega ou italiana. Os sintomas da primeira, que podem incluir fadiga, icterícia (cor amarelada da pele) e dificuldade de respiração, aparecem depois dos quatro meses de vida. Deformidades ósseas, aumento inchaço do fígado ou do baço e crescimento atrofiado são os sintomas da talassemia, que aparecem mais em crianças.
  • Imunodeficiências congênitas
    São distúrbios de origem genética que desencadeiam falhas ou ausência de resposta imunológica. Eles são caracterizados por infecções graves. A doença normalmente se manifesta na infância e pode levar à morte nos primeiros anos de vida. Entre os sintomas estão a tendência a certos tipos de tumores, infecções graves por bactérias incomuns, infecções superficiais na pele, que causam pneumonia, otite, sinusite e meningite.
  • Leucemias agudas e crônicas
    São cânceres das células do sangue que podem atacar toda a medula óssea. Uma pessoa com leucemia produz em exagero certos tipos de glóbulos brancos, chamados blastos (células muito jovens), causando infecções, anemia e sangramento. As leucemias são divididas em agudas e crônicas. O tipo mais comum é a linfóide aguda e tem 80% de chance de cura quando ocorre na infância. As leucemias agudas apresentam uma evolução muito rápida e representam um elevado índice de morte em pessoas acima dos 35 anos. As leucemias crônicas desenvolvem-se lentamente e são mais comuns em adultos. Elas são caracterizadas pelo acúmulo de células sanguíneas doentes e malignas.
  • Linfomas de Hodgkin e não Hodgkin
    Conhecida também como doença de Hodgkin, é uma forma de câncer que se origina nos linfonodos (gânglios) do sistema linfático. É no sistema linfático que são produzidas as células responsáveis pela imunidade e vasos que as conduzem pelo corpo. O linfoma de Hodgkin pode ocorrer principalmente em adultos, entre 25 e 30 anos, e surge quando um linfócito (tipo de glóbulo branco) se transforma em célula maligna. Se não houver tratamento, essas células malignas podem atingir outras partes do corpo. Os linfomas não Hodgkin são neoplasias (proliferação anormal do tecido) malignas, originárias dos gânglios. Há mais de 20 tipos diferentes de linfomas não Hodgkin.
  • Mieloma múltiplo
    A doença é um tipo de câncer que se caracteriza pelo aumento da célula que produz a imunoglobulina - proteína que forma o anticorpo e participa do sistema de defesa do organismo. Estas celulas podem causar lesões nos ossos e nos rins. O que varia para cada paciente é o número de áreas da medula óssea afetadas, a localização dessas áreas e a atividade ou padrão de crescimento do mieloma. Os sintomas (dores ósseas, anemia, problemas renais, fragilidade dos ossos e infecções) aparecem apenas quando a doença progride. O mieloma é raro em crianças, adolescentes e adultos jovens. A probabilidade de desenvolver o câncer aumenta com a idade, tendo maior incidência entre homens negros a partir de 50 anos.
  • Síndrome mielodisplásica
    É um grupo de sete doenças que ocorrem quando as células formadoras de sangue na medula óssea estão danificadas, causando queda no número de um ou mais tipos de células sanguíneas. Os principais sintomas são anemia, leucopenia (redução dos glóbulos brancos) e plaquetopenia (diminuição das plaquetas), o que resulta em cansaço, palidez, infecções frequentes ou graves e sangramento fácil. Outros sintomas incluem perda de peso, febre e falta de apetite. Em cerca de um terço dos pacientes, a síndrome mielodisplásica pode evoluir para um câncer de rápido crescimento, como a leucemia mielóide aguda.
Na busca pelo doador

Após o diagnóstico, Ana Luiza foi submetida a um tratamento para estimular a retomada no funcionamento da medula. A probabilidade de dar certo era de 80%, mas a menina não respondeu à intervenção. Quatro meses depois, houve a segunda tentativa com o mesmo tratamento, desta vez com 50% de chance de sucesso. Novamente, a medula se recusou a funcionar. Era o transplante de medula óssea a última possibilidade de cura, mas para isso precisava de um doador compatível. A maior chance de compatibilidade estava no único irmão, Alex Júnior, 22 anos: 25%. Não era. Nem as campanhas realizadas para a menina nem o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) apontaram um doador possível.
Gerciani, a mãe, então, ouviu sobre o nascimento do primeiro bebê programado do Brasil, por seleção de embriões, para servir de doador em um transplante de medula. Para a mãe e o pai Alex Gularte da Costa, 46 anos, essa poderia ser uma tentativa de salvar a filha. Saíram em busca de uma clínica que realizasse o procedimento em Porto Alegre.

Clique para saber quem pode ser compatível
O que determina se uma pessoa é compatível?

A análise de compatibilidade é realizada por meio de testes laboratoriais específicos, a partir de amostras de sangue do doador e do receptor. Esses exames são chamados de histocompatibilidade HLA (Antígenos Leucocitários), que identificam as características genéticas de cada pessoa.

Doadores

Ao buscar um doador para o transplante de medula óssea, a preferência é sempre por uma pessoa da família que seja 100% compatível. Caso não haja, opta-se por um familiar com o tipo HLA mais parecido possível ou pelo transplante de cordão umbilical, se houver algum compatível disponível. Em último caso o transplante é realizado com a doação do pai ou da mãe.

Por que o caso da Ana Luiza foi diferente?

Quando Gerciani e Alex, os pais da menina, optaram por gerar um bebê por meio de seleção embrionária, buscaram uma clínica e uma alternativa incomum para salvar Ana Luiza. Na segunda tentativa de fertilização in vitro nasceu Antônia. Não existem leis no Brasil que contemplem a seleção embrionária, mas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) servem de parâmetro ético, o que faz o procedimento ser tratado com receio pelos especialistas. Além do embate ético, a espera pela gestação e pelo crescimento de Antônia envolveu muitos riscos para Ana Luiza, que ficou desprotegida imunologicamente.

Como foi feita a seleção genética de Antônia?

  1. Do ovário da mãe, foram capturados os óvulos que foram fertilizados por espermatozóides do pai, produzindo 13 embriões, in vitro, - oito na primeira tentativa e cinco na segunda com um espaçamento de dois meses entre cada uma delas.
  2. Para testar a compatibilidade entre os irmãos, foram retiradas células dos embriões em uma espécie de biópsia a partir do quinta dia de desenvolvimento.
  3. O material coletado foi colocado em tubos de ensaio e enviados para a testagem em São Paulo.
  4. Do total, apenas dois foram compatíveis com Ana Luiza.
  5. Ambos foram transferidos para o útero de Gerciani por uma técnica de fertilização e apenas um deles deu continuidade à gestação. Era Antônia.

Um plano incomum

A aplasia medular é uma doença de alto risco porque todas as defesas do organismo deixam de existir. Por isso, Ana Luiza deveria ter feito o transplante em até seis meses após o diagnóstico. Sem nenhum doador compatível, os pais levaram adiante o projeto e geraram o primeiro bebê gaúcho geneticamente selecionado em laboratório para salvar um irmão. Em uma corrida contra o tempo, os médicos esperavam pelo nascimento de Antônia para que, no momento do parto, coletassem as células-tronco do cordão umbilical. Prematura, a menina nasceu no dia 25 de junho de 2013, com sete meses e meio de gestação, e a baixa celularidade do cordão prejudicou os planos. Precisavam, então, aguardar Antônia completar um ano para ser submetida à coleta da medula óssea. A espera fez de Ana Luiza uma criança privada dos hábitos mais corriqueiros da infância: andar de roda gigante, correr no parquinho e comer algodão doce. Qualquer tombo, qualquer arranhão, um resfriado sequer poderiam desencadear uma doença fatal. Foi à base de transfusões de sangue e plaquetas que Ana Luiza manteve a vida.

Clique para saber das dificuldades em ter um doador
Por que é tão difícil encontrar um doador?

Depois de diagnosticada uma doença cujo tratamento é o transplante de medula óssea, em geral, começa a busca por um doador compatível. Saiba quais são os fatores que determinam o sucesso nesta procura:

Compatibilidade do sistema HLA
A variabilidade genética é muito grande, principalmente no Brasil, onde há mais miscigenação. Quanto maior a variação do HLA, mais difícil é encontrar uma pessoa com o gene parecido.

Miscigenação dificulta busca de brasileiros por um doador
Encontrar um par perfeito, aquela pessoa que tem o sistema imunológico igualzinho ao do paciente é uma tarefa desigual devido à grande miscigenação - mistura de raças -, o que dificulta ainda mais a busca por um par perfeito. Veja como é a distribuição étnica do cadastro brasileiro

Número de doadores
Além do fator de compatibilidade, o número de doadores cadastrados é baixo. Dos 203,4 milhões de brasileiros, apenas 3.628.665 são doadores voluntários.

No Brasil, a cada 55 pessoas, uma é doadora



Crescimento de doadores voluntários no Brasil

Desistência
Estudos comprovam que campanhas em prol de uma causa não são a melhor alternativa porque geralmente as pessoas se sensibilizam por um caso isolado, se cadastram e esquecem que vão permanecer no banco por muitas décadas. Anos depois, quando são chamadas, podem recusar a doação. No último semestre, 6% das pessoas do banco desistiram de doar.

Cadastro desatualizado
Um dos problemas do cadastro brasileiro é a falta de comprometimento do doador voluntário de medula óssea, segundo Liane Daudt, chefe do Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A partir do momento em que uma pessoa se cadastra no Redome, pode ser chamada para doar até os 60 anos de idade. Se ela muda de endereço e telefone e não atualiza os dados pode vir a ser compatível e não ser localizada. Atualizar o cadastro é simples. Basta acessar https://www1.inca.gov.br/doador/ e preencher os dados no site mesmo.




Os 10 países com maior número de doadores
O Brasil ocupa a terceira posição em números absolutos. São 3,6 milhões de doadores, atrás dos Estados Unidos (7,9 milhões) e da Alemanha (5,7 milhões). Veja em que lugar no ranking fica o Brasil, considerando o percentual da população:

Como ser um doador?

  1. Ter entre 18 e 55 anos
  2. Ir até o hemocentro mais próximo
  3. Coletar 10 ml de sangue, como se fosse um exame de rotina
  4. Cadastrar nome, endereço, telefone, e-mail e data de nascimento no hemocentro. Estas informações ficarão armazenados no Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca)
  5. Manter o cadastro atualizado pelo site https://www1.inca.gov.br/doador/

Veja onde você pode se cadastrar
Saiba quais são os locais em que os transplantes são realizados

O transplante

Semanas depois de Antônia completar um ano, foi dado início à coleta da medula. Por se tratar de um bebê, o procedimento foi dividido em duas etapas com um intervalo de um mês entre as duas intervenções. Quanto mais a data do transplante se aproximava, mais tenso ficava o cenário: às vésperas da internação, Ana Luiza contraiu o primeiro resfriado em três anos. Com febre alta, foi hospitalizada às pressas. Tudo parecia distanciá-la da cura. Com o organismo muito debilitado, não seria possível iniciar os preparativos para o transplante. Até que, no dia 29 de agosto de 2014, de batom, tiara e rímel, Ana Luiza finalmente recebeu o líquido salvador. No próprio leito do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, os 260 ml de medula óssea da caçula penetraram o corpo da irmã Ana Luiza rumo à libertação de uma aplasia medular que a confinou a uma redoma enquanto crescia. Apesar de um grande passo, a família ainda tinha uma enorme batalha pela frente.

Clique e saiba tudo o que envolve um transplante
Tipos de transplante

Não há fila de espera. A busca por um doador é imediata. Um dos maiores problemas do transplante de medula óssea é a espera por um leito.

Alogênico
A medula óssea vem de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, como familiares e voluntários cadastrados no Redome. Normalmente, o transplante é feito como o de Ana Luiza, por meio do catéter, como se fosse uma transfusão de sangue.

Autólogo
A medula óssea é retirada do próprio paciente, armazenada e reinfundida nele mesmo após altas doses de quimioterapia que têm por finalidade eliminar células doentes para dar lugar à medula óssea que será reconstituída. Aqui, a possibilidade de rejeição não existe. Este é o mais realizado no mundo todo e é considerado simples e seguro, só que não serve para todos os tipos de doença.

Singênico
É o transplante de medula óssea entre irmãos gêmeos idênticos. Neste caso, o paciente sempre terá um doador compatível, pois o irmão possui características genéticas idênticas as dele. Por esse motivo, é bastante raro.

Tipos de coleta

Tradicional
Deitado de bruços, o paciente recebe anestesia geral. Durante cerca de 90 minutos, dois médicos utilizam uma agulha para retirar o sangue rico em células-tronco que compõe a medula localizada no osso da bacia.

Periférica
Como um número muito pequeno destas células-tronco circula na corrente sanguínea, o doador recebe uma medicação injetável, que aumenta a quantidade das células a serem coletadas. Este sangue enriquecido é retirado da veia de um dos braços, passa por um equipamento que retém apenas as células-tronco e depois retorna para o doador com todos os outros elementos, como leucócitos, glóbulos vermelhos e plaquetas. O procedimento leva cerca de três horas.

Cordão umbilical
É mais uma possibilidade de transplante, mas ainda são poucos os hospitais no Brasil treinados e equipados para a coleta de sangue de cordão umbilical. O Hospital de Clínicas é o único da Região Sul e um dos únicos no país a realizar o procedimento. Cabe à gestante perguntar ao seu obstetra antes do final da gestação sobre esta possibilidade ou consultar o hemocentro mais próximo. Os cordões umbilicais estocados em bancos públicos são de uso gratuito. O transplante por este meio tende a ter grande sucesso quanto maior for o número de células presentes no cordão coletado. As crianças são as mais beneficiadas, já que precisam de um volume menor de medula para o transplante. A modalidade ainda não é frequente no Brasil devido ao alto custo do procedimento. É uma alternativa importante para quem não tem outra opção melhor.

Assista a uma coleta realizada em um adulto


Imagens: Bruno Alencastro

Saiba como é feito um transplante de medula óssea

  1. Cerca de uma semana antes, o paciente recebe um tratamento para destruir a medula doente e abrir espaço para a nova.
  2. A medula fica armazenada em uma bolsa de sangue e é conectada a uma veia central por um fio.
  3. O transplante não leva mais do que duas horas e é feito no quarto do paciente.
  4. Assim que ingressam no organismo, as células navegam pela corrente sanguínea e encontram marcadores naturais no meio do caminho. Eles indicarão o local exato onde deve ser acomodada (dentro do osso da bacia).
  5. Depois de chegarem ao seu destino, começam a se reproduzir.
  6. Até o vigésimo primeiro dia depois do transplante deve ocorrer a pega da medula, que é quando o novo sistema imunológico passa a agir.
  7. São os glóbulos brancos que voltam a funcionar primeiro, depois as células vermelhas e as plaquetas.
  8. Essa defesa será consolidada após 12 meses do transplante.

Mitos e verdades sobre o transplante

São inúmeras as confusões quando o assunto é transplante de medula óssea. Veja o que é verdade e o que é mentira, clicando para saber a resposta.

  • Doar a medula dói
    Mito! A coleta da medula óssea é feita com anestesia e a recuperação é de no máximo dois dias.
  • O doador de medula pode ficar sem andar
    Mito! A pessoa que doa não pode ficar sem andar porque a medula óssea não tem nada a ver com a medula espinhal. A medula óssea é um tecido, é o tutano do osso, contido em ossos como o da bacia, que produz as células do sangue. Ela é o centro de controle da imunidade do corpo. Já a medula espinhal está dentro das vértebras, é formada por tecido nervoso e não é tocada, sob o risco de deixar a pessoa paraplégica. Ela é o centro do controle dos movimentos do corpo.
  • É permitido doar a medula apenas uma vez
    Mito! Uma pessoa pode doar a medula óssea quantas vezes for necessário, porque o tecido se regenera automaticamente.
  • Não posso doar a medula porque tenho alguma doença
    Verdade! Todas as doenças podem ser avaliadas com o médico, mas câncer em atividade e doenças, como hepatite e HIV, impedem a doação. Aqueles que possuem problemas incompatíveis com anestesia ou doenças temporárias, como gripe e infecções, devem ser avaliados.
  • Posso doar a medula para qualquer pessoa do mundo
    Verdade! Desde que você seja compatível com o receptor. Em geral, as equipes dos hospitais em que serão realizados os transplantes são responsáveis por buscar a medula em qualquer lugar do mundo. Os transplantes geralmente acontecem nos hospitais mais próximos das residências dos pacientes.

Riscos do transplante

Impossibilitada de levar roupas e objetos pessoais para o hospital, a mala de Ana Luiza foi recheada por brinquedos. Estava se preparando para preencher o tempo de uma longa internação. Foram 61 dias trancafiada em um quarto com hábitos de higiene rigorosos. Nesse tempo, tomou antibióticos para curar a febre, foi submetida à quimioterapia, recebeu a medula óssea da irmã e começou a primeira etapa da recuperação. A doença estava longe de ser vencida. Por 20 dias, aguardaram a pega da medula _ jargão médico para definir a hora em que um novo sistema imunológico passa a orquestrar o corpo do receptor e é retomada a produção das células do sangue. Embora a intervenção tenha sido um sucesso, os riscos da recuperação só aumentavam e a cura seguia distante.

Clique e saiba quais são os riscos do transplante
Quais são os riscos do transplante de medula?

Apesar de ser a única salvação para o paciente diagnosticado com algumas doenças, o transplante de medula óssea é uma intervenção com muitos riscos. Veja quais:

  • A medula não "pegar"
    Entre 5% e 10% dos casos não ocorre a "pega" da medula, mesmo quando há 100% de compatibilidade. A “pega” da medula, jargão médico para definir a hora em que um novo sistema imunológico passa a orquestrar o corpo do receptor e é retomada a produção das células do sangue, tem um prazo de 21 dias para acontecer. Além disso, o risco de morte é de 15%. Nos casos em que pacientes passam muito tempo com a doença, como é o caso de Ana Luiza, eles acabam recebendo muitas transfusões de sangue, o que pode trazer dificuldades para o sucesso do tratamento.
  • Toxicidade dos medicamentos
    A quantidade de medicamentos utilizada no condicionamento pode provocar mucosite, que causa dificuldade de alimentação devido à dor e feridas na boca. Por causa da quimioterapia, em quase todos os casos os pacientes perdem o cabelo. A pele também fica mais seca e escura, as unhas secas e quebradiças e os olhos secos. O paciente também fica enjoado, pode vomitar ou ter diarreia. A medicação também pode gerar problemas no fígado, o que é mais raro.
  • Infecções
    Enquanto a medula não está funcionando, há um risco muito grande de infecção e sangramento. O período crítico é nos primeiros três meses após o procedimento. Quase todos os pacientes precisam tomar antibióticos para evitar infecções, que continuam sendo possíveis nos dois primeiros anos.
  • Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH)
    Entre 50% e 70% dos transplantados contraem a Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH), que acontece quando o sistema imunológico novo não percebe os órgãos do corpo receptor como sendo dele. Quanto maior a compatibilidade, menor é o risco. Como um sistema imunológico novo está sendo produzido, ele pode reconhecer todo o restante do organismo como não pertencente a ele e montar uma resposta imunológica de destruição das células do organismo. A doença é controlável com um período de imunossupressão até que surja a tolerância. Essa doença pode aparecer ao longo de toda a vida de uma pessoa transplantada. Com mais frequência, acomete a pele, o fígado e o intestino.

50% das pessoas
morrem antes de se completar toda a busca por um doador e liberação de leito no Brasil.

50% das pessoas
que fazem o transplante com doador voluntário morrem.

20% das pessoas
que recebem a medula de um parente morrem.

A recuperação

Ana Luiza dividia o quarto do hospital com outra criança e tinha apenas a mãe como acompanhante. Foram dois meses apartada do mundo e da irmã Antônia. Amenizava a saudade por meio de fotos e vídeos diários que os parentes enviavam. Nos seis dias que se seguiram ao transplante o cabelo da menina começou a cair. Por causa disso, Ana Luiza pediu para que raspassem a sua cabeça. Foi um período de dor e transformação amenizados por lenços e tiaras coloridas. No hospital, a menina começou a ser alfabetizada pela mãe, que é professora. Ao final da internação, comemorou o aniversário de seis anos e começou a contar nos dedos das mãos os dias que faltavam para a alta.

Clique e saiba como é a recuperação
Cuidados

Tempo no hospital
De 40 a 60 dias.

Visitas
O número é limitado. Além do acompanhante fixo, que é a pessoa quem fica 24h com o paciente no hospital, o transplantado pode receber a visita de duas pessoas, que se alternam. Para entrar no quarto, elas não podem ter gripe, resfriado, tosse, dor de garganta, infecção, feridas ou qualquer doença.

A visão de Gerciani durante a recuperação da filha


Infecções
Enquanto a medula não está funcionando, há um risco muito grande de infecção e sangramento, mesmo antes de transplantar. O período crítico é nos primeiros três meses após o transplante. Quase todos os pacientes precisam tomar antibióticos para evitar infecções, que continuam sendo possíveis nos dois primeiros anos após o transplante.

Cuidados
Para evitar qualquer contato com o mundo externo, o hospital cria um ambiente controlado. Veja abaixo:


Medicação
Pelo menos oito tipos de medicamentos, incluindo imunossupressores e remédios para pressão, náuseas, vômitos e gastrite.

Reconstituição do sistema imunológico
de 12 a 24 meses.

Veja fotos da recuperação de Ana Luiza no hospital

De volta para a casa

Fazia sol quando Ana Luiza deixou o hospital, no dia 3 de outubro de 2014. A roupa que marcaria o contato com o mundo novo já estava escolhida há semanas: vestido preto com bolas brancas, casaco bege e, na cabeça, um lenço com a estampa petit-pois. Três quilos mais magra do que na internação e careca, Ana chegou em casa, em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, às 11h, com o bom humor de sempre. Uma festa surpresa, com atraso de uma semana, a esperava para comemorar o aniversário. Regressava ao lar, mas também voltava para mais um período de reclusão, intercalado por consultas médicas semanais.

Clique e saiba dos cuidados necessários após a alta
Assistência social

Antes da alta, uma enfermeiro e um assistente social visitam a casa do paciente. Os profissionais orientam a família sobre a organização da moradia, cuidados com a limpeza e possíveis riscos (como parede mofada e má circulação de ar). A assistente social também faz uma entrevista com o paciente e seus familiares para conhecer a situação socioeconômica. Se necessário, o profissional buscará, junto com a rede de apoio social, uma forma para poder auxiliá-los com o transporte para as consultas e locais de permanências em Porto Alegre, por exemplo.

A alta

O paciente receberá alta somente quando a medula óssea estiver produzindo as células do sangue. Aqueles que são de outros Estados, ou não moram num raio de 70 quilômetros do hospital, não voltam para casa nos três primeiros meses e devem permanecer em alguma residência próxima.

Os cem dias

O maior risco de contrair infecções é nos cem primeiros dias após o transplante de medula óssea, por isso a necessidade de o paciente ficar próximo ao hospital em que realizou o procedimento. Isto facilita o atendimento especializado imediato.

Cuidados que o paciente precisa ter em casa nos primeiros três meses

Consultas
Após a alta, o paciente precisa ir até o hospital uma vez por semana para acompanhamento e realizar exames.

Catéter
Geralmente, tira-se na alta. No caso de Ana Luiza, como a família sempre foi muito cuidadosa e ela receberia medicações na veia, optou-se por deixá-lo mais um tempo.

Máscara
Ela deve ser mantida quando o paciente estiver em contato com outras pessoas.

Mãos
Lavar as mãos é tão importante quanto usar a máscara, porque muitas doenças são transmitidas por meio do contato manual.

Pele
Os raios solares devem ser evitados durante os 12 primeiros meses após o transplante. Por isso, é necessário que o paciente evite sair de casa nos horários em que o sol está mais forte. É importante usar chapéu ou sombrinha e passar protetor solar com fator 30.

Alimentos
Além de checar a data de fabricação e validade de todos os alimentos, deve-se observar o odor deles, conferir se tem a presença de insetos, selecionar os vegetais e frutas mais frescos e evitar salgadinhos e sobremesas não refrigeradas. O paciente deve se privar de uma série de alimentos, como carnes cruas e produtos não pasteurizados.

Animais
O paciente não pode manter contato com animais até a liberação do médico.

Casa de apoio para pacientes e famílias

Existem cinco casas no Rio Grande do Sul que recebem transplantados de medula óssea, três em Porto Alegre e duas em Santa Maria. Os pacientes que moram em cidades distantes do hospital ficam nas casas de apoio por aproximadamente 60 dias após a alta do hospital.

  • Casa Maria
    Endereço: Rua Erly de Almeida Lima, 444 - Bairro Camobi - Santa Maria
    Contato: (55) 3311-7077
    Início de funcionamento: março de 2014
    Número de leitos: 23 leitos, mas apenas dois deles são destinados a pacientes que fizeram o transplante de medula óssea
    Tipo de hospedagem: pacientes e os acompanhantes recebem estadia, alimentação e tratamento
    Como a casa se sustenta: doações da comunidade
  • CACC (Casa de Apoio a Criança com Câncer)
    Endereço: Rua Erly de Almeida Lima, 365 - Bairro Camobi - Santa Maria
    Contato: 3226-4949 ou (55) 3226-7703
    Início de funcionamento: 2002
    Número de leitos: 54 leitos, mas apenas 10 deles são destinados a pacientes que fizeram o transplante de medula óssea
    Tipo de hospedagem: apenas crianças e adolescentes com acompanhantes, que recebem estadia e alimentação
    Como a casa se sustenta: doações da comunidade e verbas arrecadadas em projetos sociais
  • Casa de Apoio do HCPA
    Endereço: Rua Ramiro Barcelos, 2350, dentro do Hospital de Clínicas - Porto Alegre
    Contato: 3359-8305
    Início de funcionamento: 1996
    Número de leitos: 54 leitos, mas apenas 3 deles são destinados a pacientes que fizeram o transplante de medula óssea
    Tipo de hospedagem: apenas para pessoas de até 18 anos, acompanhadas da mãe e/ou parente do sexo feminino, que recebem estadia, alimentação e participam de atividades lúdicas
    Como a casa se sustenta: é mantida pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre
  • Pousada Solidariedade
    Endereço: Rua São Mateus 815 – Bairro Jardim do Salso - Porto Alegre
    Contato: via@viavida.org.br, 51 3333-4519 e 3331-8371
    Início de funcionamento: 2004
    Número de leitos: 10 leitos, que podem ser adaptados para transplantados de medula óssea
    Tipo de hospedagem: pacientes e acompanhantes recebem hospedagem, alimentação básica, serviços psicológicos, pedagógicos, farmacêuticos, nutricionista, enfermagem, oficinas de artesanato e informática
    Como a casa se sustenta: recebe doações de empresas, pessoas físicas e/ou por meio do Fundcriança
  • Casa de Passagem de São Lucas
    Endereço: Rua Luiz Voelcker, 285 - Bairro Três Figueiras - Porto Alegre
    Contato: 3381-4812
    Início de funcionamento: 2002
    Número de leitos: 22 leitos, que podem ser adaptados para transplantados de medula óssea
    Tipo de hospedagem: pacientes e acompanhantes recebem estadia gratuitamente, mas precisam providenciar a maior parte da alimentação
    Como a casa se sustenta: doações da comunidade

O futuro

Os três anos em que Ana Luiza viveu enclausurada alimentaram o sonho de brincar ao ar livre. A ida no parquinho para andar de roda gigante, a vontade de comer algodão doce, brincar com outras crianças e passar as férias na praia compõem a lista de desejos ainda inatingíveis. A cura total é esperada após cinco anos do transplante, em 2019. Apesar do período mais crítico ser nos primeiros cem dias, a recuperação é longa e nem todas as atividades podem ser feitas de imediato. Nestes três meses mais críticos, Ana Luiza teve de ser internada duas vezes. Na última permaneceu em estado grave devido a uma infecção no catéter, às vésperas do último natal. Em 2016, deve refazer todas as vacinas como um passaporte simbólico para um recomeço. Só então estará liberada para frequentar a escola e ter contato com outras crianças. Serão, enfim, os primeiros passos de Uma vida para Ana Luiza.

Clique e saiba as condições futuras de um transplantado
Como é a recuperação a longo prazo?

O transplantado precisa redobrar os cuidados e estar ciente de alguns detalhes para toda a vida.

  • Um ano depois
    • Pode voltar para escola ou trabalho
    • Pode fazer as vacinas
    • Para de tomar medicamentos
    • A alimentação volta ao normal
  • Dois anos
    • É permitido ir à praia.
  • Cinco anos
    • Expectativa de cura
    • As visitas médicas continuam depois e durante toda a vida, mas em períodos mais espaçados, como uma vez a cada ano ou a cada dois

O que vem pela frente


  • O controle com a exposição solar deve existir para sempre
  • A Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro pode acontecer por toda a vida
  • Muitos pacientes, dependendo da idade, ficam inférteis por causa da medicação usada no condicionamento
  • Não é aconselhável que o transplantado doe sangue ou medula

Créditos:
Reportagem: Kamila Almeida e Thaís Zimmer Martins
Design, ilustração e programação: Michel Fontes
Fotografia: Ricardo Duarte
Roteiro e edição de imagens: Thaís Zimmer Martins
Trilha sonora: Filipe Miu
Revisão: Fernanda Grabauska

Fontes:
Belinda Pinto Simões, responsável pela Unidade de Transplante do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Liane Daudt, chefe da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Lúcia Silla, presidente da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea
Luis Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do INCA
Nilo Frantz, especialista em reprodução humana (sobre a seleção embrionária)
Rede Mundial de Doadores de Medula - Bone Marrow donors Worldwide (BMDW)
Virgínia Maria Cóser, responsável pelo Serviço de Hematologia - Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria - (UFSM)

Agradecimentos:
Ana Luiza (a menina que ganhou uma vida), Antônia Cunha da Costa (irmã salvadora), Gerciani Cunha da Costa (mãe), Alex Gularte da Costa (pai), Alex Gularte da Costa Júnior (irmão), Bruna Carvalho (cunhada), Gessi Melo da Cunha (avó), Viviane Melo da Cunha (tia), Bianca da Cunha Araújo (prima), Maria Clara da Araújo (prima), Bruna da Cunha Araújo (prima), Bruno Alencastro (imagens da coleta da medula), Equipe do transporte de Zero Hora, Raquel Schneider (assessora de imprensa do Hospital de Clínicas), Equipe do Transplante de Medula Óssea e Banco de Sangue do Hospital de Clínicas e Instituto do Câncer Infantil.
Fechar vídeo