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Investigação conjunta de cinco jornais brasileiros – Zero Hora (RS), Diário Catarinense (SC), Gazeta do Povo (PR), O Estado de S. Paulo (SP) e O Globo (RJ) – mostra como as relações entre universidades públicas e agentes privados, necessárias para a sociedade, abriram portas para ilegalidades e conflitos éticos

 

oucos questionam a necessidade de as universidades públicas se abrirem para uma relação com outras empresas e os benefícios dessa relação, tanto para a academia quanto para a sociedade. Porém, o modelo também abre espaço para irregularidades. Proliferam negócios que resultam em mais lucros para alguns indivíduos do que para a comunidade – que deveria ser a beneficiária maior de um organismo sustentado com dinheiro público. Contratos obscuros envolvem professores que são, em alguns casos, docentes e donos das empresas beneficiadas – o que é proibido por lei. Intermediações por fundações imersas em ilegalidades ajudam a maquiar a ausência de licitações.

Reportagem realizada em conjunto em cinco Estados brasileiros pelos jornais Zero Hora, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, O Estado de S. Paulo e O Globo fez uma radiografia das instituições que são berçários do conhecimento e da pesquisa do país. E constatou que, em vários casos, as relações sofrem com falta de transparência.

Fundações acadêmicas são usadas, por exemplo, para mediar serviços de cifras milionárias e que, muitas vezes, nada têm a ver com os objetivos das universidades. É o caso de obras públicas que deveriam ser licitadas, mas cuja concorrência é burlada mediante o uso de especialistas convocados nas universidades. Já alguns professores, mesmo com regime de dedicação exclusiva à academia, multiplicam salários com trabalhos paralelos – ainda que isso signifique, em certos casos, conflito ético ou atividade irregular, caso de docentes em Santa Maria que mantêm clínicas privadas.

Tudo isso ocorre porque brechas em um sistema pouco transparente facilitam o desvio de uma função fundamental dos convênios: manter a universidade atualizada e evitar que o conhecimento produzido permaneça enclausurado na academia.

No Rio, O Globo mostra que seis professores contratados por dedicação exclusiva faturaram R$ 10 milhões a mais como pesquisadores-bolsistas e ainda são sócios de empresas subcontratadas sem licitação em serviços para a Petrobras (embora recebam para se dedicar apenas à academia). No Paraná, a Gazeta do Povo explica como a universidade é usada para driblar licitações de conserto de estradas. No Rio Grande do Sul, ZH comprova que alguns docentes são mais bem pagos por hora trabalhada fora da universidade do que dentro (algo contraditório com a dedicação exclusiva que abraçaram). Em São Paulo, O Estado de S. Paulo revela que, dos R$ 88 milhões arrecadados com cursos ministrados por docentes da maior universidade do país, só 5% ficam com a instituição.

Fundações são parte fundamental da caixa-preta das universidades. Entre janeiro de 2013 e julho de 2014, elas receberam R$ 1,4 bilhão do governo federal, conforme levantamento feito pela ONG Contas Abertas. Mais de 2,5 mil fundações trabalham com o meio acadêmico brasileiro e são usadas cada vez mais na intermediação de serviços. Muitas são entidades criadas e geridas por docentes que participam da direção da universidade, com frequência em flagrante conflito de interesses.

Quem perde, com tudo isso? Os alunos, quando parte do esforço da universidade pública é desviada para finalidades não acadêmicas. E o contribuinte, que sustenta o cotidiano da academia.

Trabalharam nesta reportagem os seguintes repórteres, editores, designers e fotógrafos:

 

ZERO HORA

Adriana Irion

Humberto Trezzi

Rodrigo Lopes

Rodrigo Muzell

Diogo Perin

Leonardo Azevedo

Luan Ott

Lauro Alves

Omar Freitas

Douglas Roehrs

Thais Longaray

 

O ESTADO DE S. PAULO

Paulo Saldaña

Ana Carolina Sacoman

Clayton de Souza

 

O GLOBO

Lauro Neto

Antonio Gois

William Helal Filho

 

GAZETA DO POVO

Felippe Aníbal

Marisa Boroni Valério

Ana Caroline Olinda

Guilherme Storck

Brunno Covello

Marcelo Andrade

 

DIÁRIO CATARINENSE

Luis Antonio Hangai

Raquel Vieira

Mayara Rinaldi

Publicado em 11 de abril de 2015.

COMO FOI FEITO

Para a investigação, os repórteres dos cinco jornais fizeram uso da Lei de Acesso à Informação - já que, em alguns casos, os documentos não estão disponíveis - e também de ferramentas fundamentais para a democratização de dados no país, como o portais de transparência federal e estaduais. Os jornalistas ouviram 105 pessoas e pesquisaram mais de 3,2 mil páginas de documentos, entre inquéritos, processos administrativos acórdãos, relatórios de auditoria, contratos, convênios, pareceres, ofícios, planilhas de pagamento e notas fiscais.