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Em meio à produção do documentário Uma Noite em 67 (2010) – sobre a histórica final do festival musical que reuniu jovens artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto Carlos –, um nome costurou as lembranças dos entrevistados de Renato Terra e Ricardo Calil. E a ele a dupla de diretores voltou em Eu Sou Carlos Imperial, documentário que apresenta a exuberante e controversa trajetória de uma figuraça que imprimiu sua marca em múltiplas atividades: música, cinema, teatro, televisão, política e Carnaval. O filme está em cartaz em Porto Alegre, no Espaço Itaú, com sessão às 18h,
– O Imperial foi uma figura inescapável nos depoimentos do Uma Noite em 67 e ficamos com uma pulga atrás da orelha. Nessa mesma época, a biografia dele (Dez, Nota Dez!, Eu Sou Carlos Imperial) foi lançada pelo Denilson Lopes e conhecemos em profundidade esse personagem que conseguiu ser, ao mesmo tempo, fascinante e repugnante. Procuramos destacar no filme o espírito "imperialesco", a pilantragem, a picardia, sem esconder nada – diz Calil, explicando a origem do projeto.
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Carlos Imperial (1935 – 1992), assim como Roberto Carlos, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. De família abastada, foi viver ainda criança na pulsante Copacabana da zona sul carioca. A paixão pela música despertou no rapaz o talento para descobrir artistas. Nos anos 1950, Imperial foi o grande difusor do rock'n'roll no Brasil, ambiente em que conheceu garotos como Roberto Carlos e Tim Maia, a quem deu as primeiras oportunidades no palco. Foi Imperial quem também abriu a primeira porta para a cantora gaúcha Elis Regina no Rio.
– A importância do Imperial na música é a mais reconhecida de suas atividades – destaca Calil. – Não podemos imaginar como seria um Brasil sem Roberto Carlos, e ele próprio reconhece que a ajuda do Imperial foi decisiva na sua carreira. A Elis Regina teria tido quem foi sem o Imperial, mas o Roberto, provavelmente, não.
Elis chegou ao Rio por sugestão de Imperial à gravadora Continental, em 1961. Mas a tentativa em transformá-la em uma nova Celly Campello não deu certo (Elis renegava os primeiros discos que fez sob a tutela dele, com repertório pop voltado aos "brotos" de então). Já com o futuro Rei, a parceria vingou. Roberto havia tentado surfar na onda da bossa nova, ambiente no qual foi visto como um imitador de João Gilberto. Imperial acionou contatos para o pupilo gravar compactos que não tiveram maior repercussão. Insistiu e garantiu ao rapaz o primeiro LP, Louco por Você (1961), um fracasso de vendas. Tentou de novo com Splish Splash (1963) e, aí sim, acendeu o estopim para a explosão da Jovem Guarda e o mais longo reinado da MPB.
Roberto comenta isso no depoimento presente no documentário.
– A entrevista do Roberto é a que foi feita para o Uma Noite em 67 – explica Calil. – Tentamos um novo encontro, mas ele não topou. Então pedimos autorização para usar a conversa anterior, e, após um longa negociação, ele liberou. Isso acabou ficando bom para o filme, pois o que o Roberto disse sobre o Imperial antes surgiu de forma muito espontânea.
Calil e Terra conseguem contemplar no documentário, com farta diversidade de entrevistas e imagens de arquivo, a dimensão de seu personagem tanto em diferentes frentes de trabalho abertas por Imperial quanto na sua extravagante persona pública. Assim como em Uma Noite em 67, os diretores entregam um precioso trabalho memorialístico da cultura e do comportamento de um Brasil que, na maior parte da atuação profissional de Imperial, vivia sob a vigilância e censura da ditadura militar.
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Na música, Imperial é autor de sucessos dos anos 1960 conhecidos nas vozes de, entre outros, Eduardo Araújo (O Bom), Ronnie Von (A Praça), Erasmo Carlos (Vem Quente que Eu Estou Fervendo) e Wilson Simonal (Mamãe Passou Açúcar em Mim e Nem Vem que Não Tem).
Durante a década de 1970, Imperial se lançou como diretor e ator de pornochanchadas. Mais adiante, adentrou o universo carnavalesco consagrando o bordão "Dez, nota dez" na apuração das escolas de samba do Rio, cidade que o elegeu como o vereador mais votado em 1982.
Imperial costuma mover montanhas para se autopromover, ajudar amigos e prejudicar desafetos. O documentário lembra uma de suas famosas iniciativas para destruir reputações. A vítima foi o ator Mario Gomes. Em 1977, ao ameaçar Imperial com um processo pelo lançamento de uma pornochanchada que havia estrelado anos antes, o então galã da Globo viu chegar à imprensa uma nota informando que havia sido internado em um hospital "entalado com uma cenoura em local absolutamente invisível". Imperial nunca admitiu a autoria da maldade, mas um assistente seu entrevistado no filme garante que foi dele sim a ideia de difamar Gomes.
Para Imperial valia tudo para se manter em evidência, sobretudo inventar lorotas. Dizia ser próximo de John Lennon e Elvis Presley, que havia sugerido aos Beatles gravarem uma versão de Asa Branca e que o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini tinha lhe confiado um conto para filmar. Forjou brigas para colocar seus artistas no noticiário, assinou canções de domínio público como suas e tentou levar crédito por composições de outros.
Um sujeito como Imperial tornou-se anacrônico em tempos regrados pelo politicamente correto e por polêmicas amplificadas nas redes sociais. Como se fosse um sultão tropical sempre cercado por jovens beldades aspirantes ao estrelato, ele consagrou a figura do machista folclórico ao tratar as mulheres por "lebres". Carlos Imperial morreu aos 56 anos, vitimado por complicações decorrentes de uma lipoaspiração.
– O Imperial hoje seria juridicamente inviável – afirma Calil. – Mas ele fazia um tipo de provocação mais anarquista do que preconceituosa. Era um sujeito muito culto e sofisticado nas suas armações. Acho que ele encontraria um jeito de se manter em evidência hoje. Não se diz nem se fala abertamente que o Imperial dizia e fazia em relação às mulheres, por exemplo, exagerando na sua exposição como cafajeste. E é bom lembrar que, sem ele, o machismo segue muito presente na nossa sociedade.
Ouça sucessos compostos por Carlos Imperial