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Consagrado por conta de poderosos dramas de conteúdo político como A Colmeia (1969), Ana e os Lobos (1973) e Cría Cuervos (1976), o cineasta espanhol Carlos Saura começou a inclinar sua carreira em direção aos filmes musicais graças ao sucesso de público e crítica de sua trilogia flamenca, concebida em parceria com o célebre bailarino Antonio Gades (1936 – 2004): Bodas de Sangue (1981), Carmen (1983) – indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e prêmio de contribuição artística no Festival de Cannes – e Amor Bruxo (1986). Argentina (2015), em cartaz a partir de hoje na Capital, é um dos mais recentes títulos do premiado diretor – que desde Sevilhanas (1992) e, em especial, Flamenco (1995) vem aprimorando um estilo singular de filmar documentários musicais: apenas registrando as performances de músicos, cantores e bailarinos em amplos estúdios, com cenografia feita quase que exclusivamente pela projeção de luzes coloridíssimas em grandes painéis e pelas sombras dos próprios intérpretes.
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Em Argentina – cujo título original, Zonda: Folclore Argentino, faz referência ao vento que sopra com frequência no noroeste do país –, Saura volta à fórmula para mostrar um panorama da música crioula da região. Depois do aclamado Tango (1998), dedicado ao popular gênero urbano, o realizador debruça-se agora sobre as diferentes manifestações da cultura rural argentina, apresentando didaticamente ritmos como zamba, chamamé, chacarera, malambo, copla, vidala e carnavalito. Esse mapa sonoro é traçado por um desfile de astros do folclore argentino, como Soledad Pastoruti, Juan Falú, Pedro Aznar, Horacio Lavandera, Jaime Torres, Jairo, El Chaqueño Palavecino, Luis Salinas, o grupo Metabombo e a cantora Liliana Herrero – aliás, a grande diva da renovação da música nativa de seu país estará se apresentando em Porto Alegre neste sábado, no Átrio do Santander Cultural, a partir das 17h, acompanhada do violonista Pedro Rossi, que também toca no filme. A direção musical de Argentina é do talentoso compositor, produtor e arranjador Lito Vitale, que aparece executando uma surpreendente chacarera ao piano. O longa homenageia ainda dois ícones do folclore latino-americano, cujas obras vêm fazendo há décadas a trilha sonora das lutas políticas e sociais no continente: a cantora Mercedes Sosa (1935 – 2009) e o cantor, compositor e violonista Atahualpa Yupanqui (1908 – 1992).
A exemplo de Iberia (2005), Fados (2007) e Flamenco, Flamenco (2010), Argentina economiza em textos e dados sobre seu tema, deixando para a música e a dança a tarefa de conduzir o espectador pelas belezas e singularidades do universo em foco. Se esse dispositivo, central na fórmula adotada por Carlos Saura nesses documentários, valoriza por um lado a fruição estética, deixa por outro lacunas históricas e informativas que talvez enriquecessem ainda mais essas produções. O resultado é novamente uma visão apaixonada e muito pessoal do diretor, que encontrou uma forma envolvente e inspirada de abordar diferentes tradições artísticas e culturais.
ARGENTINA
De Carlos Saura
Documentário, Argentina/França/Espanha, 2015, livre.
Estreia hoje no Guion Center 1 (14h20, 18he 19h40).
Cotação: muito bom