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A história recente do Brasil é um tema pouco explorado pelo cinema de ficção – são escassos os filmes que trazem para o primeiro plano os acontecimentos políticos, econômicos e sociais desde o fim do último regime autoritário. Já é por si só bem-vinda, portanto, a estreia de uma produção como Real – O Plano por Trás da História, cujo título é autoexplicativo: a ideia é mostrar os bastidores e os personagens do combate à inflação galopante, à instabilidade monetária e ao desemprego que sangravam o país no início da década de 1990 e emperravam o desenvolvimento da economia.
Dirigido por Rodrigo Bittencourt, Real é inspirado no livro 3.000 Dias no Bunker – Um Plano na Cabeça e um País na Mão, de Guilherme Fiuza. O drama histórico destaca o papel do economista Gustavo Franco, interpretado por Emílio Orciollo Netto, na criação do Plano Real e nas consequências da nova moeda no destino nacional nos anos seguintes. Real fazia parte da mostra competitiva de longas do Cine PE deste ano, festival cuja edição foi suspensa depois que um grupo de realizadores decidiu retirar seus filmes do certame, alegando discordâncias ideológicas com a direção do evento pernambucano.
A trama começa em 1993, com Itamar Franco (Bemvindo Sequeira) ocupando a Presidência depois do impeachment de Fernando Collor, às voltas com uma inflação de 40% ao mês, uma moeda desacreditada e índices recordes de desemprego. A fim de debelar a crise, o presidente nomeia Fernando Henrique Cardoso (Norival Rizzo) como ministro da Fazenda, que vai montar então uma seleta equipe de economistas. Trancado em uma espécie de bunker, o grupo de especialistas destacados no mercado e na academia quebra a cabeça em teses e discussões a respeito da melhor maneira de derrotar o dragão da hiperinflação – até que, depois de brigas e acordos, nasce o plano Real. O filme confere paternidade nessa concepção a Gustavo Franco, professor da PUC do Rio chamado por Pedro Malan (Tato Gabus Mendes) para integrar o time que viria a conduzir a política econômica até o fim da década de 1990.
Real enfrenta o desafio de tornar dramaticamente interessante um assunto árido para o público leigo e refratário a simplificações.
A direção tenta contornar essa dificuldade lançando mão de recursos como cortes rápidos, movimentos de câmera e planos-sequência – tudo com o objetivo de tornar a narrativa mais ágil e fluida. O economês e os diálogos excessivamente didáticos, no entanto, puxam o freio de mão e deixam a história arrastada, em especial nas cenas conduzidas pelos atores mais fracos, que parecem ter sido escolhidos prioritariamente por sua semelhança física com os personagens reais. Não é o caso de nomes talentosos como Guilherme Weber, Mariana Lima, Juliano Cazarré e Fernando Eiras, cujas atuações emprestam credibilidade e interesse a seus papéis. Também não ajuda o expediente de costurar o enredo com excertos ficcionais de uma entrevista televisiva de Franco às vésperas de seu depoimento na CPI do Banestado, em 2003, conduzida por uma repórter interpretada por Cássia Kis de maneira empostada e pouco convincente.
Ainda que apresente uma visão geral positiva do Plano Real e da política econômica dos anos Itamar e FHC, o filme tenta matizar o aplauso aos garotos de ouro da macroeconomia ressaltando com frequência suas vaidades, inseguranças e mesquinharias. Nesse sentido, merece destaque a recriação de Gustavo Franco por Emílio Orciollo Netto: além da impressionante semelhança física com o protagonista, o ator destaca as ambiguidades do ambicioso economista, movido por uma obstinação que mistura convicção idealista e carreirismo indisfarçável e o faz sacrificar sem dó até o relacionamento com a mulher (Paolla Oliveira). Pena que a exploração dramática dessa complexa figura pública seja sobrepassada em Real por um incontornável proselitismo.
Real – O Plano por Trás da História
De Rodrigo Bittencourt
Drama, Brasil, 2017, 95min, 12 anos.
Estreia quinta nos cinemas
Onde assistir: Cineflix Total, Cinemark Barra, Cinemark Ipiranga, Cinespaço Wallig, Espaço Itaú, GNC Iguatemi, GNC Moinhos, GNC Praia de Belas.
Cotação: regular
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