
No mundo ficcional de O Círculo, filme estrelado por Tom Hanks e Emma Watson com sessões de pré-estreia neste fim de semana, a revolução não será televisonada porque a democracia se tornou uma commodity em que transparência e hipervigilância se confundem, como num 1984 (o romance distópico de George Orwell sobre uma sociedade totalitária) "for dummies" adaptado à era das redes sociais.
O Círculo baseia-se no romance de mesmo nome escrito por Dave Eggers, um dos autores mais aclamados de sua geração. Filme e livro se concentram na ascensão da jovem Mae (Emma Watson) em uma companhia de alta tecnologia que, no futuro indefinido da narrativa, agigantou-se a ponto de dominar o mercado como uma mistura de Google e Facebook combinados na mesma empresa. A fórmula que levou o Círculo a se tornar hegemônica é simples: a abolição do anonimato digital, amparada em um discurso de transparência bem intencionado que tornou a empresa não apenas a mais bem-sucedida companhia da era digital como a mais "cool", com produtos e serviços associados a uma aura de relevância e popularidade – nada muito diverso, portanto, do que já se vê hoje em gigantes reais de alta tecnologia do Vale do Silício.
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Jovem pobre que passa maus bocados para pagar suas dívidas estudantis e que grama em um emprego de telemarketing mal remunerado, Mae (Emma) obtém, por meio de uma amiga, a chance de ouro de começar a trabalhar no Círculo, inicialmente atendendo reclamações de clientes. Aos poucos, vai sendo instada a "se expressar" mais em publicações de colegas de grupo (O Círculo se passa em um mundo sem "textões", mas com muitos emojis de carinhas sorridentes).
À medida que se dedica cada vez mais às intrincadas métricas e pontuações de seu desempenho e de sua popularidade (alguns verão ressonâncias do famoso "episódio das notas" na temporada mais recente de Black Mirror, mas o livro de Eggers é bem anterior), Mae se afasta dos pais e do ex-namorado, que consideram o nível intenso de conectividade em que ela está operando pouco benéfico. No plano da história, é claro que é exatamente esse o caso.
Curiosamente, O Círculo é o segundo filme adaptado de um romance de Eggers e estrelado por Hanks a estreiar no intervalo de um ano – o primeiro foi a versão de Um Holograma para o Rei, que por aqui ganhou o inacreditável título de Negócio das Arábias. Se nesse filme do ano passado, dirigido por Tom Tykwer, Hanks encarnava um homem derrotado em crise de meia-idade, em O Círculo ele é o carismático presidente da companhia, uma figura cuja informalidade à la Steve Jobs traduz ambições mais sinistras expressas com a melhor das intenções.
O Círculo
De James Ponsolt.
Suspense, Emirados Árabes/EUA, 2017, 141 min, 12 anos. Em sessões de pré-estreia em Porto Alegre no sábado, no Cinemark Barra 1 (21h45), Espaço Itaú 5 (19h20) e GNC Moinhos 1 (21h50); e no domingo, no Cinemark Barra 1 (21h45). GNC Moinhos 1 (21h50).