
A violência doméstica contra a mulher, cotidiana e gradual, geralmente se esconde entre quatro paredes, velada pelo silêncio de vítimas e familiares. Em seu quarto romance, Valesca de Assis se dedica a desvelar o ambiente de agressões no qual, aos poucos, uma vítima penetra – com trágicas consequências. O livro A ponta do silêncio será lançado nesta quarta-feira, às 17h, com sessão de autógrafos, na livraria Palavraria.
Na trama, Marga é uma professora de um colégio do interior que se casa com Rudy, herdeiro de uma família tradicional. De origem humilde, a professora vê gradualmente artigos de valor sentimental que trazia da casa da família desaparecerem do novo lar, descartados pelo marido, que preferia peças mais caras. Com o tempo, o desrespeito avança, até que o limite da agressão física seja também ultrapassado. A certa altura, porém, o jogo vira: Rudy aparece morto, e Marga é a principal suspeita.
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Esse é o ponto de partida de A ponta do silêncio. Emocionalmente abalada, Marga perde a fala, sendo internada em um hospital. Ali começa a rever seu passado e se prepara para esclarecer ao delegado o que realmente ocorreu com o marido na noite do crime. A partir de então, o livro esmiúça como uma mulher como Marga passou de vítima a algoz de uma maneira tão radical.
O novo romance da escritora e professora Valesca de Assis levou 13 anos para ser escrito.
– Queria um livro curto, que repentinamente jogasse o leitor na posição de Marga, assim como ela, de repente, vê sua vida mudar – conta Valesca.
Também o comportamento da sociedade em que a personagem vive é exposto pela escritora. Em um programa de rádio, Marga é condenada pelos ouvintes entrevistados, mesmo quando não se tem muitas informações a respeito do que ocorreu.
– Queria mostrar como a mulher é colocada como culpada, mesmo quando não há conhecimento sobre o ocorrido e seu contexto. Ela se culpa primeiro internamente, depois em esferas sociais maiores, como a cidade ou o Estado – explica a autora.
Valesca afirma que não se inspirou em nenhum caso próximo, mas conta que a ideia do romance surgiu quando leu em um jornal que uma mulher estava sendo acusada de um crime parecido com o descrito na narrativa. No entanto, a autora reconhece também traços do machismo vivenciado por Marga no meio em que atua:
– É difícil para as mulheres dedicarem tempo à literatura, pois a criação literária é muito exigente, não pode ser feita apenas nas horas que sobram. É aceitável para um homem dedicar horas de seu dia à escrita, mas, para as mulheres, parece que são sempre impostas outras tarefas, como cuidar dos filhos e da casa.
Com uma prosa fluente e uma protagonista bem construída, A ponta do silêncio oferece um ponto de vista original para um tema cada vez mais presente no debate público: a opressão de gênero em uma sociedade patriarcal.
A PONTA DO SILÊNCIO
De Valesca de Assis
Romance, 88 páginas, BesouroBox, R$ 34.
Sessão de autógrafos nesta quarta-feira, às 17h, na Palavraria (Vasco da Gama, 165), em Porto Alegre.