
Lado a lado com o francês, o cinema italiano é historicamente o mais importante do mundo ocidental - se tirarmos da conta os Estados Unidos e sua fábrica de sonhos chamada Hollywood. Gerações inteiras, como a de Verissimo, tiveram seu olhar moldado a partir do neorrealismo de Rossellini e De Sicca, das comédias de Monicelli e Dino Risi, dos clássicos inesquecíveis de Fellini, Antonioni, Visconti, Scola.
Por uma coincidência, em visita a Roma o autor das Comédias da Vida Privada viu de perto não só as filmagens de A Doce Vida (1960), mas justamente a sequência do longa que rendeu uma daquelas imagens que ficaram eternizadas como as mais marcantes do século 20 - a da personagem de Anita Ekberg, a Anitona, como descreve Verissimo, banhando-se na Fontana di Trevi. Não à toa, o editor convidado do Segundo Caderno de hoje se faz porta-voz dos cinéfilos levantando uma questão debatida há anos:
- O que explica o escasseamento dos grandes filmes daquele país?
A resposta passa pelas restrições de um mercado cada vez mais vitimado pela promiscuidade das relações entre exibidores e distribuidores - que chegou ao ápice semanas atrás com a ocupação de quase metade das salas brasileiras por um único filme, a animação Rio. Fundamentalmente, no entanto, a explicação está nas próprias dificuldades da Itália em honrar a sua tradição. Em outras palavras, o espaço no circuito foi se restringindo, mas, independentemente disso, o próprio cinema italiano tratou de se fazer esquecer.
- É que a nossa produção possui dois pais poderosos que precisa não digo matar, mas superar: o neorrealismo e a comédia à italiana - disse o diretor Gabriele Salvatores logo após o Festival de Veneza do ano passado.
Salvatores, que em 1992 ganhou o penúltimo Oscar de filme estrangeiro para a Itália com Mediterrâneo (o último foi A Vida É Bela, de Roberto Benigni, em 1999), foi instigado a comentar o assunto devido à ausência de títulos do país entre os premiados em Veneza 2010 - ele era um dos jurados do evento. Não comentou, mas poderia ter dito que, de 2008 para cá, quem acompanha os grandes festivais tem chamado a atenção para um certo ressurgimento da cinematografia italiana. Gomorra, de Matteo Garrone, Vincere, de Marco Bellocchio, e Il Divo, de Paolo Sorrentino (este inédito no circuito brasileiro), seriam os principais representantes desse movimento.
Seriam? É que, veja bem, Bellocchio é um veterano, e em 2003 já havia realizado outro filmaço - Bom Dia, Noite. E, em 2001, o grande ator e diretor Nanni Moretti ganhou a Palma de Ouro em Cannes com o drama O Quarto do Filho. Que cinematografia é essa que estaria em decadência lançando títulos como estes e vencendo o mais importante prêmio do circuito de festivais?
- O "problema" é que o cinema italiano foi o melhor do mundo durante um longo período, talvez duas, três décadas. Houve queda de qualidade se houver a comparação com essa história - pontua Luiz Zanin, crítico do Estadão e habitué de Veneza. - Bom Dia, Noite, O Quarto do Filho, Gomorra, Vincere e Il Divo são exceções: a maior parte da produção é mediana. Acontece que a mediocridade italiana atual é comparável à de outras cinematografias que já tiveram tempos melhores, como a francesa, a alemã e a própria norte-americana, que, artisticamente, é nula.
A verdade é que todo o cinema atual, inclusive o do Brasil, vive de exceções, diz Zanin:
- O que agrava a percepção dessa mediocridade, particularmente na Itália, é a comparação com o grande passado histórico. Ninguém faz o melhor cinema do mundo impunemente.
10 obras-primas italianas
> 8 1/2, de Fellini (1963)
> A Noite, de Antonioni (1961)
> Rocco e seus Irmãos, de Visconti (1960)
> Ladrões de Bicicleta, de De Sicca (1948)
> O Conformista, de Bertolucci (1970)
> Um Dia Muito Especial, de Scola (1977)
> Roma, Cidade Aberta, de Rossellini (1945)
> Teorema, de Pasolini (1968)
> O Incrível Exército de Brancaleone, de Monicelli (1966)
> Sophia Loren