1) Ato de anunciar ou de ser anunciado. 2) Uma notificação ou declaração pública
Na última terça-feira, dia 13, a Encyclopaedia Britannica Inc., responsável pela publicação da mais tradicional enciclopédia do planeta, a Britânica, anunciou que não publicará mais versões impressas de suas obras, objetos de desejo de gerações.
O anúncio não significa o fim da Britânica, que continuará sendo produzida e editada como produto digital, mas representa uma vitória simbólica da mídia digital na transição entre impresso e eletrônico.
Com 244 anos de uma tradição que a transformou em um dos sinônimos para enciclopédia e até símbolo de status, a decisão de descontinuar a versão papel foi recebida como o fim de uma era.
- O fato é que o público em geral já não vinha manifestando grande interesse na versão em papel da Britânica. Na América Latina, 95% das nossas vendas já são online. No Mundo, vendemos 80% de nossas coleções em formato digital e apenas 20% em papel. Não estava mais valendo a pena mantê-la, por mais tradicional que fosse - diz Dirk Halbach, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da Britannica para América Latina, Caribe, Espanha e Portugal.
Britânica
Encyclopædia Britannica, a mais velha enciclopédia geral de língua inglesa, publicada pela primeira vez em Edimburgo, na Escócia, em 1768.
Não foi a primeira vez que a Britânica sacrificou suas edições em papel em nome da plataforma digital. A enciclopédia já havia anunciado planos de interromper a publicação em papel ou de se dedicar apenas a edições concisas em 1998, mas retomou seu padrão regular em 2003.
A grande concorrência nesse período não era, como hoje, a Wikipédia e os portais colaborativos, e sim a enciclopédia digital multimídia Encarta, lançada pela Microsoft em 1993. Embora assumidamente menos tradicional e menos abrangente, a Encarta era prática para uso com tecnologias digitais.
A própria Encarta, contudo, foi encerrada em 2009, aí sim, vitimada não por um ou outro concorrente comercial, e sim por uma forma radicalmente nova de encarar o conhecimento.
Colaboração
Yochai Benkler, em A Riqueza das Redes: Como a Produção Social Transforma Mercados e Liberdade (2006), argumenta que o surgimento da Internet e da economia da informação significou um crescimento de formas não mercantis ou sociais de produção e de recompensas maiores para a colaboração.
O fim da versão em papel Britânica, objeto não apenas de desejo, mas de status, como atestaram a maioria dos jornalistas e colunistas internacionais que comentaram o fato, responde a uma questão de mercado, mas também é um sintoma de uma transformação na própria mentalidade do público.
Britânica, Barsa, Larousse, Mirador e outras enciclopédias que atravessaram décadas e até séculos apresentavam-se (e ainda apresentam-se) como um produto credenciado pela autoridade de sua marca e dos acadêmicos que nelas escrevem e organizam o conhecimento para apresentar ao leitor.
Mas o crescimento das redes colaborativas na internet está formando uma geração acostumada não a procurar o conhecimento por meio de especialistas, mas em construí-lo coletivamente.
- O modelo da Enciclopédia, desde a origem, lá com Diderot e DAlembert, era o de reunir o conhecimento do mundo e dizer: toma, tá aqui. Hoje a ideia está gradualmente mudando. A massa de informações é tamanha e muda com tanta frequência que talvez seja ingênuo apresentar um compêndio de conhecimento. Hoje o necessário é organizá-lo - diz o jornalista André Pase, professor de Comunicação Digital na Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).
Digital
Os computadores entendem apenas dois números, 0 e 1, e fazem todas as suas operações aritméticas neste modo binário.
O modelo mais bem-sucedido atualmente de construção colaborativa está na rede, com acesso aberto e gratuito e possibilidade de atualização por qualquer um que se cadastre.
A Wikipédia é hoje para o mundo digital o que a Britânica já foi para o mundo impresso: o grande concentrador de informações, que responde em tempo real às mudanças de um mundo conectado em rede.
- O mundo sempre mudou, países deixavam de existir, revoluções, desastres, mas antes não se tinha acesso tão imediato a essa informação. Hoje achar que se pode esperar a atualização do livro do ano de uma enciclopédia em papel é irreal - comenta André Pase.
Por isso mesmo as enciclopédias não se esquivaram do mundo digital - para fazer frente à internet, aos buscadores e à própria Wikipédia, ingressaram no universo digital cada qual a seu modo.
O ingresso da Britânica foi tão bem-sucedido que provocou o fim de sua versão em papel. Outras, como a brasileira Barsa, combinam a tradicional coleção de volumes impressos com CDs de conexão à rede que baixam atualizações periodicamente da base de dados central da enciclopédia.
História
Disciplina que estuda uma sucessão cronológica de eventos ocorridos com nações ou pessoas por meio do exame crítico de fontes materiais
No início, em 1772, inspirada pelos valores do Iluminismo, a enciclopédia moderna se apresentava como uma coletânea essencial do conhecimento humano. Na voragem da contemporaneidade, tal pretensão foi substituída por uma tentativa de encontrar uma maior multiplicidade de versões para um mesmo tema.
É aí que ainda resistem algumas vantagens autorais do modelo tradicional de enciclopédia: suas entradas apresentam uma visão mais engessada mas menos sujeita a humores ideológicos, como muitos verbetes da Wikipedia, modificados de vinte em vinte minutos, principalmente os que tratam de temas polêmicos.
Resistência
1) Ato ou instância de resistir, oposição: um meio de resistir. 2) O poder ou a capacidade para resistir.
Na mesma semana em que a Britânica anunciou o fim de seus solenes e quase hieráticos volumes em papel, Barsa lançou seu programa de edição de sua nova versão impressa, com todos os verbetes já adequados às normas do novo Acordo Ortográfico e atualizações estatísticas.
Afetada duramente pela chegada da Internet, nos anos 1990, quando em apenas três anos viu o número de suas vendas reduzido a menos da metade, a Barsa chegou a trocar de proprietários, mas conseguiu se recuperar no mercado usando como carro-chefe de sua estratégia o trabalho de negociação direta de seus 1.8 mil vendedores Brasil afora.
Mercado
Um meio pelo qual a troca de bens e serviços ocorre como resultado de contato entre compradores e vendedores, seja diretamente ou através de agentes mediadores ou instituições.
Um dos motivos de recuperação da Barsa, mesmo usando a estratégia de venda direta, é que no Brasil a economia emergente do país, com novos cidadãos na faixa de consumo, representa um novo mercado.
A Britânica, que chegou a ser vendida no país, de fato não registra mais números significativos de venda por aqui devido aos custos de importação, mas a Barsa encontrou um novo público entre os integrantes da ascendente classe média nacional.
- Nosso público consumidor foi forte nas classes A e B no passado. Hoje, quem está comprando nossa enciclopédia é a classe C emergente, que compra para realizar um sonho que na infância não pôde concretizar por falta de dinheiro - comenta Sandra Brasil, diretora de treinamento e marketing da Barsa.
Vendedor
1) Aquele que vende em um determinado território, em uma loja ou por telefone. 2) Um representante itinerante que atende e faz pedidos comerciais geralmente em um território preestabelecido.
Uma das estratégias de sobrevivência das enciclopédias diante da maré digital é lidar diretamente com instituições de ensino, secretarias de educação e autarquias governamentais - o que pode garantir compras elevadas seja em papel ou digital.
Ainda assim, no exemplo da Barsa, a venda direta é responsável por 70% do total dos negócios - concentrados principalmente no Interior.
Um dos vendedores da companhia é o gaúcho Cleber Pesca, 72 anos, residente em Porto Alegre, mas que passa a maior parte de seu tempo em circulação por cidades como Uruguaiana, Rio Grande, Taquara e São Francisco de Paula. Vendedor da Barsa há oito anos, Pesca se orgulha de ter uma história pessoal muito mais antiga com a enciclopédia
- Quando saiu a primeira edição, lá nos anos 1960, meu pai comprou uma para que eu estudasse. Ele era mecânico e deve ter feito um sacrifício para comprar, mas eu me criei com ela. E depois criei as minhas filhas com as que fui comprando - conta.
De acordo com sua experiência de quem percorre o Estado, o perfil do consumidor de enciclopédias hoje é o de brasileiros trabalhadores agora alçados a uma melhor condição econômica.
- Quem compra enciclopédia ainda hoje não é rico, é sim o classe média, o que cresceu com a enciclopédia como referência - comenta o vendedor.
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