
Sétimo longa do diretor Beto Brant, Eu Receberia... forma com o experimental O Amor Segundo B. Schianberg (2010) um díptico sobre o livro que o escritor Marçal Aquino lançou em 2005. São, no entanto, trabalhos totalmente distintos.
Projeto da TV Cultura, o título anterior foi rodado todo dentro de um apartamento, sem roteiro prévio, como se fosse um reality show de observação de um relacionamento amoroso. O novo filme é, entre todas as produções dirigidas por Brant, aquele que tem condições de estabelecer o melhor diálogo com o grande público - sem que o cineasta paulista de 47 anos tenha aberto mão de seu cinema enérgico, construído a partir da intensidade da experiência do set de filmagem.
O apelo de Eu Receberia... está, em primeiro lugar, na escolha de Camila Pitanga (melhor atriz no último Festival do Rio pelo papel) e no seu despudor para encarar a bela, instável e insaciável Lavínia. É o papel da vida da intérprete até aqui conhecida mais pelos trabalhos na tevê do que por suas aparições no cinema - que abrangem poucas protagonistas e duas produções da Casa de Cinema de Porto Alegre, Sal de Prata (2005) e Saneamento Básico, o Filme. Gustavo Machado, como o fotógrafo Cauby, e Zecarlos Machado, como o pastor Ernani, completam o triângulo amoroso da trama. Parceiros do realizador desde a sua estreia com Os Matadores (1997), Aquino assina Eu Receberia... como corroteirista, enquanto Renato Ciasca assume o posto de codiretor, a exemplo do que fizera em Cão sem Dono (2007).
Lavínia vive numa pequena cidade amazônica na qual seu marido Ernani é referência religiosa. Cauby, que narra a história assumindo o papel de protagonista masculino, é um forasteiro que aparece para fotografar a região e faz dela a sua musa. O caso dos dois tira a mulher do estado de torpor e revira fantasmas de seu passado, que incluem uma vida marginal no Rio de Janeiro e a revelação de uma instabilidade emocional agora mascarada pela vida pacata no interior. O amor, para Lavínia, sempre foi uma maneira de escapar de um contexto perverso - o que justifica a intensidade do sexo com Cauby.
Eu Receberia... sintetiza todas as inquietações de Brant: une o intimismo e a investigação das relações entre a paixão e a produção artística à qual ele vinha se dedicando desde Crime Delicado (2005) com as temáticas sociais e políticas de seus filmes anteriores a O Invasor (2002) - que aqui, a bem da verdade, aparecem de maneira um tanto lateral. O próprio diretor o define como o filme da sua maturidade. Realista sem o naturalismo de Cão sem Dono, brutal sem a violência explícita de Os Matadores e O Invasor, Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios é, no mínimo, um dos melhores filmes de Beto Brant.
- O diretor Beto Brant e o casal de protagonistas, Camila Pitanga e Gustavo Machado, visitaram ZH para promover o filme - nas semanas que antecederam a estreia, estiveram em diversas capitais do país. Confira o que o trio falou:
CAMILA PITANGA (Lavínia)
"Este filme é um ponto de chegada no caminho que percorro há anos. É como se eu tivesse aperfeiçoado meu trabalho para alcançar este ponto. Não é todo projeto que convida o ator a ir tão fundo num personagem. Eu Receberia... fez eu me sentir artista. Me fez entender que podia ir além do que eu já havia feito."
"O que eu mais temia neste filme, que era a mudança radical da personagem, na parte final, foi o mais simples. É que eu achava que teria de buscar referências na minha vida (na experiência que a mãe de Camila teve num manicômio), mas achei o tom ao me livrar das memórias e entrar 'virgem' na experiência da personagem."
"Um desafio do ator é dar frescor ao papel. Isso está mais no teatro e na tevê, que vivenciamos diariamente. No cinema, alcançar esse frescor talvez seja mais difícil, porque ensaiamos, repetimos, buscamos algo até encontrar. Aí é preciso reencontrar, de maneira mais intensa, na hora do 'ação'."
GUSTAVO MACHADO (Cauby)
"O cinema registra um instante único de interação entre os atores, capta esta interação. Neste filme, nós levamos isso à máxima potência, não exatamente trabalhando o improviso, mas a intensidade de cada momento. Nesse sentido, fizemos das filmagens um exercício quase ritualístico."
BETO BRANT (diretor)
"Eu Receberia... representa um momento de maturidade para mim. Fiz três longas comprometidos ideologicamente (Os Matadores, Ação entre Amigos e O Invasor), depois outros três sobre relações afetivas ou processos artísticos (Crime Delicado, Cão sem Dono e O Amor Segundo B. Schianberg) e, agora, com o sétimo filme, acho que alcancei uma síntese disso tudo. Com o carisma da Camila e a pegada da história, vislumbro um diálogo com um público mais amplo."
"O set não é um lugar para reproduzir o que está escrito. É um lugar de experimentação, de construção coletiva de algo a partir do que está escrito. Meu cinema é uma tentativa de compreensão do que vou filmar. Isso tem de passar pela expressão - no sentido da criação, da interpretação -, mas também pela intuição de cada integrante da equipe."
SERVIÇO:
EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DE SEUS LINDOS LÁBIOS
De Beto Brant e Renato Ciasca
Com Camila Pitanga, Gustavo Machado, Zecarlos Machado e Gero Camilo
Drama, Brasil, 2011. Duração: 110 minutos. Classificação: 16 anos
Estreia nesta sexta