Fábio Prikladnicki
Confira a entrevista concedida pelo dramaturgo Diones Camargo a Zero Hora.
Zero Hora - Te sentes uma figura meio solitária como um dos poucos dramaturgos de ofício no Estado?
Diones Camargo - Em Porto Alegre, sem dúvida, eu me sinto muito isolado. Primeiramente, porque tu não tens formação para isso (dramaturgia). Na universidade onde eu estudo (UFRGS), conforme as pessoas vão reconhecendo meu trabalho, começam a estimular um pouco mais. Mas quando eu entrei era fatal. Os professores olhavam para mim e questionavam: "O que tu estás fazendo aqui? Por que não estás no curso de Letras?" Ouvi isso umas duas ou três vezes lá dentro do Departamento (de Arte Dramática, o DAD). Eu sempre argumentava: "Quando escrevem uns textos que são umas massas e vocês não conseguem quebrar como atores ou diretores, vocês reclamam, dizendo que o texto é literário demais". O Arthur Miller falava que o dramaturgo escreve com o ouvido. Porto Alegre não tem um núcleo de formação, não tem uma história de formação de dramaturgos. Os diretores normalmente pegam essa tarefa de criar a dramaturgia do seu grupo. São pessoas capacitadas, na maioria, mas eles têm muitos outros afazeres além do texto. Acostumaram-se com essa capacidade ilusória de fazer tudo e acabaram desprezando a participação de alguém que pensasse no texto especificamente. Tem casos em que isso dá certo, mas na maioria das vezes tu percebes que não. E aqui em Porto Alegre, por uma questão de tradição, há uma relutância muito grande dos artistas de teatro com a figura do dramaturgo. Na verdade, no Brasil isso aconteceu por bastante tempo. Agora, no centro do país, está começando uma cultura dos autores. Estão sendo mais requisitados, valorizados.
ZH - Ser um dramaturgo foi um objetivo deliberado ou o resultado de um processo natural?
Camargo - Foi um mistura. Tive uma formação como espectador e como ator durante praticamente minha adolescência inteira. Por conta própria, fazia oficinas, estudava, lia peças. Tentei escrever um texto aos 19 ou 20 anos e foi um desastre. Aí vi que seria uma bobagem completa e desisti. Continuava tentando trabalhar como ator, mas em 2003 decidi que não iria mais atuar. Ou não iria mais apenas atuar.
ZH - Como foi esse processo?
Camargo - Comecei a ver que gostava mais de me expressar escrevendo. Ao mesmo tempo, andava com um pessoal que acabou criando um vínculo de formação intelectual muito forte: Marcos Contreras (ator), João de Ricardo (ator e diretor), Rodrigo Scalari (ator), Lisandro Bellotto (ator e diretor). Fazíamos exercícios de criação e comecei a produzir mais do que meus amigos. Chegava em casa e só pensava nisso, em como eu poderia escrever alguma coisa a partir de uma outra situação. Nessa época, alguns dos meus amigos começaram a fazer faculdade de cinema, que havia sido aberta na Unisinos. Como eu vi que não teria dinheiro para estudar cinema, muito menos para conseguir filmar algum roteiro meu, imediatamente pensei no teatro. Sempre tive paixão, já entendia a lógica do teatro de um jeito bem intuitivo. Depois, fui aprimorando.
ZH - Conte sobre como foi criada a primeira peça, Andy/Edie?
Camargo - Quando comecei a escrever Andy/Edie, em 2005, estava lendo uma biografia do Warhol. Lia trechos em voz alta para as pessoas que chegavam na minha casa, especialmente aquela parte em que o Dylan e o Warhol se confrontaram por causa da Edie. Uma noite, tive a ideia de escrever sobre isso. Pensei que ninguém iria querer montá-la. Como já estava no Departamento (de Arte Dramática), cogitei dirigi-la eu mesmo. Comecei a escrever em janeiro e terminei em novembro. Fiz duas versões bem distintas. A primeira era só o Andy e a Edie em cena. Um dia, estava lendo uma peça do Tennessee Williams e me dei por conta de que precisava de um antagonista forte. Inseri o Dylan com alguns traços pelos quais até hoje as pessoas me enchem um pouco o saco (risos). Adoro o Dylan, até mais do que o Warhol, mas dizem que fui cretino por tê-lo deixado um idiota, um canalha na peça. Mas era necessário ter esse confronto.
ZH - Como surgiu a oportunidade da Cia Espaço em BRANCO encenar a peça?
Camargo - Estava no final da escrita do texto quando fiquei sabendo do prêmio da Funarte (de dramaturgia). Fiz uma revisão muito rápida e mandei. Ao mesmo tempo em que eu estava confiante porque sabia que tinha feito um bom trabalho, não estava com foco no prêmio, mas na qualidade que em algum momento queria que fosse reconhecida no texto. Quando saiu o resultado, recebi telefonemas de amigos que queriam montar a peça. Um deles foi o João (de Ricardo). Eu já havia combinado que a Florência Gil dirigiria, mas ela queria montar no DAD, e eu disse que não porque não foi uma peça criada no Departamento. Se algum dia eu tivesse tido algum estímulo (como dramaturgo) lá dentro, possivelmente teria deixado.
ZH - Aquele foi teu primeiro ano no DAD? Chegaste a concluir o curso?
Camargo - Não. Estou fazendo eternamente. Estou perto dos estágios finais. Tenho que me confrontar com as cadeiras de atuação que deixei para trás. Fiz questão de que a universidade fosse algo complementar à minha pesquisa, e não que eu fosse me reduzir ao que eles querem que eu pesquise.
ZH - Te consideras um dramaturgo autodidata?
Camargo - Um autodidata que viu muitos filmes, leu peças, livros, gibis. Todas essas coisas da infância e da adolescência me ajudaram. Na minha família, não há estímulo, as pessoas são bem restritas culturalmente. Elas não têm o hábito de ler, de ir ao cinema ou ao teatro. O meu pai foi apenas uma vez assistir a uma peça minha. Foi em Andy/Edie. É uma das coisas que eu uso nos jantares de família quando quero fazer um momento de drama (risos). Esses tempos me convidaram para fazer parte de uma coletânea de dramaturgos do Brasil que será publicada em Cuba. Contei para minha mãe, e ela disse apenas: "Ah, legal". E continuou fazendo as coisas dela. Contei para meu irmão, que disse: "Talvez agora tu possas viajar um pouco". É mais ou menos assim na minha família (Diones tem dois irmãos por parte de pai e mãe e outros três irmãos por parte de pai).
ZH - Às vezes o jornalista tem de fazer as vezes de psicanalista. Tens contato com teus pais?
Camargo - Sim. Com meu pai menos, mas com minha mãe tenho bastante. Eles são separados.
ZH - Isso foi na tua infância?
Camargo - Não. Isso foi... olha, o momento psicanalista está dando certo. Me dei por conta agora de que foi mais ou menos em 2003, quando eu decidi que ia escrever e que não iria mais atuar. Naquele período, eu estava desatento à minha família. Vivia o tempo todo com meus amigos. Tive uma adolescência cultural que foi bem importante.
- Mais sobre:
- artes cênicas
- cultura
- variedades
- teatro