
A primeira piada bem-sucedida de Para Roma, com Amor é o título. Como se trata de uma série de histórias inspiradas no Decamerão de Bocaccio (1313 - 1375), Woody Allen queria chamar o filme de Bop Decameron. Achou muito hermético e resolveu mudar para Nero Fiddled. De novo, a referência à expressão que descreve o imperador Nero tocando lira enquanto a cidade ardia em chamas parecia difícil, impenetrável.
Quer saber? Para Roma, com Amor. Mais simples, impossível.
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Outro prazer inicial e instantâneo do filme é ver Allen voltando a interpretar a si próprio - com uma entrada triunfante, numa das primeiras sequências do longa, na qual, dentro do avião que leva seu personagem dos EUA a Roma, ele revela pânico de turbulência. A partir dali, Para Roma, com Amor será mais ou menos divertido - bem mais do que menos - à medida que o espectador estiver predisposto a embarcar na viagem nonsense do diretor e roteirista.
São quatro histórias paralelas, ao menos uma delas se desdobrando em mais de uma frente. É aquela em que o casal recém-chegado do interior - estereotipado, como convém às comédias escrachadas - se perde na cidade caótica. Enquanto ele (Alessandro Tiberi), tímido, virgem até o casamento, encontra uma prostituta (Penélope Cruz), ela (Alessandra Mastronardi), olhos verdes, vestido de camponesa e a beleza de uma Anna Magnani aos 20 anos, vai parar num set de filmagem e se deslumbra com a cantada de um ídolo da televisão (Antonio Albanese).
É um dos núcleos menos inspirados, apesar das presenças femininas luminares - a lubricidade é uma característica marcante do Allen atual. Não a melhor das histórias, até porque tudo é muito regular no filme, mas certamente a mais inventiva é aquela em que um jovem arquiteto americano (Jesse Eisenberg) ouve conselhos de um colega experiente (Alec Bald­win). A sacada, aqui, é fundir as personalidades de ambos: Baldwin é onipresente no dia a dia do personagem de Eisenberg, como se fosse uma voz da sua própria consciência.
É este sujeito, na verdade uma miragem, que antecipa sua paixão extraconjugal pela aventureira vivida por Ellen Page. A traição, como tema, é um dos elementos de unidade do filme. Só não aparece no episódio que conta com a atuação do próprio Allen - como um diretor de ópera que, com a mulher psiquiatra (Judy Davis), vai a Roma conhecer o noivo idealista (Flavio Parenti) da filha (Alison Pill).
Quando ele descobre que o pai do noivo (Fabio Armiliato), além de agente funerário, é também um ótimo cantor de chuveiro, têm início as sequências mais nonsense do filme - para não estragar a surpresa, diga-se apenas que ele investe numa montagem do Pagliacci de Leoncavallo respeitando o contexto em que aflora o talento do homem (o banheiro).
A quarta história de Para Roma, com Amor é a mais ácida. Para os italianos, que se viram identificados pelo personagem de Roberto Benigni, ácida demais. Ele é um romano comum, reiteradamente sem graça - a reiteração se deve em parte ao registro over pelo qual o ator é conhecido e que foi muito bem explorado pelo diretor. De uma hora para outra, vê-se perseguido por paparazzi que consideram um feito revelar ao público como ele gosta das torradas no café da manhã.
Não precisa haver Anita Ekberg se banhando na Fontana di Trevi para entender a inspiração em A Doce Vida, um filme de 1960, mas a crítica é específica à futilidade dos novos tempos e à bagunça atual entre o público e o privado. Este núcleo também se estrutura sobre o humor nonsense, que, ao final, acaba sendo uma das marcas mais notáveis de Para Roma, com Amor.
Não chega ao ponto de Bananas (1971) ou A Última Noite de Bóris Grushenko (1975), mas o espírito é este: um Woody Allen político, que transcende os limites do real como técnica para dizer algo sobre o que é dolorosa e indubitavelmente real.
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SERVIÇO
Para Roma, com Amor
De e com Woody Allen. Com Roberto Benigni, Judy Davis, Alessandro Tiberi, Alessandra Mastronardi, Flavio Parenti, Penélope Cruz, Alec Baldwin, Jesse Eisenberg e Ellen Page.
Comédia, Itália/Espanha/EUA, 2012.
Duração: 102 minutos. Classificação: 12 anos.
Estreia nesta sexta