
Valter Hugo Mãe é um tímido atencioso. Fala baixo, sem arroubos, às vezes encolhe os ombros, mas cuida, voluntariamente, para reduzir o ritmo acelerado da dicção portuguesa a um andamento mais afeito aos ouvidos brasileiros. Foi assim que um dos destaques da atual literatura portuguesa manteve atenta uma plateia que encheu a Sala dos Jacarandás do Memorial do RS, na tarde do último domingo.
Mãe é um pseudônimo adotado por Valter Hugo Lemos para filiar-se à delicadeza feminina que, para ele, é essencial na vida.
- Considero as mães as criaturas mais obstinadas, os seres humanos que estão mais longe na experiência da vida - justifica.
Na palestra que concedeu na Feira do Livro, o escritor, uma das vozes mais aclamadas da nova geração de autores portugueses, reiterou esse ponto. Mas ressaltou que a recepção da crítica aos seus primeiros romances como um homem que escreve com uma voz feminina o fez alterar algumas coisas em seus livros posteriores.
- Me angustia que me enquadrem logo em algum rótulo, principalmente por ser ainda novo. Dizem que o escritor repete sempre o mesmo livro, eu tento sempre não fazer isso - disse, à professora Jane Tutikian e ao escritor Pedro Gonzaga, seus interlocutores no debate.
Durante boa parte de sua carreira, Valter Hugo Mãe assinou seus livros e os escreveu sem usar letras maiúsculas. Começou inspirado na dicção peculiar de um poeta português chamado Al Berto e depois percebeu que, com aquele artifício gráfico, reproduzia o que considera a forma do pensamento:
- Não pensamos com maiúsculas, com sinais gráficos ou de editoração.
O que era uma marca, contudo, também foi abandonado recentemente - o autor voltou a escrever e a assinar com maiúsculas justamente para evitar que seus livros, que buscam a poesia da humanidade de personagens no limite da sobrevivência, fossem reduzidos aos "romances escritos com minúsculas".
- As pessoas se atinham a isso e esqueciam o que havia no livro. E eu escrevo sobre pessoas cuja sobrevivência é um milagre, era para mim violento ser apenas o "cara que escreve em minúsculas" - explica.
Romances no Brasil
- o nosso reino (Editora 34)
Menino de oito anos narra seu maravilhamento com o mundo, em que tudo tem a voz de Deus, o homem mais triste do mundo.
- o remorso de baltazar serapião (Editora 34)
Fábula cruel sobre uma família vivendo em uma aldeia de tons medievais, à mercê do castelo de um nobre.
- a máquina de fazer espanhóis (Cosac Naify)
Romance pelo ponto de vista de um homem que, aos 84 anos, depois de ficar viúvo, se recolhe a um asilo e revisa seu passado e o de Portugal.
- O Filho de Mil Homens (Cosac Naify)
Um homem de 40 anos desejoso de ter um filho adota um órfão de 14. Na narrativa, se cruzam e se enredam os destinos de vários personagens, a maioria sofridos e, a seu modo, marcados pela vida.