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Não é novo contar histórias fictícias com uma "estética do real". Do mesmo modo, ninguém mais é inventivo apenas por embaralhar espontaneidade com construção cênica. Mas é inegável que novas tecnologias, como as câmeras portáteis, e a estranha sede do público pela intimidade do outro têm levado a arte, e o cinema em especial, a uma investigação cada vez mais acentuada das fronteiras entre ficção e realidade.
Algumas das gemas mais notáveis do cinema brasileiro recente incluem a apropriação de imagens reais numa trama fictícia (Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo), a encenação de uma falsa realidade (Terra Deu, Terra Come) e um desafio à percepção do real por parte do público (Jogo de Cena). O Céu sobre os Ombros (2010) é mais simples na fórmula, mas tão impressionante quanto esses três.
O longa acompanha a rotina de três personagens reais de Belo Horizonte que seu diretor, Sérgio Borges, em entrevista a ZH, definiu como "exóticos": Munari, um Hare Krishna de torcida organizada, Lwei, autointitulado escritor maldito, e Everlyn, transexual que estuda Foucault. É que, inspirado em Ítalo Calvino e suas Cidades Invisíveis, Borges queria provocar impacto como se deixasse o espectador diante de "algo inventado", descobrindo "cidades inverossímeis" que existem dentro da capital mineira.
Algumas sequências são encenadas. Outras, totalmente reais. E outras, ainda, provocadas pelo diretor sem que o trio se desse conta de estar agindo em um contexto "montado". Há, nesses casos, questionamentos éticos inevitáveis. O resultado, de todo modo, é o surgimento de uma verdade tão impressionante que transforma a fruição numa experiência riquíssima. E, ainda que não exatamente original, absolutamente incomum. O lançamento é da Lume Filmes.