
O Segundo Caderno pediu para o jornalista André Czarnobai, o Cardoso, falar sobre a importância do Garagem Hermética e o impacto de seu fechamento na cena cultural de Porto Alegre. Confira.
"Rapaz, não sei nem por onde começar. A primeira vez que eu fui no Garagem Hermética eu tinha uns 16 anos, e foi tão primeira vez que quando eu saí de dentro do carro do meu pai (acho), atravessei para o lado errado da rua. Era uma noite daquelas fracas, meio de semana, e acho que não devia ter mais de 20 pessoas lá dentro. Não tenho muitas lembranças dessa noite, exceto pelos acetatos pendurados num varal sobre o bar (que ainda tinha uma placa anunciando SUSHI entre os comestíveis), do enorme Sonho de Valsa pintado numa das paredes.
Algum tempo depois, já na faculdade, o Garagem Hermética acabou virando uma espécie de extensão da minha casa. Houve uma época em que eu ia literalmente todos os dias até lá, encerrando a peregrinação que começava na Fabico, se estendia até a Lancheria do Parque e culminava num daqueles sofás infectos que passaram anos ali no palco. Não era simplesmente um bar, não era um lugar para ouvir boa música, ou para encontrar os amigos. Era muito mais do que isso. Se eu ainda estivesse na vibe do Hakim Bey, poderia muito bem dizer que era uma ZAT, uma Zona Autônoma Temporária. Era, mesmo, um universo paralelo. A certa altura, quando os Bailões do CardosOnline já estavam consolidados e havia festas como Full Moon, ClubOn e Cinemeando que juntavam praticamente as mesmas pessoas ali, era quase como uma comunidade independente, um bando de gente que vivia à margem da sociedade durante aquelas horas ali dentro. Era demais.
Lembro que quando o Ricardo e o Léo quiseram vender o Garagem nós, do COL, QUASE compramos - mas ainda estava um pouco além das nossas posses, na época. Depois da reforma, o Garagem nunca mais foi o mesmo. O casarão insalubre e inseguro realmente era um perigo, mas rapaz, como foi bom ter corrido aquele perigo todo lá. Que saudades me deu só de pensar em tudo isso agora.
Tem gente que eu encontro ainda hoje, começo a trocar uma ideia e não sei bem de onde conheço, até que alguém começa a contar alguma história do Garagem (como a noite em que caiu uma caixa de som na cabeça duma mina durante um show da Ultramen, ela foi no HPS tomar ponto e voltou para lá; ou a noite em que a lenda de que havia um cara morando no porão do Garagem se mostrou verdadeira, já que o cara efetivamente saiu de lá para fazer sei lá o que e logo em seguida, sem falar com ninguém, se recolheu de novo; ou ainda a vez em que passaram aquele filme clássico do Zé do Caixão com uma cena de sexo com um pastor alemão e os vizinhos jogaram ÁGUA FERVENDO - talvez fosse mijo - nos espectadores; ou ainda o bailão em que não dava nem para a se mexer de tanta gente, faltou luz e 90% das pessoas foram embora).
Daí eu lembro.
Hehehehehe"
André Czarnobai, o Cardoso, jornalista, criador do CardosOnline, primeiro e-zine do país