Fábio Prikladnicki
Caetano Veloso adquiriu intimidade suficiente com a banda Cê a ponto de aparecer no clipe de A Bossa Nova É Foda, do disco Abraçaço (2012), sem camisa, pele solta sobre o músculo, em coreografias com os jovens do power trio. Trechos dos movimentos foram reproduzidos ao final da apresentação da música Um Abraçaço no show realizado na quinta-feira, no auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre.
Uma breve reflexão: certa vez, Marisa Monte declarou que não faz MPB, e sim música contemporânea brasileira. O mesmo pode ser dito de Caetano. Não esqueceu da ideia de linha evolutiva que seduziu Augusto de Campos, como se nota na reverência à história da música nacional em A Bossa Nova É Foda. Mas a evolução da música de Caetano, musa híbrida, se dá por meios misteriosos e imprevisíveis. Os rótulos envelheceram; ele não.
Praticamente metade das canções do show foi do novo disco, executado quase na íntegra, com exeção de Gayana. Também apareceram Homem, Odeio e Outro do disco Cê (2006), o primeiro dos três registros de estúdio gravados com o guitarrista Pedro Sá, o baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado.
A performance seguiu o roteiro das apresentações em outras cidades. Tudo era calculado, como a dancinha engraçada de Caetano no meio de Funk Melódico e o movimento sinuoso de mão quando cantou "Eu sou a sereia que dança" em Reconvexo. O público também sabia de seu papel. Aplaudiu a parte de Reconvexo que menciona Dona Canô e fez backing vocal em Você Não Entende Nada (Caetano disse: "E quero que você venha comigo", e a plateia respondeu: "Todo dia, todo dia").
Durante uma hora e quarenta minutos, o artista falou pouco. Dedicou Parabéns, do novo disco, às pessoas que estavam de aniversário. Em outras canções, pediu para o público cantar junto. De resto, optou por interagir silenciosamente. Caminhava longitudinalmente pelo palco, distribuindo sorrisos e abrindo os braços em agradecimento. Em troca, recebia gritos e aplausos.
Sobrou homenagens à família. No repertório, estava Mãe, para Dona Canô, morta em dezembro de 2012. Reconvexo é do repertório da irmã Maria Bethânia. Alguém Cantando fez referência a outra irmã, Nicinha, morta em 2011. É dela a voz na gravação da canção no disco Bicho (1977).
O público se animou especialmente em Você Não Entende Nada, a última do repertório, quando todos se levantaram, e parte dos espectadores se dirigiu ao espaço próximo ao palco. O bis veio com Vinco, cuja letra faz referência ao Sul ("China, gaucha pampeira, prenda minha"), trecho que foi aplaudido. Depois, foi a vez de A Luz de Tieta e Outro, que encerrou a noite. Assim como no samba de Wilson e José Batista cantado por Paulinho da Viola, o mundo de Caetano é hoje.