Marcelo Gonzatto
Autor da trilogia sobre a história do Brasil, também jornalista com passagem por várias das principais redações do país, Laurentino Gomes sustenta que o Rio Grande do Sul teve papel de destaque na Proclamação da República, em contraste com o papel tímido desempenhado em outros dois períodos históricos abordados nos primeiros livros - 1808 (sobre a vinda da família real portuguesa para o Brasil) e 1822 (Independência). Confira trechos da entrevista concedida por telefone:
> Livro "1889" aponta viúva gaúcha como pivô de rivalidade histórica
> Silveira Martins teria levado a melhor sobre Marechal Deodoro
Zero Hora - O 1889 tem tiragem inicial de 200 mil exemplares, espetacular para um livro de história. A que atribui isso?
Laurentino Gomes - Esses números me surpreendem. Atribuo isso a dois fatores principais. O primeiro é a linguagem escrita em estilo jornalístico, que apela ao leitor comum. Há uma combinação de análise um pouco mais profunda com histórias pitorescas que aproxima a história do leitor médio. Mas tem a ver também com o momento que o Brasil está passando. As pessoas leem um livro com o relato de acontecimentos de 200 anos atrás, mas querem saber do Brasil de hoje, como a história explica o momento em que chegamos atualmente.
ZH - Uma dessas histórias pitorescas é a participação da chamada baronesa do Triunfo na inimizade entre Deodoro e Gaspar Martins. Mas o senhor não dedica muito espaço a ela. Por quê?
Gomes - A baronesa do Triunfo poderia ser definida como uma madrinha involuntária e anônima da República brasileira. Não se consegue entender as decisões do Marechal Deodoro nas horas que se seguem à queda do império sem levar essa história em conta. Deodoro nem de longe se comparava em charme e formação intelectual ao Gaspar Silveira Martins, que costumava recitar Shakespeare de cabeça, era um gauchão conquistador e levou a melhor na disputa pela baronesa de Triunfo. Nasceu ali uma rivalidade na vida política e pessoal. Mas ela (a baronesa) é uma personagem sobre a qual tive muita dificuldade para encontrar informação. Inclusive, o nome completo dela só descobri depois do livro estar pronto.
ZH - Alguns historiadores, principalmente militares, não admitem a alegação de que ela teria tido um caso com Gaspar Silveira Martins.
Gomes - Não há informação de que o romance tenha se consumado. Pode ser que o Silveira Martins tenha conquistado a simpatia da baronesa do Triunfo. Mas o fato é que ela se engraçou mais pelo Silveira Martins do que pelo Deodoro. E deu na República (risos).
ZH - Há vários outros gaúchos envolvidos no nascimento da República. Como o senhor avalia a participação do Estado no episódio?
Gomes - No primeiro livro (1808), o Rio Grande do Sul praticamente não aparece porque era uma província distante, sem muita expressão no cenário brasileiro. Na Independência (1822) também. Mas o Rio Grande do Sul é o grande laboratório da República, das ideias e dos conflitos que vão se expressar nacionalmente. Tem uma discussão importantíssima no Rio Grande do Sul a respeito dos rumos que a República brasileira deveria ter. Os castilhistas, os republicanos mais positivistas ligados ao Julio de Castilhos, têm um papel importante na sedução que os republicanos fazem à oficialidade mais antiga do Exército para levar ao golpe de 15 de novembro. Houve uma reunião na fazenda do Julio de Castilhos em que combinaram que a ideia era envolver o Exército mesmo, jogá-lo contra o Império. Depois temos a Revolução Federalista, ou seja, o preço em sangue e sacrifício que a República não cobrou nas ruas do Rio de Janeiro, cobrou no Rio Grande do Sul.
ZH - O que mais o surpreendeu na pesquisa feita para o livro?
Gomes - Primeiro, a total passividade do imperador Pedro II em relação à mudança do regime. O Império caiu inerte. É mais correto falar em implosão do Império do que em proclamação da República. Se você olhar as cartas de dom Pedro II para a condessa de Barral, verá que ele tinha uma índole republicana. Diz que preferia ser um presidente da República do que um imperador. Outra coisa curiosa que me surpreendeu é que, ao contrário do que se imagina, a República nunca chegou a ser uma aspiração popular, ao contrário do movimento abolicionista.
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