
A primeira impressão da mostra Reflexo Distante, na galeria Bolsa de Arte, em Porto Alegre, é que Marina Camargo gosta de brincar de esconder.
Um dos trabalhos é uma coleção de cartões-postais da Alemanha, colados na parede, nos quais os alpes são pintados de preto, de modo que se tornam silhuetas. Da imagem original, resta apenas o horizonte.
Em uma manhã na Bolsa de Arte, Marina ouve com interesse minha interpretação, mas tem outra leitura:
- Trata-se de como lidar com a memória relacionada a um lugar.
Os alpes são uma referência à paisagem de um filme de Hitler a que a artista assistiu (e que aparece em um vídeo da exposição, também com as montanhas apagadas). Durante sua experiência na Alemanha, onde estudou com uma bolsa, Marina presenciou a difícil negociação de uma nação com a memória.
A arte de Marina Camargo é, sobretudo, a respeito da impossibilidade da representação das coisas como elas são. Nessa reprodução da realidade, sempre aparecem "erros", como diz a artista, pequenas distorções. As silhuetas são uma reprodução aproximada, nunca exata, do contorno dos alpes:
- Esses "erros" fazem parte de toda representação, mesmo da fotografia. Se olharmos o lugar e a imagem, não são a mesma coisa.
Em 2011, Marina teve trabalhos expostos em um segmento da Bienal do Mercosul que tratava das paisagens do Rio Grande do Sul, ao lado de nomes como Carlos Vergara e Lucia Koch. Ocupou-se do pampa. Pergunto a ela se essa mostra projetou seu trabalho.
- Não me acho projetada - sorri. - Na verdade, temos pouco contato com o público. Se uma exposição tua vai para algum lugar, nem sempre estamos lá. Mas acho que as pessoas aqui conhecem meu trabalho.
Marina conta que começou aos 14 anos (hoje, tem 33). Diz que trabalhar com arte era uma "necessidade", por mais que isso pareça um tanto romântico. Preocupava-se se teria dinheiro para comprar tintas. Esse tipo de drama, ela reconhece, não existe mais.
- Hoje os dramas são outros - brinca. - Nesse sentido, percebo os frutos do meu trabalho.
Marina nasceu em Maceió e se mudou para Porto Alegre aos 9 anos. Tem família na região do pampa e no Nordeste. Durante a conversa, fica claro que é reservada sobre a vida pessoal. Digo a ela que talvez minha tese de que gosta de esconder esteja correta. Marina ri e, então, explica que não quer estabelecer uma relação de causa e consequência entre vida e arte:
- Nunca sei até que ponto os dados biográficos são importantes para as pessoas que veem meus trabalhos.
Até o final do ano, ela lançará uma publicação que registra uma viagem pelo sertão nordestino. Na quinta-feira (10/10), será inaugurada uma exposição individual em Pelotas, intitulada O Ar entre as Coisas, em A Sala, no Centro de Artes da Ufpel.
REFLEXO DISTANTE
MARINA CAMARGO
> Bolsa de Arte (Visconde do Rio Branco, 365), fone (51) 3332-6799, em Porto Alegre.
> Visitação de segunda a sexta, das 10h30 às 19h. Sábado, das 10h às 13h30. Até 01/11. Entrada franca.