
- Para falar a verdade, Ivan Karamázov me seduziu total. E o Aliócha... Ah, o Aliócha é um fofo! É assim, sem nenhuma pompa e com muita intimidade, que a literatura vem ampliando seu espaço na internet. A frase acima, retirada de um vídeo da estudante de Letras Verônica Valadares sobre o clássico Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, dá o tom dos vlogueiros literários - os booktubers -, que vêm se proliferando no YouTube.
Sem pretensão de fazer análises definitivas, essa turma usa a internet para compartilhar suas experiências de leitura:
- Qualquer um que tenha uma câmera e acesso à rede pode começar um canal no YouTube. Pode dar sua opinião sobre determinado assunto sem precisar ser o dono da verdade - diz a professora de inglês e tradutora paulista Tatiana Feltrin, uma das pioneiras em canais literários no Brasil, criando vídeos desde 2007.
Mas nem todos compreendem o caráter despretensioso das produções, como conta Tatiana:
- Algumas pessoas ainda não entenderam que estamos apenas conversando sobre livros e nos procuram com aquele discurso de "Quem é você para dizer que tal livro é ruim?" ou "Você não tem propriedade para falar de tal autor". Mas a gente ignora e segue em frente.
Tatiana é uma das líderes de audiência entre os booktubers - seu canal, Tiny Little Things, já alcança mais de 60 mil inscritos. Há outros vlogueiros que trafegam próximos dos 30 mil seguidores (como Minha Estante, Cabine Literária e Garota It) e uma dezena de outros com mais de 5 mil inscritos. Regina Zilberman, professora do Instituto de Letras da UFRGS, afirma que um dos motivos desse sucesso é justamente o caráter informal das produções:
- Faz algum tempo que a leitura e a discussão em grupo acabaram migrando para a sala de aula. No entanto, há uma demanda reprimida para falar de literatura fora do ambiente escolar. A escola pode ser um espaço muito interessante, mas carrega certa disciplina e controle.
De leitor para leitor
O diálogo com outros leitores parece realmente o grande motivador para o booktubers continuarem ligando suas câmeras uma ou até mais vezes por semana para gravar impressões sobre leituras, como destaca a vlogueira Patrícia Pirota, professora de Gramática e Literatura para o Ensino Médio e Fundamental em Campo Grande (MS):
- No YouTube, posso deixar formalidades e sistematizações de lado e falar como leitora, simplesmente. E isso é muito gostoso, essa liberdade de me expressar, o sentimento de que, em algum lugar, alguém vai aproveitar o que eu digo e compartilhar comigo sua opinião.
As conversas por meio de comentários, compartilhamentos e vídeos-resposta possibilitam usar o YouTube como um grande clube de leitura, sempre aberto a novos membros. Patrícia Pirota, por exemplo, inspirou-se nos vídeos de Tatiana Feltrin para se iniciar nesse universo e criar seu próprio canal. Assim como ela, mais e mais novos booktubers se arriscam nessa comunidade de e para leitores.
No Natal, 29 vlogueiros participaram do 3º Amigo Secreto Literário. A iniciativa foi organizada a partir de uma comunidade no Facebook em que o grupo se aproxima e troca experiências:
- É muito bom poder conversar com outras pessoas que fazem as mesmas coisas que você, pedir dicas, tirar dúvidas, comentar sobre os possíveis trolls que aparecem - afirma Verônica Valadares.
Mais do que um hobby
O fenômeno dos booktubers já despertou a atenção do mercado literário. Com visibilidade crescente, os vlogueiros estão atraindo o interesse das editoras e estabelecendo parcerias que podem possibilitar a profissionalização no futuro.
- Várias editoras entraram em contato comigo no começo do ano oferecendo parceria, e, quando entrei em contato com algumas outras, também fui aceita, sem precisar explicar que não tenho um blog - afirma a vlogueira Tatiana Feltrin.
Os booktubers têm ainda a possibilidade de lucrar com seus vídeos, por meio de parcerias com o YouTube, publicando anúncios em seus canais. Mas, pelo menos até o momento, ganhar dinheiro não parece a motivação principal dos vlogueiros literários. A matogrossense Patrícia Pirota, por exemplo, recebe mensalmente lançamentos de seis editoras e segue postando vídeos quase todas as semanas por prazer:
- Penso em profissionalizar mais meu canal e meu blog, mas não sei até que ponto posso imaginar que eles sejam minha única fonte de renda. Por enquanto, vou fazendo porque me divirto e, quando não houver mais diversão, eu paro.
Conheça alguns canais
Tatiana Feltrin
> Pioneira dos vlogueiros literários no Brasil, a paulista já tem mais de 60 mil inscritos no seu canal Tiny Little Things: www.youtube.com/tatianagfeltrin
Patrícia Pirota
> Professora de literatura no Ensino Médio, Patrícia Pirota aproveita o YouTube para falar de livros de modo descontraído, como leitora: www.youtube.com/patriciapirota
Juliana Gervason
> Doutora em Estudos Literários, Juliana compartilha suas impressões de leitura sem academicismo ao lado de Théo, sua calopsita: www.youtube.com/juligervason
Eduardo Cilto
> Começou seu canal ainda em 2012, com apenas 16 anos. Além de dar suas impressões como leitor, faz paródias musicais sobre livros: www.youtube.com/perdidonoslivros
Verônica Valadares
> A estudante de Letras fala sobre clássicos, best-sellers recentes e, às vezes, até canta para os espectadores - Verônica tem educação formal em canto: www.youtube.com/vevsvaladares
Dicas para começar seu vlog literário
1- Não deixe de gravar por não ter o equipamento ideal: a maioria dos vlogueiros usa câmeras amadoras. Um ambiente bem iluminado e silencioso pode melhorar a qualidade de seus vídeos.
2 - Mantenha a regularidade: grande parte dos vlogueiros publica ao menos um vídeo por semana. Assim, estabelecem um público cativo e aperfeiçoam-se a cada postagem.
3 - Apresente sua estante: não sabe por onde começar? Mostrar sua coleção de livros é uma boa pedida.
4 - Seja social: comente, faça vídeos-resposta, acompanhe outros canais. Curta outros vlogueiros e se insira no diálogo.
5 - Cuidado com spoilers: não são proibidos, mas sempre avise antes de revelar os destinos de uma história.