Pelos meus planos para aquele Réveillon, a reforma na casa deveria estar mais do que pronta. No entanto, por causa de um erro cabuloso que acarretou lógico atraso, fomos obrigados ao improviso: enquanto eu recebia os convidados, meu marido dava um jeito em latas de tinta, vassouras, rolos de pintura e sacos de lixo, que eram literalmente chutados para os cantos ou enfiados nos armários. Como todos os convivas eram gente muito chegada, lógico que nos divertimos muito e entramos o ano a preceito. Mesmo assim, confesso que senti vergonha. Por pouco a lentilha não foi servida com pedaços de gesso e caliça.
Acho que a Copa vai ser mais ou menos assim, como aquele Réveillon: a gente até vai se divertir, mas vamos passar vergonha da grossa. Nessa verdadeira apoteose da engendração que será o Brasil, e Porto Alegre, nos jogos, teremos de, mais uma vez, exibir nossa precariedade ao mundo - e disto não temos escapatória.
Uma esperança, no entanto. Talvez consigamos perceber que temos sido fornecedores de gente cuja vocação exclusiva é a força e a velocidade, habilidades físicas que parecem cancelar quaisquer outras. Mais fácil chutar uma bola do que entender um texto de dois parágrafos, e assim temos dado ao mundo jogadores, corredores, esportistas, atletas, pessoal cuja virtude é centrada em pura carne e músculos - e isto, creio, quer dizer muita coisa sobre um povo. Mesmo com a badalada ascensão social de milhares de brasileiros, ainda não tivemos condições de prover saúde, educação ou segurança para todos, preciosidades que possibilitariam lastro para um cultivo maior de interesses. Refinar nossas habilidades, nosso gosto, nossas ambições, tudo isto representaria mesmo o máximo em termos de conquistas individuais e sociais. Como fornecedores de corpos, escolhemos pagar mico diante do mundo e mostrar nossa casa inacabada.
É claro que todos vamos amarrar o amor na chuteira, como diz o comercial, torcer, vibrar, ninguém é louco de perder a festa. Que pelo menos a gente reconheça que, para dar baile, o salão tem que estar arrumado. E que ninguém, em nenhuma parte do mundo, pode levar a sério um país cujas reformas das casas nunca acabam no prazo, cujas obras públicas são buracos negros de dinheiro, cuja vergonha é divulgada para o universo e cuja cabeça está nos pés de seus jogadores. Merecemos coisa melhor.