
Luis Fernando Verissimo já disse que quem consome cultura é, inevitavelmente, em alguma medida, um francófilo. De fato, se há um lugar confortável com a imagem de centro universal da erudição, este lugar é a França.
Berço de revoluções nos mais variados campos artísticos e intelectuais, a França nos deu, entre tantas outras coisas, o cinema. Do iluminismo de Voltaire ao pós-estruturalismo de Foucault, do humor de Molière à anarquia de Artaud, da prosa de Proust à poesia de Baudelaire, é preciso uma vida inteira para conhecer e apreciar as riquezas culturais do país.
O que ZH faz a seguir, abrindo a série Copa Cultural, é apenas dar algumas dicas. Propor caminhos para adentrar essas riquezas. E assim, a partir do que sua produção cultural revela, ter uma ideia de quem são os nossos povos visitantes na Copa do Mundo.
Acompanhe: desta quarta-feira até o dia 12 de junho, quando se inicia a Copa, serão seis semanas falando de todos esses visitantes - na quarta-feira que vem, será a vez de Austrália e Honduras.
Vanguardistas
É A Fonte de Marcel Duchamp (o urinol que o artista francês transformou em obra de arte) o símbolo das vanguardas que "mudaram tudo" no início do século 20. Entretanto, desde o impressionismo de Monet (e de tantos outros...), muitas das provocações que marcaram a história da arte vêm da França: o fauvismo de Matisse, o cubismo de Picasso, o surrealismo de Buñuel e Dalí - todos estes últimos imigrantes em algum momento radicados em Paris. Historiadores apontam artistas franceses em fuga da I Guerra Mundial entre os principais responsáveis por introduzir a arte moderna no continente americano. É claro que a tradição artística francesa não começou tão tarde, então, para conhecer mais, sobretudo das escolas clássica e neoclássica, vá atrás de Cézanne, Gauguin e, antes ainda, Ingres e Delacroix.
Provocadores
Autor de peças de humor apurado - e ousado para o século 17 -, como Tartufo e O Misantropo, Molière é um dos gênios da dramaturgia universal. As provocações dos autores que revolucionaram o teatro, 300 anos depois, foram outras, mas baseadas nos costumes da mesma sociedade que inspirou o mestre da comédia. Ionesco (A Cantora Careca), Arrabal (Fando e Lis) e Beckett (Esperando Godot), nomes-chave do chamado Teatro do Absurdo, nasceram respectivamente na Espanha, na Romênia e na Irlanda, mas se estabeleceram na França.
Literatos
Certa vez, Paulo Francis escreveu que não haveria Marcel Proust nem Gustave Flaubert sem Choderlos de Laclos, o autor de As Ligações Perigosas. Laclos e Marquês de Sade são exemplos de autores malditos. Sem eles, mas também sem os "benditos" Honoré de Balzac, Paul Verlaine, Victor Hugo, Émile Zola, Julio Verne, Alexandre Dumas e Stendhal, não há uma história possível da literatura - ainda que a prosa de Arthur Rimbaud e a poesia de Charles Baudelaire tenham chegado ao século 21 mais vivas entre os leitores jovens.
Pioneiros
Entre todas as revoluções culturais francesas, uma das maiores foi a dos irmãos Lumière. O cinématographe, que Auguste e Louis inventaram em 1895, tornou-se a ponta de lança de uma nova linguagem, definidora da cultura pop, entretenimento para as massas e meio de expressão de alguns dos principais artistas do mundo - franceses inclusive, de Renoir a Godard, de Vigo a Truffaut, de Carné a Resnais. Filmes fundamentais produzidos na França, que simbolizam épocas e ajudam a entender o país e essa própria linguagem? Uma linha do tempo básica, para começar: Viagem à Lua (1902), O Atalante (1934), A Grande Ilusão (1937), O Boulevard do Crime (1945), Hiroshima Meu Amor (1959), Acossado (1960) e a Trilogia das Cores (1993).
Românticos
Para além do estereótipo da erudição e do gosto pela invenção, os franceses são românticos. O amor é a base da chanson française, ainda que se manifeste de formas diferentes nas performances de ícones como Charles Aznavour e Serge Gainsbourg. Antes deles, Maurice Ravel, Charles Debussy e Erik Satie fizeram pontes importantes da música com movimentos de outras linguagens. Nada a ver com isso, mas já que o assunto é música, e que referências pop são importantes para um eventual papo com um flâneur parisiense à toa pela Rua dos Andradas: com o advento dos sintetizadores, provou-se que Homer Simpson não tinha razão ao dizer que franceses não sabem fazer rock - Air, Phoenix e Vive la Fête são nomes de relevo da música pop do século 21.
> O Brasil no Horizonte: foram os franceses que fundaram as bases do ensino acadêmico de arte no Brasil, ao enviar ao país a Missão Artística Francesa em 1816. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, que Jean-Baptiste Debret publicou ao voltar à Europa, mantém-se como um documento fundamental sobre o Brasil da época. Foi uma obra de Debret, inclusive, que serviu de base para definir cores e formas da bandeira brasileira.
> Top 10
(alguns ícones da cultura francesa)
Um astro: Alain Delon
Uma estrela: Brigitte Bardot
Outra: Catherine Deneuve
Uma voz: Edith Piaf
Um intelectual influente: Jean-Paul Sartre
Um espaço: La Cartoucherie, a sede do Théâtre du Soleil
Um livro: Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust
Uma viagem: A do Dr. Lidenbrock, o protagonista de Viagem ao Centro da Terra, de Julio Verne
Uma parceria: DArtagnan e Athos, Porthos e Aramis, ou Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas
Um episódio: A apresentação de A Sagração da Primavera, balé de Igor Stravinsky coreografado por Vaslav Nijinsky, no Théâtre des Champs-Élysées, em 1913, considerado um dos marcos seminais do modernismo universal