Quando as cortinas se fecharam ao final do segundo ato de La Bohème, de Puccini, na Metropolitan Opera, em uma noite recente, quase cem assistentes de palco entraram em ação. Em uma coreografia eficiente; eles carregavam objetos de cena, enfeites, panos de fundo enrolados, e empurravam o carro enorme que carregava o próximo cenário, colocando-o no lugar e amarrando as escadas ao chão, ao som de bipes, marteladas, e alarmes intermitentes.
- Um relógio inicia uma contagem regressiva assim que o intervalo começa, e todo mundo sabe o que precisa ser feito, afirmou John Sellars, assistente geral de gestão de produção do Met, enquanto saía do caminho de um grupo de assistentes de palco que juntava montes de neve falsa.
A ação rápida e bem concertada por trás das cortinas contrastava com a cena nos saguões do teatro. Aqui, todos os intervalos veem a multidão bem vestida se aglomerando em filas e mais filas que serpenteiam lentamente em direção aos banheiros ou aos bares.
Em teoria, os intervalos são feitos para que os membros do auditório possam ver o movimento, conversar sobre a apresentação e dar uma olhada no programa da noite, além de pegar alguma coisa para beber ou comer e dar uma passadinha no banheiro. Na prática, os 20 ou 30 minutos não são suficientes nem para chegar à fila do banheiro.
O mesmo ocorre em shows na cidade toda, onde parece que ninguém pensa em dar alguma estrutura aos intervalos. Do ponto de vista do artista, o propósito é claro: os intervalos oferecem um pouco de descanso e, no caso da ópera, a chance de trocar o cenário. Para o público, essa é quase sempre uma experiência frustrante: os intervalos são os últimos vestígios da função social que já foi a principal razão para uma ida à ópera ou à casa de shows.
Nos primórdios da ópera, o público caminhava pelo auditório bem iluminado, comendo, bebendo, e jogando cartas enquanto a música tocava. Os artistas conseguiam relaxar um pouco durante os intermezzi entre os atos, quando um balé ou uma pequena ópera cômica não deixavam a peteca cair.
Simon McVeigh, musicólogo do Goldsmiths College, na Universidade de Londres, afirma que uma liberdade similar era comum nos concertos do século XVIII.
- É verdade que os concertos geralmente eram divididos em duas partes e as óperas em três atos, mas sabemos que as pessoas iam e vinham conforme quisessem. No século XVIII, as Hanover Square Rooms tinham uma sala separada de concerto, onde era possível comprar comida e bebida, provavelmente durante todo o concerto, escreveu em um e-mail.
Se as pausas fossem mais longas, haveria uma programação complementar: Clara Schumann ficou exasperada ao ouvir os arranjos para órgão das composições de seu marido, Robert Schumann, durante o intervalo de um de seus recitais nas Hanover Square Rooms, em Londres.
Durante um concerto realizado em Londres nos anos 1820, o público pôde assistir a demonstrações de enguias elétricas, de acordo com o pianista, maestro e historiador Joel Sachs, que faz parte do corpo docente da Juilliard School.
Outras formas de diversão também eram comuns nos teatros.
- Sabemos que batedores de carteiras e prostitutas eram um problema frequente durante os intervalos no início do século XIX em Londres. E as óperas possuíam salas escuras onde as pessoas podiam entrar com suas amantes. Na velha ópera da Paris, ainda existem salas privadas com sofás, afirmou Sachs em uma entrevista.
Ao longo do século XIX, a música se tornou o foco dos concertos, e esperava-se que o público mantivesse a atenção. Os programas geralmente eram mais longos e variados que os de hoje em dia, com uma mistura de obras vocais, sinfônicas e de câmara. Mas, ainda assim, afirmou McVeigh, há poucas evidências de que os intervalos durassem mais que cinco minutos, tempo suficiente para dar uma saidinha, mas não para buscar uma bebida.
Barbara Haws, arquivista e historiadora da Filarmônica de Nova York, afirma que a primeira vez que o termo "intervalo" foi utilizado nos arquivos que ela pesquisa foi no programa de um concerto realizado em abril de 1856, para que os impacientes nova-iorquinos tivessem uma oportunidade de sair antes da hora.
- Para que as pessoas que desejam ouvir a última peça do programa não se incomodem com as que preferem ir embora, um intervalo de cinco minutos será realizado antes da última Overture, depois da qual os presentes devem permanecer sentados até o fim da apresentação, diz o texto.
Em uma entrevista por telefone, Haws afirmou que não tinha certeza de por que o intervalo havia sido colocado tão perto do fim de um concerto em sete partes, que começou com a Quarta Sinfonia de Beethoven e também incluía peças de concertos para violino e uma cena de "Attila" de Verdi.
- Eles precisavam pegar o cavalo e a carruagem? O trânsito era assim tão ruim? Com certeza ninguém ia para Connecticut depois do concerto?, se perguntou.
Aquela apresentação foi realizada no Niblo's Garden, um teatro na Broadway que surgiu no local onde havia uma loja de café e sorvetes e podia receber mais de 3 mil expectadores. De acordo com um relato do crítico musical Henry C. Watson, revelado por Haws, o local vivia lotado, com gente para todo o canto, abafado, barulhento e desconfortável, e o público era composto basicamente por meninas adolescentes e seus acompanhantes, espalhados pelos lobbies, onde pareciam estar desfrutando o acompanhamento de Beethoven enquanto batiam papo e falavam trivialidades.
Ao final do século, as salas de concertos eram projetadas para se apreciar a música, com características feitas sob medida para levar o público ao auditório com assentos difíceis de entrar e sair, com lobbies e outros espaços públicos reservados para a socialização.
De acordo com McVeigh, a primeira sala de concertos a ter um banheiro foi a Queen's Hall, que abriu as portas em Londres em 1893 e contava com bares e uma sala de imprensa. Os programas começavam a se parecer com o padrão que conhecemos hoje, com uma abertura e um concerto, separados da segunda metade da sinfonia por um intervalo. Nessa época, geralmente só em concertos ao ar livre, criados para atrair um público novo, é que as pessoas poderiam comer e fumar durante.
À medida que a busca por um novo público continua, talvez seja chegado o momento de repensar os intervalos no contexto de cada concerto - ou, ao menos, de cada ambiente. Em locais onde não há nada o que fazer, como o Bargemusic, próximo à Ponte do Brooklyn, e o Miller Theatre, na Universidade de Columbia, é muito difícil justificar um intervalo de 20 minutos.
Os músicos também têm sentimentos conflitantes em relação a eles. Embora muitos gostem da oportunidade de tomar algum ar durante programas longos e cansativos, as pausas podem acabar com a adrenalina que foi se acumulando ao longo da primeira metade do concerto, de acordo com o maestro Joshua Weilerstein.
- Você fica com a cabeça a mil, e depois há um espaço vazio. Precisamos de muito trabalho para recriar os intervalos. A experiência nas salas de concerto é basicamente a mesma dos últimos 100 anos, acrescentou Weilerstein.
Na próxima temporada, a Filarmônica de Nova York irá oferecer dois concertos sem intervalos às sextas-feiras para ver qual é a reação do público.
O gerente geral do Met, Peter Gelb, afirmou que seus esforços para reduzir a duração dos intervalos são frustrados pela complexidade técnica das produções modernas. Mas ele cortou o número em quase uma dúzia de produções, incluindo a "Aida", de Verdi, que passou a ter dois, ao invés de três intervalos. Desde 1980, o "Wozzeck", de Berg, que possuía dois intervalos, passou a ser apresentado sem interrupções.
- É incrivelmente empolgante poder ver tudo de uma só vez. Acho que os cantores também ficam animados e, sem dúvida, James Levine adora poder conduzir tudo de uma só vez, afirmou Gelb a respeito do Wozzeck.