
Heróis vivem tensionados entre a imagem imponente que exibem aos olhos dos outros e os conflitos íntimos que os fazem fraquejar. Donato, salva-vidas interpretado por Wagner Moura em Praia do Futuro, espelha esse dilema. Para o irmão caçula, ele é o super-herói Aquaman, tamanhas são sua coragem e destreza por entre ondas da praia homônima de Fortaleza. Mas Donato falha na missão de resgatar um dos dois pilotos de motocross alemães que ali se banham. O episódio será determinante para ele promover uma reviravolta em sua vida. O relacionamento que inicia com o sobrevivente, o ex-militar Konrad (Clemens Schick), faz Donato deixar para trás família e emprego para seguir o companheiro rumo a Berlim.
Após dois longas centrados em figuras femininas, O Céu de Suelly (2006) e O Abismo Prateado (2011), o diretor cearense Karim Aïnouz se volta ao universo masculino em Praia do Futuro explorando os contrastes entre virilidade e delicadeza, coragem e medo, calor e frio. Cruzar o oceano, para Donato, assume o sentido metafórico da reinvenção.
- A questão da sexualidade é determinante no conflito, no medo que Donato tem de se expor no lugar onde vive - diz Karim a Zero Hora. - Essa questão é colocada logo no começo, mostrando uma relação de afeto disparada pela relação física. O personagem é movido pela ação, pelo desejo. A homossexualidade é tratada sem vitimização.
Apresentado em fevereiro na disputa pelo Urso de Ouro no Festival de Berlim, Praia do Futuro tem como cenários dois lugares caros ao cineasta: a praia cearense que muito frequentou na juventude e Berlim, cidade na qual viveu.
- Eu tinha projetos de fazer um filme na Praia do Futuro e outro em Berlim. O Felipe Bragança (corroteirista do longa) sugeriu juntar os dois cenários, que aparentemente não conversam. Isso poderia funcionar na dramaturgia a partir dos contrastes, os geográficos e os revelados por Donato, o herói que decide fugir, com um covarde - diz Karim.
Em cartaz desde esta quinta feira em Porto Alegre (Cinemark Barra e GNC Moinhos), Praia do Futuro é apresentado em três atos. O último, passados oito anos, é tensionado pela chegada a Berlim de Ayrton (Jesuita Barbosa), o irmão caçula que tinha Donato como ídolo e cobra deste, com fúria, os traumas provocados pela fuga. O nome do personagem, em razão de Ayrton Senna, reforça a luz jogada sobre a figura icônica do super-herói, que surge também nas referências a Speed Racer e ao Motoqueiro Fantasma e à canção Heroes, composta em Berlim por David Bowie.
- É uma música que adoro e que tem uma carga de melancolia. Tentei usá-la em algumas cenas, mas é tão forte que acabava virando um videoclipe. Por isso, deixei para os créditos finais - afirma Karim.
Destaque do filme, a excelente atuação do trio protagonista exigiu um trabalho especial, mais nos diálogos em alemão do que nas cenas de sexo, garante o diretor:
- Foi complicado tanto para o Clemens falar português quanto para o Wagner falar alemão. Gosto de improvisar no set, mas, com as falas em outro idioma, ficou difícil. O diálogo trabalhado cena a cena foi quase como um bordado. Mas ajudou na dramaturgia. Chegamos a um processo de tirar proveito da ação não só pela palavra, mas também pela ação física. Quanto às cenas de sexo, temos sempre de tentar proteger o ator. O Clemens, que tem grande experiência em teatro, e o Wagner passaram muito tempo convivendo, o que ajudou na relação de confiança entre eles. É complicado pedir para um ator se expor dessa maneira. Mas, se a cena é necessária, o Wagner é muito aberto, não tem limites.
Próximos projetos de Wagner Moura.
Narcos - Está filmando na Colômbia, com José Padilha, a série do Netflix na qual vive o traficante Pablo Escobar.
Rio, Eu Te Amo - Estrela o segmento Inútil Paisagem, assinado por José Padilha no projeto coletivo que já teve como cenários Paris e Nova York. Estreia dia 11 de setembro.
Trash - Faz um policial no longa que Stephen Daldry (de Billy Elliot e As Horas) filmou no Rio. É sobre três garotos que vivem aventuras num lixão. Rooney Mara e Martin Sheen estão no elenco. Estreia 31 de outubro.
Dois Irmãos - Interpreta irmãos gêmeos na minissérie de Luiz Fernando Carvalho que a Globo exibirá em 2015.
Marighella - Estreia como diretor com a cinebiografia do político e guerrilheiro baiano Carlos Marighella. Filmagem prevista para 2015.
O Império - Viverá um pastor evangélico no próximo projeto do diretor Karim Aïnouz.
Fellini Black and White - Papel de Federico Fellini no filme que especula o que teria ocorrido com o cineasta italiano nos dois dias em ele desapareceu em Los Angeles, em 1957. Adiado por falta de financiamento, está temporariamente suspenso em razão da morte do diretor Henry Bromell, em março passado.