
Entre uma visita e outra a seu detetive particular, o argentino Emilio Renzi dá aulas de literatura para universitários norte-americanos, discute Gandhi e Tólstoi com sua vizinha russa e sai para beber com desconhecidos ou vagar solitário pela noite. Em O Caminho de Ida, novo romance de Ricardo Piglia, 71 anos, Renzi é o personagem central de um thriller investigativo que tem início no ambiente acadêmico, mas extrapola os limites dos campi e das tramas detetivescas tradicionais.
O protagonista - alter ego do autor presente em livros como Respiração Artificial e Alvo Noturno - é convidado para uma temporada como professor em uma universidade norte-americana. O recém-chegado logo se envolve com Ida Brown, a sedutora professora que comanda o departamento, mas a furtiva paixão tem fim súbito: Ida morre em estranhas circunstâncias. A morte seria decorrente de um acidente de carro ou teria conexão com uma série de atentados sofridos por acadêmicos recentemente? Renzi vai em busca da resposta.
Caminho de Ida é livremente inspirado no caso de Theodore Kaczynski, brilhante matemático de Harvard que se converteu em terrorista. Unabomber, como Kaczynski ficou conhecido, foi preso em 1998, depois de ter matado três pessoas e ferido mais de 20 em atentados. Em sua narrativa, o argentino Piglia mergulha fundo no clima de tensão e de falta de privacidade vivido por muitos cidadãos norte-americanos, apesar da aparente liberdade e do conforto material. E também disseca o pensamento de resistência anarquista e o ambiente que possibilita fenômenos como Unabomber.
Mesmo tendo uma intensa - porém breve - relação com Ida, Renzi não parece um personagem motivado pelo desejo de vingança. O professor encara tudo com seu olhar estrangeiro, de alguém distanciado, mas incansavelmente curioso. Quem ganha é o leitor, que tem em mãos o relato de um metediço intelectual em busca de melhor compreender a realidade que o cerca, e não uma caça a culpados. Já o texto é construído com exemplar ação, e os pensamentos mais aprofundados são desenvolvidos com leveza, muitas vezes fragmentados em diálogos.
Ambientado nos anos 1990, Caminho de Ida, pode ser lido como uma crônica a respeito da vida acadêmica e de fenômenos que se agudizaram de uns anos para cá, como o terrorismo e a hipervigilância. É uma prosa de ação envolvente, mas densa como um ensaio.
O Caminho de Ida
Ricardo Piglia
Romance, Cia das Letras, tradução de Sérgio Molina, 248 páginas, R$ 39,50 e R$ 27,50 (e-book).
Cotação: 4 de 5 estrelas