Luiza Piffero
O poeta e músico Ricardo Silvestrin consegue citar pelo menos dois artistas plásticos, um cantor, um compositor e até um bonequeiro vivendo a poucos metros da sua casa. Há 15 anos, quando comprou um sobrado na Rua São Carlos, não imaginava que as mesmas qualidades que lhe atraíram à região também seduziriam dezenas de outras mentes criativas. A rua, ladeada por casas antigas e árvores, está inserida numa área do bairro Floresta, em Porto Alegre, que parece ter sofrido uma espécie de colonização artística e agora desperta para seu potencial cultural.
Embora muitos artistas morem ou trabalhem na região há anos, o promissor diálogo entre eles tem se ampliado graças ao projeto Distrito Criativo, capitaneado por Jorge Piqué. Por meio da Urbsnova, sua agência de inovação social, ele mapeou galerias de arte, ateliês, escritórios de design, arquitetura e publicidade, além de cafés, brechós e antiquários numa faixa que se estende da Barros Cassal à Félix da Cunha, entre as avenidas Cristóvão Colombo e Farrapos. Para dar unidade a tudo isso, propôs o Distrito Criativo, que já conta com 60 participantes.
- A ideia ajudou a mostrar que as pessoas aqui têm afinidades - relata Silvestrin.
Um dos moradores que milita por melhorias no bairro, Silvestrin divulga sua produção a partir da própria casa. Já movimentou sua rua ao propor ações artísticas para serem vistas da calçada, como o Sarau na Janela, no qual os poetas Mario Pirata, Dilan Camargo e Alexandre Brito foram convidados a recitar poemas, e o Música na Janela, que envolveu o compositor Leo Ferlauto num show de persianas abertas para o brechó de rua que acontece ali todos os sábados. Frank Jorge já foi convocado para a próxima edição, ainda sem data.
À medida que aumenta a interlocução entre os artistas da região, a criatividade vai transbordando dos interiores para as calçadas.
- Devemos, como artistas e cidadãos criativos, participar deste pensar a cidade - avalia o artista André Venzon, que mantém um ateliê na região há 20 anos. - Acho que é nisso que o Distrito Criativo vem a colaborar. Acredito que as pessoas são os espaços.
Marga Pasquali percebeu o potencial da zona em 2011, quando transferiu a galeria Bolsa de Arte para a rua Visconde do Rio Branco.
- Na época, era subvalorizado, e acho que ainda é. Mas tem tudo pra ser um dos melhores da cidade: boa localização, fácil acesso, é plano, é tranquilo, não é superconstruído. Tem problemas de segurança, como todos os outros.
Para a galerista, o Floresta tem vocação para ser uma Vila Madalena, reduto boêmio paulistano onde ela acabou de abrir uma unidade da Bolsa de Arte. Lá, a região foi revitalizada a partir da presença de estudantes e artistas. Algo que parece começar a se concretizar por aqui.
Arte fluindo para a rua
Com tanta criatividade concentrada, não é de se estranhar que a arte comece a invadir as ruas do Floresta. Nas reuniões do Distrito Criativo, foram lançadas ideias para tornar o bairro mais colorido, como a decoração de postes e bancos ou a pintura de murais. O projeto também tem organizado caminhadas pela região como a Walking Gallery, que mobilizou cerca de 50 artistas em 22 de março, e o Passeio das Artes, que estreia hoje, às 11h. Dono de um ateliê na São Carlos, Lucas Strey, 28 anos, tem planos para as obras que estarão em uma exposição sua programada para este mês no IAB-RS.
- Quando terminar a exposição, quero pôr as esculturas no bairro - projeta o artista, que, todos os dias, pendura a escultura de uma mulher com um jarro na fachada.
Memória viva
O 4º Distrito, área que inclui o bairro Floresta, nasceu como um terreno de chácaras que, no início do século 20, começou a receber indústrias. Inspirado na revitalização de áreas industriais em cidades como Nova York, Jorge Piqué, que comanda o projeto Distrito Criativo, aposta na ocupação artística da região:
- A indústria migra para lugares afastados, e fica aquela área vazia. Os artistas é que foram para essas regiões. Para que, em cinco anos, seja visto como um lugar legal de passear.
Há desafios pelo caminho. A cantora Angela Diel viu alguns empreendimentos culturais abandonarem a Rua Gonçalo de Carvalho devido aos altos preços e à insegurança. Ela administra a Casa da Música no casarão rosado de 1931, onde mantém uma programação semanal aberta ao público e aluga salas para professores realizarem aulas e ensaios.
O que o Floresta tem?
Mais do que uma arquitetura agradável aos olhos, casas antigas também oferecem amplos espaços que se prestam bem a ateliês. O artista André Venzon ocupa um pavilhão na área há cerca de 20 anos. Em 2014, decidiu abri-lo ao público e recebeu 300 pessoas em um mês.
- Na próxima exposição, vamos propor uma ocupação ainda mais ousada do espaço - anuncia Venzon.
Outros nomes das artes visuais que têm espaços de trabalho na região são Leopoldo Plentz, Flávio Gonçalves, Fernanda Valadares, Nelson Wilbert, Xadalu e Carol W, que montou um ateliê onde faz suas esculturas de papel machê.
- Acho que o artista procura uma atmosfera calma. Estar perto do agito, mas também com silêncio - justifica Carol, tão fiel ao bairro que se muda, mas não o deixa.
A cultura como negócio
A transformação da região em polo criativo passa pelo renascimento do Vila Flores. Projetado como lar de operários, em 1928, pelo arquiteto Joseph Lutzenberger, o complexo na esquina da Rua São Carlos com a Hoffmann está sendo restaurado para abrigar um centro de cultura e negócios.
- Juntamos um pessoal bem diverso para ocupar os espaços: tem arquiteto, produtora cultural, designer gráfico - conta a gestora cultural do espaço, Aline Bueno.
A reforma terminará em dois ou três anos, mas o local já abrigou eventos e peças de teatro.
Para atrair público, entretanto, é preciso enfrentar o estigma do Floresta como área de tráfico de drogas e prostituição.
- Não vemos isso como obstáculo, mas desafio - diz Aline.
Confira um mapa dos espaços abertos ao público e outras iniciativas do bairro Floresta, em Porto Alegre: