Até ordem em contrário, junho prometia ser dedicado somente a representar o país no Exterior - o que significava bastante trabalho mas também boas doses daquele encantamento que só as viagens proporcionam.
A primeira parada era Viena. Junto com o escritor João Anzanello Carrascoza, participamos do Nosso Jogo, belo festival que foi idealizado do dia 6 ao dia 8 pelo Instituto Latino-Americano austríaco para ser um contraponto à Copa. O saldo de nossa participação foi reunir plateias encantadas pelo Brasil, encantamento que, asseguro, foi mútuo. O próximo destino era Lisboa.
No imóvel que o maior poeta português ocupou nos seus últimos 15 anos de vida, transformado na belíssima Casa Fernando Pessoa, realizava-se, do dia 10 ao dia 13, o Festival do Desassossego, encontro que se repete anualmente e que nessa edição comemorava os 125 anos de nascimento.
No dia 12 de junho, dia do primeiro jogo do Brasil, depois de uma jornada de trabalho, estávamos, a poeta e professsora brasileira Maria Lúcia dal Farra e eu, no restaurante anexo à Casa. Embora o aparelho de tevê estivesse sem volume, sentamos para assistir à partida contra a Croácia. Depois do "golo" de virada de Neymar, Maria Lúcia recebeu pelo celular a mensagem enviada por alguém da família: Dilma estava sendo vaiada.
A informação, soubemos depois, era só uma parte da verdade. No Itaquerão, o que se ouvia era o desconcertante uníssono de gente mandando a presidente tomar no c*. Para quem estava feliz da vida com o andamento do próprio trabalho, uma notícia dessas significou exatamente um balde de água fria.
Quem é do contra, quem acha que tem direito de falar e fazer barbaridades porque discorda, que aprenda a se manifestar de forma civilizada. Isso de transformar descontentamento em molecagem, de ofender feito marginal, de fazer linchamento moral, de se apoiar no anonimato da massa, isso é selvageria. Não sei se foi uma elite branca ou roxa que mandou longe a presidente - e não sei quem teve a ideia de jerico de concordar que só a "elite" pudesse assistir a jogos da Copa.
Aos portugueses que perguntaram sobre o papelão, eu argumentei que somos novos nisso de democracia, povo irreverente e quejandos, muita roubalheira e sem-vergonhice. Por pudor, escondi minha convicção mais íntima: muitos passaram a ganhar dinheiro sem saber lidar com o poder que o dinheiro proporciona. Esses é que deveriam ir para bem longe. Bem longe mesmo.
Coluna
Cíntia Moscovich: transformar descontentamento em molecagem é selvageria
"Muitos passaram a ganhar dinheiro sem saber lidar com o poder que o dinheiro proporciona"
Cíntia Moscovich
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