Ainda na semana passada, fazendo companhia a uma matéria do Fábio Prikladnicki, escrevi sobre roqueiros que invadem o clássico. Minha conclusão: as gerações de hoje têm trânsito livre numa música como os clássicos de hoje que não têm os limites das gerações passadas.
Depois, conversando com um colega - compositor como eu - veio outra conclusão: os roqueiros que vão para o clássico jamais teriam coragem de fazer a mesma coisa com o jazz; dificilmente entrariam nesse território cheio de exigências onde as luzes brilham com força, onde qualquer erro é fatal e destrói reputações na hora.
Na terra franca do clássico, sempre há o benefício da dúvida. No jazz, é improvável. No clássico, há mais paciência para reputações construídas em pleno voo. Alguém perguntou um dia ao pianista Rubinstein por que ele tocava sempre as mesmas coisas (como se fosse esse o caso!).
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"Para que o público acompanhe os meus progressos", respondeu. Não vejo essa paciência para acompanhar progressos no jazz. E olhe lá que jazzistas também se movimentam, quando querem, rumo aos clássicos. Não é preciso voltar a Miles Davis tocando o concerto de Aranjuez, isso faz tempo. Mas é que agora mesmo o The Bad Plus, com a formação rigorosa do trio de jazz (piano, baixo e bateria) fez uma dessas aventuras e saiu ileso.
Gravou toda a "Sagração da Primavera", de Stravinsky, do início ao fim e na sequência da partitura original, só que em versão para... piano, baixo e bateria. Peça mais multicolorida que a Sagração, difícil haver. Mas a coisa do The Bad Plus funciona, mesmo na instrumentação modesta - mas tão genial - do trio de jazz. Ou seja, os clássicos, mesmo os de Stravinsky, sobrevivem sob nova direção, desde que os músicos saibam o que fazer.
Então: de uma direção, roqueiros classicizam-se. De outra, classicizam-se os jazzistas. Todos confraternizam na terra franca dos clássicos de hoje, desde que uns roqueiros não invadam o território de uns jazzistas. Desde que todos obedeçam o título daquela polca do compositor Pestana imaginado por Machado de Assis: não bula comigo, nhonhô!
Coluna
Celso Loureiro Chaves: "roqueiros que vão para o clássico não fariam com o jazz"
O colunista escreve quinzenalmente para o 2º Caderno
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