Na semana que passou, a conjugação de algumas notícias me causou um misto perplexo de felicidade e revolta, além de um mundaréu de dúvidas.
Primeiro, li que Porto Alegre passou com mérito no teste da Copa e que o trabalho dos voluntários gaúchos da Fifa foi um colosso, fatos que aliviaram meu coração bonfiniano. Depois, soube que as estruturas temporárias do entorno do Beira-Rio, aquelas que custaram R$ 30 milhões, começaram a ser desmontadas - sem que ninguém ainda tenha me esclarecido se o desembolso dessa dinheirama, que escoou do erário num passe de mágica da Assembleia, cabia de verdade ao Inter ou à Fifa. Espanto.
Outra notícia a nutrir minha estranheza informava que, depois da bagatela de dois anos em licitação, entregou-se oficialmente um pacote de instrumentos musicais, no valor de R$ 1 milhão, destinado à montagem de 51 orquestras na rede estadual de ensino. O secretário da Educação, Jose Clovis de Azevedo, disse que a compra dos instrumentos foi uma briga de foice, porque os órgãos de controle não se convenciam de que teclados, violões, flautas, guitarras, violinos e quejandos seriam usados com fins pedagógicos. É dele a frase que faz rir e chorar:
- O Estado nunca tinha comprado sequer uma cuíca.
A quarta notícia - que me fez crer que o mundo não é justo - foi a de que a tradicionalíssima creche Santa Terezinha, que desde 1978 cuida e educa filhos de trabalhadores nas redondezas do bairro Farroupilha e que vive de contribuições, precisa de novos voluntários e de dinheiro para manter-se em dia com o Corpo de Bombeiros e com a prefeitura. São 62 crianças de dois a seis anos de baixa renda que perigam ficar sem uma das mais tradicionais e sérias escolas da cidade - e isto é tão grave e importante quanto a Capital se dar bem recebendo turistas, quanto a responsabilidade de R$ 30 milhões e quanto a formação de orquestras na escola.
Como pode que, para comprar instrumentos musicais, o Estado demore dois anos? Que a prefeitura e o valoroso Corpo de Bombeiros não deem uma ajuda ainda mais luxuosa a uma creche que vive da caridade? Mais: como pode que a Biblioteca Pública esteja ainda fechada, que o Multipalco do Theatro São Pedro esteja pendurado? Como pode tanto de um lado, tão pouco de outro, e que se tirem R$ 30 milhões da cartola do contribuinte do dia para a noite, literalmente, sem saber de quem é a dívida?
Alguém me explique: como?