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A Batalha de Argel é um filme que extrapola o campo da análise cinematográfica e sobrevive ao tempo como relevante documento histórico e político. Lançado em 1966, o longa-metragem do diretor italiano Gillo Pontecorvo dramatizou a guerra civil que levou a Argélia a se tornar independente da França, travada entre 1954 e 1962.
E o fez com tamanho impacto que, no correr dos anos, consolidou-se como um potente, polêmico e ainda atual libelo contra a opressão a embalar sonhos revolucionários mundo afora - das convulsões estudantis na Europa nos anos 1960 à resistência às ditaduras na América Latina na década de 1970, com eco na recente turbulência provocada pela Primavera Árabe. Proibido e censurado em muitos países, o filme foi liberado no Brasil apenas em 1982.
De volta ao circuito nacional com uma nova edição em DVD, pelo selo do Instituto Moreira Salles (IMS), A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, 121min) venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1966 e representou a Itália na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro no ano seguinte - em 1969, disputou as estatuetas de direção e roteiro original.
Em um depoimento que acompanha o DVD, Saadi Yacef, argelino que pegou em armas no levante que pôs fim a 132 anos de domínio colonial francês, destaca que A Batalha de Argel foi realizado com o "sangue ainda escorrendo". Yacef escreveu na prisão o livro que sonhou ver transformado em filme. Libertado em 1962, após ser indultado da pena de morte, ele foi à Itália buscar interessados em realizar a produção e chegou a Pontecorvo, conhecido por Kapò (1960), drama sobre a perseguição dos judeus pelos nazistas na II Guerra Kapò (1960).
Ter sido realizado no calor na hora e no cenário original ressalta o vigor de A Batalha de Argel. A produção, lembra Yacef, reconstruiu prédios destruídos no enclave árabe da cidade de Argel - para explodi-los outra vez - e reconstituiu episódios reais com a participação dos moradores da cidade. A grande força dramática do filme, entretanto, está na opção de Pontecorvo pelo registro documental, emulando um cinejornal da época. O diretor também assina a trilha sonora em parceria com o mestre Ennio Morricone.
Seu elenco, incluindo o próprio Yacef, é composto por atores amadores. A um camponês analfabeto, Brahim Hadjadj, foi entregue o papel de Ali La Pointe, ex-delinquente de rua que assumiu o papel de mártir revolucionário. Único ator profissional em cena, o francês Jean Martin condensa em seu personagem diferentes comandantes militares enviados pelo governo francês para reprimir a revolta e os ataques terroristas contra autoridades e a população francesas - contra-ataque violento que envolveu torturas e ações criminosas de paramilitares. Apesar de sua militância esquerdista e a posição anti-colonialista, Pontecorvo sublinha também ações os assassinatos e as execuções sumárias promovidas pelos insurgentes. A veracidade da encenação fez de A Batalha de Argel objeto de estudo de ação e repressão em táticas de guerrilha urbana.
Após focar sua narrativa na gênese da revolução, coordenada pela Frente de Libertação Nacional (FLN), e seu momentâneo sufocamento, A Batalha de Argel reforça que o sucesso da luta pela independência da Argélia se deu apenas quando a causa foi abraçada pela população nas ruas. O poder popular se mostrou, nesse caso, mais eficaz do que o poder das armas e dos arranjos políticos.
Acompanha o DVD um livreto de 28 páginas com um robusto ensaio sobre o filme assinado pelo crítico José Carlos Avellar, curador da área de cinema do IMS. Além de destrinchar A Batalha de Argel em suas particularidades icônicas e narrativas, o texto coloca o filme sob a perspectiva do cinema político e social que ganhou força na Europa após a II Guerra, a partir do neorrealismo italiano. Os filmes de Roberto Rossellini Roma, Cidade Aberta (1945) e Paisà (1946) foram influências assumidas de Pontecorvo, que, por sua vez, com A Batalha de Argel, inspirou nomes como Costa-Gavras, em Z (1969), e cineastas de diferentes nacionalidades nos anos seguintes.
A guerra pela independência da Argélia e seu impacto no cinema
O cinema contemporâneo tem na conflituosa relação de países europeus com suas ex-colônias e com os imigrantes que neles buscam uma vida melhor uma tema continuamente explorada. Em relação à França, aparece tanto na produção francesas quanto na cinematografia de países africanos como Argélia, Marrocos, Tunísia e Senegal, entre outros. Listamos alguns filmes que abordam especificamente o impacto da herança colonialista na Argélia.
O Pequeno Soldado (1963) - Em um de seus filme mais polêmicos - e literalmente revolucionários -, Jean-Luc Godard aborda a prática de tortura e as contradições políticas e ideológicas de um jovem militar francês. Em meio à repressão ao levante pela independência da Argélia, o rapaz deserta e foge para a Suíça, onde se envolve tanto com um grupo radical de direita quanto com uma militante da FLN.
Crônica dos Anos de Fogo (1973) - No filme vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, Mohammed Lakdar conta a história de pequeno agricultor argelino que se integra à resistência contra o domínio colonialista francês. Em um processo de tomada de consciência, ele torna-se um revolucionário nos primeiros passos da guerra pela independência de seus país, em 1954.
Caché (2005) - O diretor Michael Haneke equilibra suspense e tensão na história de uma família francesa que tem sua rotina em Paris invadida por um estranho que a vigia. A narrativa engenhosa remete a um acerto de contas individual que, em uma perspectiva histórica mais ampla, ilumina relação da França com sua ex-colônia Argélia como uma ferida não cicatrizada.
Fora da Lei (2010) - Cineasta francês de origem argelina, Rachid Bouchareb mostra a luta pela independência da Argélia por meio da trajetória de três irmãos argelinos que se envolvem em ações de guerrilha promovidas pela Frente de Libertação Nacional (FLN) em solo francês.
Homens e Deuses (2010) - O filme de Xavier Beauvois encena a história real de monges franceses que foram vítimas de fundamentalistas islâmicos que lutavam para tomar o poder na guerra civil que tensionou a Argélia nos anos 1990.
Trailer de A Batalha de Argel