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Os holofotes não saem de João Carlos Castanha. Depois de ser tema de um longa-metragem, dirigido por Davi Pretto, o ator, performer e lenda viva da noite porto-alegrense agora estrela Até o Fim, espetáculo teatral que entra em cartaz nesta sexta-feira no Museu do Trabalho.
Zé Adão Brabosa dirige a peça que o próprio Castanha escreveu a partir de suas memórias, numa linha tênue entre ficção e autobiografia - mais ou menos como o filme, que teve sua première nacional na semana passada, no Festival de Paulínia (e ainda não tem data para estrear no circuito).
Leia crítica sobre o espetáculo
- A peça é uma comédia sobre a morte - define o autor e intérprete, em meio à maratona de ensaios e viagens para acompanhar as exibições do longa.
Castanha, o filme, passou pelo Festival de Berlim em fevereiro e, depois disso, teve sessões no Japão, na Argentina, na Dinamarca e nos EUA. Ambos, longa e peça teatral, fazem parte do mesmo processo, por assim dizer. Explica Castanha:
- Comecei a escrever Até o Fim há cerca de três anos. Mostrei o texto para o Davi Pretto. Ele gostou e decidiu incorporar algumas das histórias ali narradas à trama do longa-metragem.
Além disso, no filme, vê-se Castanha escrevendo a peça e até montando-a - caso em que a ficção antecipa o real, ou vice-versa, que já o filme ainda não pôde ser visto pela maior parte do público.
Na peça, interpretando a si próprio, Castanha é um doente terminal que relembra episódios de sua vida em conversas com uma enfermeira (Rose Canal). Tímida e solitária, a mulher se deixa transformar a partir do contato com o artista e suas histórias, algumas delas verdadeiras lendas urbanas da Porto Alegre real, outras envolvendo personagens conhecidos como Fonso, ex-gerente do bar Ocidente, o cabeleireiro Claudiona e o performer Nega Lu.
- Ele cita coisas pelas quais valeu a pena viver: filmes marcantes, pessoas queridas, a efervescência dos anos 1980. Mas com leveza, com um espírito cômico. Castanha é um dos maiores comediantes que já vi na vida - diz Zé Adão, seu amigo (e parceiro de inúmeras histórias) há 30 anos.
Até o Fim ficará em cartaz de sextas a domingos, sempre às 20h, até 24 de agosto. Os ingressos custam R$ 20 no Museu do Trabalho (Andradas, 230) e R$ 15 antecipados (à venda na Casa de Teatro, que fica na Garibaldi, 853, de segunda a sexta, das 9h30min às 22h30min, e no sábado, das 9h30min às 20h).
Afinal, o que Castanha tem?
> Castanha começou a carreira na Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz e na Cia. Tragicômica Balaio de Gatos, grupo de criação coletiva dos anos 1980 que trabalhava com teatro e dança e, sublinha o encenador Zé Adão Barbosa, era "o" grupo de seu tempo.
> Em 1986, escreveu uma adaptação de O Menino Maluquinho, que ficou em cartaz por 16 semanas ininterruptas na Capital. Foi a primeira de suas várias incursões pela dramaturgia infantil. De lá para cá, também escreveu comédias, entre as quais estão A Hora do Espanto e O Bordel das Irmãs Metralha.
> Paralelamente, começou a trabalhar como performer nas boates do nicho gay underground. Ao protagonizar histórias que se tornaram lendárias na noite, tornou-se personagem de si mesmo, algo que tanto o filme Castanha quanto a montagem de Até o Fim incorporam desde o seu princípio.
> Teria sido Castanha o inventor da expressão "lasanha", muito comum anos atrás, para designar um homem bonito? E quanto à lenda de que, para liberar um jornaleiro do trabalho e poder levá-lo para casa, após uma noitada, ele teria comprado todos os seus jornais e os jogado no Arroio Dilúvio?
> Aos 53 anos, Castanha diz já não ter certeza do que é real e do que é inventado nessas histórias. Zé Adão crava: "É tudo verdade". A "magnética" de sua figura tem a ver com essas lendas e, ainda, seu carisma no palco e seu timing cômico. Pena que Claudiona e Nega Lu, para ficar em dois parceiros citados anteriormente, já tenham morrido e não desfrutem da luz dos mesmos holofotes que agora iluminam Castanha.