
A partir desta quinta, o Cine Santander estreia três filmes de autor premiados em edições recentes dos principais festivais europeus: Heli, do mexicano Amat Escalante, Vic + Flo Viram um Urso, de Denis Côté, e Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho, de Danis Tanovic. Os três têm distribuição nacional pela Zeta Filmes. Confira, abaixo, breves textos dos três críticos de ZH sobre cada um dos três:
Via-crúcis bósnia
Por Marcelo Perrone
marcelo.perrone@zerohora.com.br
O relato em um jornal do drama vivido por Senada Alimanovic e seu marido, Nazif Mujic, indignou o diretor bósnio Danis Tanovic. Carregando no ventre um feto morto, a mulher teve atendimento negado por não ter plano de saúde e tampouco dinheiro para realizar a cirugia emergencial. Tanovic fez da via-crúcis vivida pelo casal de sangue cigano tema de Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho (2013), docudrama em que Nazif e Senada interpretam seus próprios papéis. O impacto do recurso é de tal ordem que Nazif foi consagrado com o troféu de melhor ator no Festival de Berlim.
O ofício do protagonista é simbólico. Ele é a sucata humana de um país que o discrimina por sua etnia e o exclui do sistema econômico e político erguido sob as cinzas da Guerra da Bósnia (1992 - 1995). Nessa enxuta e potente dramatização do real, Tanovic exibe um filme arrojado no seu embaralhamento de gêneros. E presta tributo aos primórdios dessa proposta narrativa lembrando Nanook do Norte (1922), filme no qual Robert Flaherty recriou - sob sua interferência dramatúrgica - a rotina de um esquimó no Alasca.
Mistério canadense
Por Daniel Feix
daniel.feix@zerohora.com.br
Era uma vez duas condenadas apaixonadas que, ao saírem da prisão, ficam livres para viver sua história de amor numa casa de campo. Premiado em Berlim, o longa canadense Vic + Flo Viram um Urso (2013) começa quase como um conto de fadas. Mas o clima misterioso e frio (ressaltado pela fotografia de paleta azulada) aos poucos revela que aquela região de estradas estreitas cercadas de mato reserva surpresas desagradáveis.
O urso do título é metafórico, mas vale notar que Denis Côté, um dos vários bons diretores quebequenses deste século 21, gosta de trabalhar com, vamos dizer assim, referências animais - vide Bestiaire (2012), exibido em Porto Alegre na Sessão Plataforma. Aqui, a relação estabelecida é entre predadores e presas. Para descobrir quais papéis cabem às protagonistas, vividas por Pierrette Robitaille e Romane Bohringer, você tem de ver o filme.
Vic + Flo não é exatamente violento. O que o faz valer a pena é a espera pela violência, pontuada pela entrega sutil de informações relevantes por parte de Côté, às vezes a partir de movimentos de câmera lentos, alongados. Nesse sentido, Vic + Flo é um desafio ao espectador - do qual, dado seu impacto estético, é impossível sair perdendo.
Violência mexicana
Por Roger Lerina
roger.lerina@zerohora.com.br
A realidade brutal do México dos desfavorecidos, expostos à violência do tráfico e da corrupção, é o pano de fundo de Heli (2013), filme de narrativa seca de Amat Escalante que levou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 2013.
Produção independente de baixíssimo orçamento, o drama começa mostrando em imagens cruas um cadáver sendo pendurado no alto de um viaduto por um grupo de homens. A partir daí, a história conta em retrospecto os eventos que antecederam o macabro gesto.
Heli (Armando Espitia) é um rapaz que mora com a mulher e o filho bebê na mesma casa que seu pai e sua irmã adolescente, em uma cidadezinha mexicana. Os dois homens trabalham em uma fábrica de carros, enquanto a menina Estela (Andrea Vergara), mal saída da infância, vai à escola e resiste ao assédio do namorado, o recruta Beto (Juan Eduardo Palacios).
Ao esconder na casa de Estela parte da droga que seus colegas militares desviaram em uma operação de combate ao tráfico, o cadete precipita uma tragédia que literalmente invade o lar da família de Heli.