E isso lá é história que se apresente numa ópera? Eu morava nos Estados Unidos quando o Achille Lauro foi sequestrado por terroristas palestinos, uns 30 anos atrás. Lembro ter acompanhado as desventuras daqueles poucos dias pela ABC das análises políticas das 11 da noite. Um navio de cruzeiro sequestrado! Demandas de libertação de prisioneiros palestinos, passageiros e tripulantes ameaçados de execução. Quando os terroristas abandonaram o navio, havia uma morte a contabilizar: a morte de Leon Klinghoffer - paraplégico, norte-americano, judeu, assassinado com dois tiros e jogado ao mar ainda em cadeira de rodas.
Pois essa história virou ópera em 1991: A Morte de Klinghoffer. Desde então, a ópera vem assombrando o compositor John Adams e a dramaturga Alice Goodman como o fantasma do pai de Hamlet, sem paz nem descanso. Imaginem o imbróglio em torno de uma ópera com um tema desses. Para uns, o texto é francamente antissemita. Para outros, os palestinos não são retratados com objetividade. Mesmo assim, de vez em quando A Morte de Klinghoffer desaparece e ninguém lembra dela. Mas de repente a coisa recrudesce e voltam as acusações. Como em 2001, quando Adams foi convidado a escrever a música em homenagem às vítimas do 11 de setembro. Dê-lhe lembrar o coro dos palestinos exilados que abre a ópera para demonstrar que Adams não seria, ideologicamente, o compositor indicado para a tarefa.
E agora, a terceira guerra de Gaza. E o Metropolitan de Nova York, em hora incômoda, resolveu encenar A Morte de Klinghoffer (que a ópera não se chame O Assassinato de Klinghoffer já foi motivo de muita literatura) e transmitir a encenação em HD para o mundo todo. Ops!
Logo a transmissão foi cancelada: a exibição poderia motivar antissemitismo, explicaram, não sem certa incoerência. Mas o mau passo já tinha sido dado. Não bastam duas populações reféns de seus respectivos governos. Agora até ópera há, como se já não bastassem foguetes e acusações mútuas como trilha sonora de um conflito sangrento e insolúvel.